A busca por inovações para a apresentação e uso da informação geoespacial

Como sabemos, os sistemas de informação geográfica são ferramentas dedicadas à representação compu-tacional eficiente de objetos e fenômenos localizáveis no espaço terrestre. Uso aqui o termo representação para indicar a maneira segundo a qual as características dos objetos são codificadas para armazenamento no computador. Isso envolve tanto a forma geométrica (caracterizada por parâmetros tais como resolução, dimensão espacial, precisão e nível de detalhamento) quanto características descritivas, usualmente codificadas como atributos alfanuméricos, à semelhança do que é feito nos sistemas de bancos de dados tradicionais.

Devido às limitações históricas dos computadores em termos de capacidade de memória, capacidade de armazenamento e velocidade de processamento, os GIS foram concebidos e evoluíram dentro de um contexto que exigia a maior eficiência possível no uso desses recursos computacionais. Com isso, foi necessário criar estruturas de dados voltadas especificamente para o armazenamento do componente espacial da informação, sendo que na maioria das vezes esse armazenamento era feito em arquivos bastante compactos, porém de formato fechado e proprietário. Ao mesmo tempo, diversas restrições à definição geométrica dos objetos geográficos foram impostas, como por exemplo a limitação da representação de objetos lineares e de área por meio de linhas poligonais com segmentos retos. Uma dessas limitações foi a restrição das representações geométricas a duas dimensões (2D), inspirada pelos métodos de trabalho habituais da cartografia.

No entanto, algumas das funções mais interessantes do GIS, como a representação numérica de terrenos, exigem mais do que as coordenadas planas habituais. Para esses casos foi viabilizada a representação da cota altimétrica por meio de atributos numéricos especiais dos objetos 2D, gerando o que se denomina "2,5D GIS". Essa "meia dimensão" é exatamente o eixo z. Porém, a forma diferenciada de tratamento da terceira coordenada limita o seu uso, e portanto não é possível considerar que tenhamos GIS verdadeiramente 3D apenas devido a esse recurso.

O uso da terceira coordenada não foi adotado apenas como medida de economia de bytes no armazenamento. O tratamento de objetos verdadeiramente tridimensionais implicaria também em custos maiores de aquisição de dados, maior tempo de processamento, e na necessidade de desenvolvimento de funções mais sofisticadas de visualização. Como existia um grande contingente de aplicações de GIS que não dependeriam necessariamente da coordenada z, a opção dos desenvolvedores era clara: até que houvesse suficiente demanda dos usuários por uma representação tridimensional completa, esse assunto ficaria em segundo plano, permitindo assim uma maior concentração dos programadores nos problemas mais imediatos.

Esse limite nos acompanha até hoje, embora alguns GIS já incorporem recursos que vão além do 2,5D. Padrões e produtos mais recentes já se preocupam em, ao menos, reservar espaço para a terceira coordenada em suas estruturas de dados (vide artigo "Objetos espaciais em banco de dados relacional" publicado na edição 18 da infoGeo), o que permitirá o desenvolvimento de aplicações verdadeiramente tridimensionais. As limitações de memória e armazenamento estão, pelo menos no momento, superadas pela queda de preços observada nos últimos 10 anos; a velocidade de processamento aumentou não apenas devido à evolução tecnológica das CPUs, mas também pela incrível evolução das placas gráficas.

Hoje qualquer maníaco por jogos no PC sabe que, por menos de R$250, pode-se adquirir uma placa gráfica com 64 MB de memória e capacidade de traçado de mais de 30 milhões de triângulos por segundo na tela. Essas placas são ainda capazes de resolver, dinamicamente e sem a necessidade de envolvimento da CPU principal do computador, problemas usuais em computação gráfica, tais como visualização 3D, iluminação, traçado de texturas e reflexos. Os programas de jogos e de CAD já se beneficiam das características dessas placas, mas ainda não se vê, nas especificações de plataforma para os principais GIS, nenhuma exigência ou mesmo sugestão de uso de placas aceleradoras gráficas. Os recursos dessas placas de vídeo poderiam viabilizar uma série de aplicações inovadoras utilizando informação geográfica, envolvendo não apenas os sofisticados recursos de visualização 3D, mas também usando animação, vídeo sob demanda e outros recursos multimídia.

Como em outros temas que discutimos nesta coluna, a maior barreira a transpor para acrescentar novas dimensões ao GIS não é, como se pode perceber, tecnológica. É cultural. A indústria do GIS (o que inclui tanto os desenvol-vedores quanto os usuários) precisa completar o processo de libertação da metáfora cartográfica, e precisa começar a pensar em inovações para a apresentação e uso da informação geoespacial, usando recursos que outros segmentos do mercado de software já usam faz tempo. No último IV Simpósio Brasileiro de GeoInformática, que ocorreu em Caxambu (MG) em dezembro de 2002, o professor Andrew Frank, um dos mais importantes pesquisadores da área de Ciência da Geoinformação, apresentou uma palestra em que destacava a nova fronteira das geotecnologias, que é justamente o desenvolvimento de pequenas aplicações baseadas em informação geográfica – algo diametralmente oposto ao grande GIS de uso (pretensamente) genérico. São aplicações capazes de possibilitar novos usos para informação já disponível, evitando a necessidade de aquisição de grandes e caros pacotes de software recheados de funções que não serão usadas pela maioria das pessoas. Essas aplicações precisam utilizar todos os recursos disponíveis para aumentar a eficácia da transmissão da informação geográfica para o usuário, e portanto precisam ir além da pretensão de se tornarem "mapas eletrônicos". O uso de imagens, vídeos, visualizações realistas em 3D, animação e outros recursos de computação gráfica tornam-se, nesse contexto, essenciais. Mas aí será que toda a informação que estamos coletando e mantendo atualizada será suficiente, ou adequada? E quanto aos meios disponíveis para disseminação dessa informação? E quanto ao uso de equipamentos portáteis, quase tão cheios de limitações tecnológicas quanto os computadores de dez anos atrás? Como se pode perceber, essa discussão está apenas começando.

Clodoveu Davis é engenheiro civil, doutor em Ciência da Computação e assessor de Desenvolvimento e Estudos da Prodabel – Empresa de Informática e Informação do Município de Belo Horizonte.cdavis@uol.com.br