Gis é como um grão, tem que germinar

Nos congressos e revistas especializados, o tema é comentado como opinião isolada de um ou outro pesquisador há pelo menos um ano, sempre provocando reações inflamadas dos profissionais mais… emocionalmente envolvidos. Ultimamente, no entanto, evidências cada vez mais fortes alimentam uma concordância crescente: os sistemas de informações geográficas vão desaparecer. Não serão abandonados, mas absorvidos como funcionalidade de bancos de dados e de aplicativos de análise e modelagem. Apenas em casos muito específicos continuarão no formato em que hoje os conhecemos.

Do ponto de vista dos profissionais de administração e marketing, convenhamos, esse desaparecimento seguido de ressurreição faz sentido. Nestas áreas, GIS é ferramenta, poderosa, sem dúvida, mas tão complicada e cara para implementar que freqüentemente torna-se problema em vez de solução. Um escritório de negócios não é, e não quer ser, um departamento de cartografia: se a conversa se desviar de nichos de mercado e resultados de vendas para UTMs e falsos nortes, vai haver trocas de olhares significativos; se o consultor, na seqüência, manifestar sua preocupação com o efeito da umidade sobre a dilatação do papel (como já vi acontecer), pode abrir a porta da sala de reuniões, porque os clientes vão sair correndo. E claro, têm razão em fazê-lo.

A grande maioria dos homens de negócios e dos administradores tem uma formação predominantemente de humanas e uma base quantitativa modesta: mesmo na área de finanças, a matemática usualmente necessária é a de segundo grau, os modelos de análise, simples. Seu conhecimento de informática é o de usuário do Office – algo comparável ao conhecimento que tenho sobre mecânica de veículos: apenas o necessário, da direção para cá. A verdade, que os provedores de geotecnologias têm dificuldade em aceitar (como excelentes mecânicos que são), é que 92% dos administradores e mercadólogos não têm a menor idéia do que fazem e para que servem os sistemas de informações geográficas. Esta categoria de aplicativos simplesmente não está presente em sua representação mental do mundo. Isso era assim quando fizemos uma pesquisa formal com encarregados, gerentes e diretores de marketing, em 1.996, e, a julgar por recente sondagem informal para atualização daqueles resultados, continua assim.

Num dos grupos de discussão pela Internet de que participo, Joe Lewis, da Decision Support Services Inc., fez uma análise que vai direto ao ponto: não há motivo para ser diferente. Se examinarmos os quatro aplicativos verdadeiramente populares na administração e no marketing (processadores de textos, planilhas de cálculo, bancos de dados e editores gráficos), veremos que são traduções informatizadas de processos empresariais consolidados ao longo de séculos. Os negócios sempre precisaram da escrita; partidas dobradas foram inventadas por um monge na Idade Média; bancos de dados são fichas presas por um grampo; e desenhar é tão antigo quanto escrever. Análise espacial de dados? Claro que não. As empresas simplesmente não fazem isso. Talvez um mapa com alfinetes, ou regiões de vendas em cores diferentes… Mas é só. Modelagem demográfica do consumo? Pode esquecer.

Claro que há exceções. Mas as empresas que descobriram o GIS por absoluta necessidade são pouco numerosas; e estas, diga-se depassagem, nunca se viram impedidas de utilizá-lo por falta de recursos ou de profissionais.

A grande novidade nesta discussão foi o anúncio pela Microsoft do lançamento do mais novo membro da família Office: o Mappoint 2.000, com previsão de chegada ao mercado americano no segundo trimestre de 1.999. Segundo as informações contidas em www.microsoft.com/mappoint, o software será um desktop mapping completo, com funções fáceis de aprender e utilizar, no estilo geral das demais ferramentas do Office e totalmente integrada a elas. Preço previsto para os Estados Unidos: 109 dólares. Empresas parceiras oferecerão mapas e bases sócio-demográficas detalhadas, por preços nesta ordem de grandeza.

Não vou me estender sobre as demais apregoadas vantagens do aplicativo – não se trata de fazer propaganda do produto, e, de resto, um pouco de ceticismo não faz mal nenhum. Principalmente quando outras inovações muito anunciadas, como o MicrosoftMap, não levaram a resultados concretos. Mas compartilho de um certo frisson que resultou em ânimos exaltados nos grupos de discussão dos usuários de desktop mapping. Em caso de sucesso da Microsoft nesta iniciativa, há previsões de que produtos como MapInfo e AtlasGIS, os mais populares no segmento de GIS para administração e marketing, provavelmente estarão com seus dias contados.

Embora a idéia horrorize as comunidades de fiéis usuários destes aplicativos, isto não será ruim nem para as empresas consumidoras nem para a indústria de GIS: mesmo se alguns aplicativos tiverem de desaparecer como entidades autônomas, estarão renascendo dentro das ferramentas que o mercado realmente usa no cotidiano. Em conseqüência, os usuários acabarão incorporando os conceitos geográficos e espaciais em suas análises; eventualmente, da mesma maneira que as empresas migram para o Oracle quando o Acess não dá mais conta de suas necessidades, migrarão para aplicativos de maior fôlego quando esgotarem as possibilidades do desktop mapping. O processo todo, me parece, será educativo e auspicioso, ainda que talvez exija um reposicionamento dos desenvolvedores de software.
De prático, uma recomendação: se você está pensando na compra do seu desktop mapping, talvez seja bom esperar pelas novidades de 1999. Além disso, uma visita aos fóruns de discussão de cada aplicativo que você estiver considerando pode fornecer dicas sobre vantagens e desvantagens de cada um, e uma interessante controvérsia sobre o futuro da categoria.
Francisco Aranha é professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas (Eaesp/FGV), e consultor em Marketing Geográfico pela Paredro Administração (SP). email:faranha@ibm.net.