O cadastramento de imóveis rurais após um ano da lei 10.267

Decorrido um ano e poucos meses da aprovação da lei 10.267 o que podemos observar dos procedimentos e da elaboração de trabalhos? No plano jurídico continuam os trabalhos relativos à regulamentação, mas os levantamentos georreferenciados começam a ser solicitados. De uma forma geral a discussão sobre a nova lei gira em torno da conseqüência do georreferenciamento, aceito como o procedimento mais adequado para descrição de imóveis pelas partes envolvidas, incluindo-se aí a engenharia, o direito e o registro de imóveis. Este princípio novo no Brasil altera profundamente a forma de descrever e identificar imóveis, praticada até então no país. Estão em evidência, na regulamentação, os desdobramentos que decorrem da adoção deste padrão como, por exemplo, o procedimento para Registro ante a apresentação do memorial descritivo de uma gleba em conformidade com as novas regras. Havendo necessidade de retificação do registro – a grande maioria dos casos – ela deverá ser feita por via administrativa ou judicial? Se pela primeira, o processo seria mais simples e fácil, realizado no âmbito do próprio cartório. Se pela segunda, haveria a obrigatoriedade de prosseguir por vias judiciais, causando uma sobrecarga no sistema judiciário e até mesmo uma paralisação do mercado imobiliário. Os especialistas temem que, conforme as leis vigentes, haveria a tendência para generalizar o uso da retificação via judicial.

Decorrem da implantação do georreferenciamento no Registro Público muitas situações. Está prevista uma fase de transição, pois é difícil para o Incra suportar a demanda que seria criada para verificação e aprovação dos documentos. Conciliar as necessidades e os direitos de todos os envolvidos é uma tarefa complexa que deverá ocupar os especialistas ainda por certo tempo.

Paralelamente a Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo baixou e depois tornou sem efeito o provimento 10/2002 que se referia, entre outros, ao memorial descritivo do imóvel, nos casos de desmembramento, parcelamento e remembramento. Nestas circunstâncias os levantamentos deveriam produzir memoriais descritivos do perímetro do imóvel contendo coordenadas geodésicas com erro em posição menor ou igual a 50 cm, ou melhor, quando não forem fixados critérios específicos pelo Incra.

A Casa Civil havia retirado este padrão do texto do decreto regulamentador. Há um entendimento de que cabe expressamente ao Incra fazer esta definição. De acordo com o boletim 300 do IRIB o coordenador do GT prevê que o órgão "…poderá fixar uma precisão posicional mais elevada, de acordo com as características do imóvel ou da região,…" . O boletim esclarece que o Incra respeitará o índice aprovado nas subcomissões técnicas em atos normativos a serem publicados com o decreto.

Por outro lado, o que área a tecnológica está produzindo ou virá a produzir em termos de levantamentos de imóveis neste período? A resposta a esta pergunta passa pela tecnologia de posicionamento por satélite, cujo exemplo mais comum é o GPS, mas deve ficar claro que ela não é a única tecnologia disponível; pode não ser necessária em alguns casos e ser complementar em outros. Este sistema, via de regra, é a forma atual mais eficiente de se produzir o posicionamento geodésico. Isto decorre de que o seu uso sob condições adequadas permite produzir os resultados necessários em menor tempo e com menores recursos materiais do que as tecnologias geodésicas clássicas. A sua aplicação ao levantamento de imóveis depende de condicionantes que devem ser analisados a cada caso. Se houver marcos geodésicos adequados e próximos (5 Km) a uma gleba o GPS pode até ser dispensado. Basicamente o uso pode ser de duas formas: para apoio a outras tecnologias ou diretamente no levantamento de pontos de divisa.

No primeiro pode-se determinar dois ou mais pontos de apoio que terão coordenadas e precisão conhecidas e serão usados de alguma forma no levantamento do imóvel. Pode-se empregar a fotogrametria (levantamentos em larga escala), a poligonação eletrônica com estação total (poucas glebas) e, em certos casos, até mesmo a taqueometria (pequena área). Vejamos a poligonação eletrônica, desenvolvendo-se uma poligonal base apoiada em dois ou mais pontos determinados por GPS. Assim se obtém o posicionamento geodésico, a orientação e a escala da poligonal e a seguir se realiza o levantamento de cada ponto de divisa. O cálculo pode ser processado em projeção UTM ou em Projeção Topográfica Local de forma que seja possível obter as respectivas geodésicas ou UTM, após ajustamento.

No segundo, deve-se avaliar e planejar cuidadosamente como o primeiro, considerando a sua possibilidade de aplicação a todo o perímetro e uma estratégia de controle dos resultados. A aplicação do GPS em todo o levantamento do perímetro tende a reduzir significativamente o custo operacional, mas deve ser levado em consideração o investimento em equipamentos. Para empregá-la e ter resultados fidedignos é necessário o apoio próximo ao local e a determinação de pelo menos dois vetores independentes para cada ponto de divisa de forma que possa ser aplicado o ajustamento das observações.

É importante notar que as duas metodologias diferem em nível de precisão. As determinações referentes ao primeiro caso devem possuir maior precisão para controlar adequadamente a propagação de erros, determinando a coordenada do ponto de divisa dentro da tolerância. O levantamento direto permite aceitar valores menos precisos, mas dentro da tolerância e confiabilidade, necessárias para o ponto de divisa.

O uso de equipamentos GPS de navegação é restrito unicamente ao levantamento exploratório e pode muito bem ser empregado no planejamento do levantamento ou de itinerários. O emprego desta classe de equipamentos deve ser definitivamente desconsiderado na determinação das coordenadas geodésicas dos pontos de divisa com finalidade ao Registro Público. As metodologias possíveis com tais equipamentos conduzem a valores com erros inaceitáveis e baixa confiabilidade, tipicamente da ordem de metros nas melhores hipóteses. Muitos usuários destes equipamentos desconhecem este fato e têm produzido levantamentos com seus "garmins", fazendo mau uso do equipamento.

Nos sites do Incra e do IRIB podem ser obtidas informações a respeito da lei 10.267, inclusive com os procedimentos para elaboração de levantamentos e documentos.

Algumas vezes pode ser importante obter-se a área na superfície física do planeta, isso é de particular importância nos casos de loteamento e demais obras de engenharia. Para se ter uma estimativa, exemplificamos com uma área de 1.000.000 m2, medida na altitude de 700 metros, na projeção UTM. É possível encontrar uma diferença de aproximadamente 1000 m2 no o plano topográfico junto à superfície física. Entretanto, no que tange a documentação para registro, o Incra solicita a área na projeção UTM. Resta ao profissional estabelecer critérios adequados perante seu cliente tendo em mente os objetivos para uso do imóvel.

Além do caráter geodésico do georreferenciamento deve ser observado que o profissional está sendo responsabilizando pelo cadastro de confrontantes, requerendo cuidadosa pesquisa em Cartório e em campo. Esta é uma atividade que também requer bastante cuidado por parte do responsável técnico.

A coordenada que será transcrita para o título estará estabelecendo limites, num sentido bem amplo e com maior eficácia. Os preceitos da lei 10.267 transferem ao Responsável Técnico pelo georreferenciamento e levantamento do imóvel maior responsabilidade que a lei anterior.

Régis Fernandes Bueno é mestre em Engenharia pela EPUSP, engenheiro agrimensor pela FEAP, professor adjunto UNIP, Unisantos e diretor da Geovector Engenharia Geomática. E-mail: rfbueno@attglobal.net