Por Sérgio Marques

"A tele tela recebia e transmitia simultaneamente. Qualquer barulho que Winston fizesse, mais alto que um cochicho, seria captado pelo aparelho; além do mais, enquanto permanecesse no campo de visão da placa metálica, poderia ser visto também. Naturalmente, não havia jeito de determinar se, num dado momento, o cidadão estava sendo vigiado ou não. Impossível saber com que freqüência, ou que periodicidade, a Polícia do Pensamento ligava para a casa deste ou daquele indivíduo. Era concebível mesmo que observasse todo mundo ao mesmo tempo."
"1984"
de George Orwell

Era adolescente ainda quando li esse livro. Para mim era pura ficção, mais por limitações tecnológicas do que por vontade de implementação. Achava que uma sociedade como as descritas em Utopia ou A Ilha seriam mais facilmente adotadas por não existirem ali limitações técnicas. Ledo engano!

Não foram as limitações tecnológicas que impediram que esta ou aquela sociedade surgisse. Tanto que muito do que George Orwell imaginou há mais de 50 anos é pura realidade nos dias de hoje.

Não são grandes telas metálicas em nossas casas, mas sim pequenos dispositivos eletrônicos instalados em muitos veículos de executivos e caminhões de carga. Não é a Polícia do Pensamento quem está a vigiar, mas sim funcionários – os anjos da guarda de executivos e motoristas – contratados e treinados para utilizar seus PCs para acompanhar cada "passo" dado pelos veículos.

Os serviços de rastreamento de frotas e monitoramento de veículos vêm crescendo muito nos últimos 5 anos em todo o mundo. Esse crescimento tem muitas justificativas diferentes para os diversos países, o fato é que sistemas de monitoramento já não são luxo há algum tempo. Deixaram de ser luxo e passaram a ser uma necessidade, principalmente em um país como o nosso, onde as estatísticas de roubo de cargas, sequestros e roubos de veículos atingem números surpreendentemente assustadores.

É uma necessidade também devido à concorrência crescente entre as transportadoras, que conseguem economias significativas com a implantação de sistemas de monitoramento voltados à logística. A utilização de computadores de bordo permite que o escritório central da transportadora visualize em tempo real, além da localização do caminhão, se ele está carregado ou quais entregas já foram feitas. Permite também que seja enviada ao motorista mensagem de mudança de rota ou uma nova entrega a ser feita em seu trajeto original.

Mas o que fez com que houvesse esta evolução nos sistemas de monitoramento? A resposta é que as empresas que trabalham no desenvolvimento e comercialização dos sistemas de monitoramento estão sabendo tirar vantagem das evoluções obtidas em cada um dos ingredientes que constituem o "caldeirão geotecnológico" (li este termo aqui na infoGEO).
Neste "caldeirão geotecnológico", apesar de todos os ingredientes – sistema de posicionamento por satélites, mapas, softwares, sensores embarcados nos veículos, etc – serem essenciais, são os sistemas de telecomunicações e a evolução que os mesmos tiveram nos últimos anos que têm permitido que todas as informações trafeguem em ambos os sentidos rápida e consistentemente. A miniaturização dos equipamentos transeptores, a simplificação das antenas (que em muitos casos podem ficar escondidas) e a diminuição nos preços dos equipamentos e serviços estão abrindo novas possibilidades.

Nas regiões com cobertura de telefonia celular ou nas grandes cidades com sistemas de rádio instalados é possível fazer uma chamada para o veículo (que atende automaticamente) e receber dele, além de sua exata posição, que é plotada num mapa, todas as conversas que estão acontecendo no interior do veículo e até mesmo alguns quadros de imagens dos passageiros sem que os mesmos percebam que estão sendo monitorados. Apesar da vantagem desses sistemas que podem enviar tanto dados como voz ou imagens, existe o problema da área de abrangência limitada dos serviços.

Os satélites de comunicação de dados surgem então como a alternativa/complemento ideal. Principalmente em nosso país de dimensões continentais, um sistema com abrangência de 100% do território é necessário. Esta necessidade, aliada à simplificação dos novos sistemas de satélites de baixa órbita, possibilitam a popularização dos sistemas de monitoramento por satélites, que já não são exclusividade de carros de executivos ou de caminhões com cargas valiosas. Atualmente, muitas pequenas transportadoras já possuem seus caminhões equipados com sistema de monitoramento. Os dados são enviados para a central de monitoramento mas também para a própria transportadora, que pode receber via Internet os dados de sua frota em tempo real.

E isto é apenas o começo da revolução que estamos vivendo. O próximo passo para a popularização dos sistemas de monitoramento é termos carros e caminhões saindo de fábrica já com sistemas de monitoramento instalados. Imagine a contratação de um serviço de segurança já no momento da compra do veículo pelo seu novo proprietário. Mais que isso: imagine a concessionária com a informação de quando você trocou o óleo do carro, quando e onde você abastece – e talvez até a qualidade da gasolina – quantos quilômetros já foram rodados e alertá-lo para a revisão preventiva, ou saber em tempo real quando e onde o air bag de seu carro abriu.

Enfim, justificativas não faltam para que muito em breve estejamos vivendo essa realidade. Não devemos ter receio da existência do "Grande Irmão", mas sim torcermos para termos os "Anjos da Guarda" atentos a qualquer acontecimento detectado por suas centrais de monitoramento.

Sérgio Marques faz parte da divisão de Desenvolvimento de Negócios da Damos SudAmerica, empresa que representa os serviços e produtos ORBCOMM em sete países da América do Sul. Fone: (41) 342-1206. E-mail: marques.sergio@damos.com