GPS está revertendo a situação de descaso com o Sistema Geodésico Brasileiro

Na revista nº13 escrevi sobre descrições de imóveis. Esses levantamentos topográficos são usados em processos de retificação de registro, desmembramento, divisão de imóveis, averbação de reservas florestais, entre outros, e são encaminhados para os Cartórios de Registros de Imóveis e Anexos. Foram ressaltadas características técnicas que conferem imperfeições a estes documentos. Nos últimos dez anos tenho dividido meu tempo entre a pesquisa e a atuação profissional com GPS, e, com freqüência, as pessoas relatam-me diferentes circunstâncias no emprego desta tecnologia. É comum o uso do GPS, no método absoluto, para levantamentos de imóveis e sobre isso gostaria de tecer alguns comentários.

1. Como já dito, a grande maioria desconsidera o Sistema Geodésico Brasileiro SGB, ou seja o levantamento topográfico, ou geodésico, não é Georeferenciado. A falta de expressão em um sistema único causa ambigüidade na identificação e localização das divisas, tornando-as inexatas e imprecisas, posto que as descrições geográficas como barra de rios, espigões, assim como referências a divisas de outras propriedades são imprecisas e mutáveis no transcorrer do tempo. Justifica-se com a falta de marcos geodésicos na quantidade adequada, o que encareceria os serviços devido ao custo do transporte de coordenadas.

Esta condição está sendo revertida pela tecnologia GPS com as Redes GPS Estaduais, a Rede Brasileira de Monitoramento Contínuo, a Rede INCRA de Bases Comunitárias e as Redes de Referência Cadastral Municipal (a cargo dos Municípios), todas devidamente vinculadas ao SGB. Vale lembrar que durante o I Seminário Sobre Referencial Geocêntrico no Brasil, realizado no Rio de Janeiro, de 17 a 20 de outubro, foi informado que o IBGE disponibilizará dados da RBMC, e outros, pela Internet e sem custo para o usuário. Isso tornará o custo do apoio mais barato ainda.

2. Com a popularização do GPS, verifica-se também uma prática inadequada. As descrições começam a ser referidas à projeção UTM ou fazem menção às coordenadas geodésicas(latitude, longitude), sem estarem propriamente vinculadas ao SGB, ora devido ao uso de marcos não oficiais, ora devido ao uso do GPS no método absoluto. Tal procedimento causa uma aparente exatidão na descrição, mas a baixa acurácia do método e a propagação dos erros cometidos causam efeitos tais como:
a) Se for empregado o posicionamento GPS absoluto para determinar as coordenadas de uma estação base e daí realizar o levantamento com métodos diferenciais, poderá ocorrer somente erros de deslocamento, causando sobreposição aos títulos vizinhos, geralmente da ordem de alguns metros;
b)Se for determinado o perímetro posicionando os pontos de divisa com o GPS absoluto, calculando o valor da área e a descrição do perímetro, haverá distorção da descrição (azimutes e distâncias) e do valor da área, principalmente quando determinamos pontos próximos um ao outro, causando também sobreposições;
c)Se for empregado o posicionamento absoluto num ponto, com orientação a partir de determinação astronômica (Norte Verdadeiro NV), para levantamento por poligonal (estação total ou teodolito), ocorrerá um deslocamento de toda a área, na proporção do erro em posição, mais um pequeno valor devido ao desvio no NV. Com efeito, verifica-se uma sobreposição de um título em relação ao outro;
d)Se forem determinados dois pontos com GPS absoluto, objetivando posicionar e dar orientação à poligonal, haverá rotação do perímetro causando sua sobreposição à outras descrições. Numa hipótese feliz e simplista, tendo o posicionamento com um erro de 3 m, considerando-se um lado poligonal com 200 m (lado médio de uma poligonal para este fim) e admitindo que o erro é perpendicular a um dos extremos, teremos um erro em azimute de 51 34". Digamos que a propriedade em questão estenda-se por mais 1000 m à vante desse ponto inicial. Poderíamos ter aí um deslocamento ou sobreposição de aproximadamente 15 m.

Os efeitos são potencializados quando acumulados com os vícios abaixo, encontrados nos nossos títulos: descrições que costumam omitir os elementos de azimute e distância ao descrever um curso dágua, outro acidente geográfico e curva de nível, por exemplo.

