Utopia ou um novo Modelo de Negócio para as Distribuidoras de Energia Elétrica?

Imagine-se, leitor, na situação de poder pegar uma base com o cadastro de TODOS os clientes e prospects ativos, georreferenciados, pessoas físicas e jurídicas, de uma determinada municipalidade ou região, e colocar em um grande caldeirão. Acrescente a isso informações históricas de consumo de energia elétrica. Mexa bem. Coloque algumas pitadas de Data Mining e GIS. Deixe ferver. Você poderá observar surgir, no fundo, alguns indicadores sócio-econômicos importantes, somente encontrados nos melhores pratos norte-americanos. Sirva junto com uma fatia de "Combate à Inadimplência", ou "Combate à Fraude". Ou simplesmente congele e ofereça ao mercado em doses pequenas ou sob encomenda, compondo uma boa refeição de "Acompanhamento de Campanha de Venda de Serviços". Pois bem, você acabou de fazer uma bela porção de "Customer Franchise".

A receita acima não está disponível para qualquer mestre-cuca realizar. Apenas os que estão nas empresas de Distribuição de Energia Elétrica. Esse povo tem nas mãos um conjunto de informações com um grande potencial de aproveitamento mercadológico, que faz brilhar os olhos dos marqueteiros de plantão.

Primeiramente, consideremos a cobertura dessas concessionárias. Ela tem mais capilaridade e abrangência que a das outras Utilities, como telefonia fixa e móvel, água e gás. Isso porque, basicamente, "todo mundo" tem luz, fora os "gatos", mas nem todo mundo tem água encanada, ou mesmo telefone. A base cadastral da distribuidora elétrica contempla clientes da classe social A até a E.

Em seguida consideremos a atualidade do cadastro e a informação histórica. Tradicionalmente, essas empresas possuem diversos sistemas ligados, de gestão de faturamento, de rede elétrica (muitos baseados em GIS), Call Center e medição. Por pior condições em que eles estejam, a localização do consumidor e seu endereço estão corretos. Com isso, é possível sabermos desde quando os clientes residem neste ou naquele endereço e quais são as regiões da cidade em que está ocorrendo maior entrada ou saída de moradores ou empresas.

Sem muito esforço, podemos identificar os condomínios verticais existentes na área, o número de moradores e empresas que ocupam o prédio, e o número de pavimentos de cada um, pela simples contagem dos consumidores de mesmo endereço e posição geográfica. A grande maioria das elétricas possui ainda o cadastro de tipo de atividade de seus clientes, que segue uma classificação em mais de mil categorias. Mais uma vez sem muito esforço, conseguimos contabilizar as padarias, as farmácias, as agências bancárias, as videolocadoras, etc.

Consideremos agora as informações de consumo de energia elétrica. A gestão do faturamento da energia consumida vem acompanhada de uma percepção da adimplência e capacidade de pagamento dos clientes. Aliadas a informações de localização, histórico e sazonalidade, podemos inferir classificação sócio-econômica a partir de faixas de consumo e validar a modelagem empregada com simples pesquisas primárias.

E isso é só o começo. Com o advento da telemedição e de tecnologias como o PLC – Power Line Communication, temos a percepção de variações diárias de consumo; e perfis de "curvas de carga" podem ser associados e identificados a ramos de atividade, para que essa informação sirva, inclusive, para a detecção de falhas do próprio cadastro.

É inegável o potencial de uso dessa informação dentro da própria distribuidora. Podemos citar os programas de combate a fraude, inadimplência, ligações clandestinas e estudos pós-racionamento. Mas e que tal poder transformar essas informações em um negócio de consultoria e oferecê-lo ao mercado? Essa é a proposição de valor batizada de "Customer Franchise", sem uma tradução fiel ao conceito no idioma português.

Muitas empresas pagariam caro para ter algo parecido. Nenhuma, entretanto, tem condições de ter um conjunto de informações de clientes ativos e georreferenciados, além de dezenas de indicadores próprios que, associados a bases externas, constituem um repositório rico para a identificação de perfis e a geração de modelos preditivos aplicáveis aos mais diversos negócios.

Assim, seja para adquirir clientes de perfis pré-definidos, para implantar programas de fidelização ou para promover o desenvolvimento de vendas, as empresas de Distribuição de Energia Elétrica e, em especial, aquelas que atuam sobre as regiões mais importantes do país, dispõem de uma plataforma de negócios altamente atraente para terceiros.
Empresas de eletrodomésticos, o setor de alimentos, o setor bancário e as empresas de telecomunicações (em especial, as novas entrantes) são os melhores exemplos.

Qual é a melhor região da cidade para se colocar uma livraria ou uma concessionária de carros? Qual o perfil empresarial da vizinhança das agências do meu banco? Qual é o consumidor ideal de baixa renda que compraria um computador, onde ele está e como abordá-lo? Dentro de um conjunto de alternativas de novos pontos de venda do meu produto, em qual terei maior potencial de vendas e menor potencial de inadimplência? Com um "Customer Franchise" as respostas a essas perguntas são mais fiéis à realidade, e o poder de targeting das campanhas é muito maior.

As mídias broadcast, tais como TV, rádio, jornais, agências e provedores de conteúdo, nos quais uma única oferta é feita para todos os clientes, e as abordagens segmentadas, dos mercados das mailing lists e database marketing, são amplamente substituídas por um conceito para a venda de produtos que permite a mudança do paradigma constituído, que agrega o feedback do consumidor e que aprende com a avaliação dos resultados das campanhas. O uso iterativo desse conceito (necessidade versus sensibilidade do cliente à oferta) permite o profundo conhecimento de comportamentos, preferências e valor ao longo da vida (LTV) dos clientes.

Em suma, o "Customer Franchise" é um Marketing de Precisão que aumenta o valor da empresa que faz uso dele como cliente, extraindo o máximo de valor dos relacionamentos com seus clientes, permitindo o desenho de programas de marketing mais relevantes e gerando ações mais precisas e consistentes.

Citando as palavras do colega de infoGEO Francisco Aranha, em "Marketing e Quiromancia High Tech", de Setembro/Outubro de 1999, edição nº 9: "Há muito mais consumidores vivos do que esqueletos de pterodátilos. Mesmo assim paleontólogos inferem velocidade, peso e até dieta de dinossauros". Transcorridos quase dois anos do artigo referido, e no contexto do "Customer Franchise", é como se os paleontólogos se vissem de repente podendo viver na época dos dinossauros, mas com os recursos e conhecimentos tecnológicos de hoje.

Eduardo de Rezende Francisco, Bacharel em Ciência da Computação pelo IME-USP, atua em GIS e Análise de Mercado na AES Eletropaulo e é sócio-fundador da GITA Brasil. erfrancisco@hotmail.com e eduardo.francisco@eletropaulo.com.br