Receptores GPS no limiar do ano 2000

O problema que alguns programas de computador terão com a chegada do ano 2000 é um fato bem comentado nos últimos tempos. Com a passagem de 31 de dezembro de 1999 para 1 de janeiro de 2000, programas que usam apenas os dois últimos dígitos para a definição do ano estimarão que estão no ano de 1900, em vez do ano 2000. O alarde feito pelos noticiários sobre o bug do ano 2000 pode permitir que não haja maiores conseqüências, num mundo cada vez informatizado, pois o problema terá sido resolvido a tempo. Do contrário, alguns programas correriam o risco de não funcionarem.
Dois casos similares acontecerão com o sistema de posicionamento global, denominados como Passagem Y2K e Passagem EOW.
A passagem Y2K está diretamente associada `a passagem para o ano 2000, mencionada acima. A passagem Y2K, potencialmente, afeta o modo como qual os receptores manipulam datas usando apenas dois dígitos. Como os receptores não se valem do ano para o cálculo do tempo, posição e velocidade, a passagem não afeta os dados coletados. O problema pode surgir no caso de o receptor interagir com algum sistema de computador que não consiga interpretar corretamente os dados fornecidos.
O segundo caso, a Passagem EOW, acontecerá com o Tempo GPS, com conseqüências sobre os receptores, que poderão passar a fornecer posições erradas e datas incorretas se nada for feito. Para entender melhor a situação, vamos rever como é definido o Tempo GPS.
O Tempo GPS é uma escala de tempo atômico, mantida por relógios atômicos da rede de estações monitoras (muitas vezes referidas como sistema de controle). O Tempo GPS teve início exatamente à zero hora civil (UTC) do dia 6 de janeiro de 1980, um domingo. A unidade desta escala de tempo é o segundo, que cresce continuamente, desde o segundo 0 (zero hora de domingo), até o segundo 604800, o último segundo de sábado. Na passagem de sábado para domingo, a contagem contínua de segundos é reiniciada. Para evitar que esta característica da contagem do tempo acarretasse ambigüidade, as semanas foram numeradas, a primeira é a semana zero, a segunda, a semana um e assim por diante. Ficou também estabelecido que a numeração das semanas terminará na semana 1024. Ao término desta semana, na meia-noite de sábado, 21 de agosto, para domingo, 22 de agosto de 1999, 132 dias antes do ano 2000, a contagem das semanas se reinicializará, começando de zero novamente.
Mas em que a passagem EOW acarretará em termos práticos? Muitos receptores calcularão que estão no 6 de janeiro de 1980 em vez de 22 de agosto de 1999. Este fato poderá afetar negativamente a determinação da posição, velocidade e tempo realizada pelos receptores. Estes receptores fornecerão informações de data e hora incorretas. O posicionamento oriundo destes receptores também será afetado por causa dos dados do almanaque, que o permitem identificar a posição dos satélites a serem rastreados no céu em qualquer instante. Embora a posição real do receptor não tenha sido alterada, sua posição relativa à constelação pareceria que sim. A magnitude desta dificuldade decorrente da passagem EOW depende também de como o programa interno usado pelo receptor tenha sido estruturado.
Para usuários do GPS, o funcionamento do sistema depende de receptores funcionando corretamente. Se os receptores forem construídos seguindo plenamente as recomendações pertinentes, nenhuma das duas passagens, Y2K ou EOW, devem causar problemas, pois já terão sido solucionadas. Em caso contrário, os receptores podem sofrer problemas relacionados ao rastreio dos satélite, bem como na determinação da posição, velocidade e tempo.
Alguns fabricantes de receptores já vêm resolvendo o bug. Os receptores que chegam hoje ao mercado devem ter resolvido a passagem. Receptores de gerações anteriores poderão precisar de substituição de seus Proas. Do ponto de vista técnico não é complicado, mas logística para tal pode ser problemática.
Como saber se um receptor particular será afetado pelas passagens Y2K e EOW? É preciso usar um simulador. O Departamento de Defesa dos EUA desenvolveu um, que vem sendo usado para testar seus equipamentos. Existem planos para que o simulador seja colocado à disposição da comunidade civil. Proprietários de receptores devem contatar fabricante, ou representante, para obterem maiores informações sobre as características das unidades, se serão afetada ou não pelas passagens Y2K e EOW, como também sobre o acesso a algum simulador que permita testar o equipamento, se for o caso. É prudente que se verifique se algum receptor pode ser afetado, pois, com o uso cada vez maior do GPS em atividades das mais diversas, algumas de controle e navegação, um possível mau funcionamento pode até colocar vidas ou propriedades em risco.

Receptores: ajustes para o bug do ano 2000

Marcelo Carvalho dos Santos é doutor em Geodésia e Engenharia Geomática pela Universidade de New Brunswick (Canadá), professor adjunto do Departamento de Geociências e vice-coordenador do curso de pós-graduação em Ciências Geodésicas, da UFPR. email: mcsantos@geoc.ufpr.br