O Georeferenciamento deve pautar-se por padrões adequados e procedimentos que assegurem confiabilidade aos resultados, de forma a manter coerência entre os títulos dentro de um sistema de referência cadastral único. Caso contrário, será mais um fator de incertezas.

Aprendemos na graduação a razão da importância dada ao cadastro imobiliário nos países desenvolvidos, que num primeiro momento traz segurança aos títulos e, historicamente, orienta o governo com as suas informações sobre o uso e a ocupação do solo. A manutenção desta instituição é complexa, exige uma política adequada, um trabalho continuado e sistemático com visão de longo prazo. Como requer emprego de diversos conceitos e tecnologias que se complementam, a capacitação profissional é um elemento chave.

Os Municípios começam a tomar alguma atitude quanto ao cadastro, mais pela questão tributária, impulsionados pela estabilização dada pelo plano real. Estudos mostram que a arrecadação municipal tem aumentado mais que a federal, e uma das fonte é o IPTU.

O desenvolvimento da tecnologia de posicionamento geodésico, fotogrametria e GIS permitem a construção e manutenção de cadastros imobiliários com menor custo e maior eficiência. Circunstância que vem de encontro à necessidade de informação territorial dos Municípios brasileiros que começam perdendo dinheiro pelo IPTU e seguem pela manutenção preventiva em infra-estrutura urbana e planejamento, entre outros. Mas observa-se que há uma tendência para que os Municípios pratiquem a manutenção de seu cadastro com técnica. Há demanda por profissionais com o nível de conhecimento adequado para gerenciar estas atividades.

Por outro lado, o INCRA, o Ministério Público, o Instituto dos Registrários do Brasil, entre outras entidades Brasileiras, inclusive representantes de Universidades, preparam um projeto de lei que altera dispositivos das Leis nº 4.947, de 6 de abril de 1966, 5.868, de 12 de dezembro de 1972, 6.015, de 31 de dezembro de 1973, do decreto-lei nº 1.989, de 28 de dezembro de 1982, da Lei nº 9.393, de 19 de dezembro de 1996, e dá outras providências.

Uma delas é a "instituição do Cadastro Nacional de Imóveis Rurais – CNIR, que terá base comum de informações gerenciada conjuntamente pelo INCRA e pela Secretaria da Receita Federal, produzida e compartilhada pelas diversas instituições públicas federais e estaduais, produtoras e usuárias de informações sobre o meio rural brasileiro".

Por ocasião da solicitação de sugestões, várias instituições enviaram as suas, entre elas, o laboratório de Topografia e Geodésia da Escola Politécnica da USP, a Associação Profissional dos Engenheiros Agrimensores do Estado de São Paulo e a Câmara Especializada de Agrimensura do CREA-SP, seguindo depois para o Congresso, com número 3242/2000.

Acessando a página http://www.presidencia.gov.br/CCIVIL/Projetos/PL/2000/msg823-00.htm pode-se fazer uma leitura completa do projeto de lei.

Está previsto o georreferenciamento do imóvel, descrevendo seus pontos de divisa com coordenadas na "exatidão posicional a ser definida pelo INCRA".

Acrescento que poderia caber ainda, como bem me disse certa vez, um especialista em Registro Público, um artigo enfatizando a responsabilidade e a pena para os signatários de trabalhos técnicos fora do padrão, por comprovada negligência ou má fé.
Este seria o primeiro passo, para montar, paulatinamente, um sistema de cadastro físico rural eficiente e comunicante com o registro.

Aprovado o projeto, o INCRA, através de seu corpo técnico, composto por aproximadamente 30 engenheiros Agrimensores e Cartógrafos, teria condições técnicas de definir os procedimentos e as tolerâncias para o adequado georreferenciamento de cada parcela, baseados nas normas ABNT, permitindo maior eficiência ao sistema de registro de imóveis neste aspecto.

São acontecimentos de muita importância para a sociedade, e a engenharia brasileira tem por dever acompanhar e participar, fornecendo suporte técnico e apoio político.

Régis Bueno é engenheiro agrimensor pela Escola de Engenharia de Agrimensura de Pirassununga, mestre em engenharia e doutorando pela Escola Politécnica da USP e professor da EPUSP, UNIP e UNISANTOS. Integra a Comissão de Normas para Serviços Topográficos da ABNT e trabalha como consultor. E-mail: rfbueno@ibm.net