Um mestrado profissional via web pode dar certo?

Será que é verdade que o brasileiro é desconfiado por natureza ou será que sou eu que sou mineiro e estou extrapolando para toda uma nação a natureza deste povo que gosta de política e montanhas? Esta questão nasceu a partir de um grupo de trabalho no qual estou participando aqui na Penn State University. O objetivo deste grupo é criar um currículo para um mestrado profissional em Sistemas de Informação Geográfica. A grande diferença é que os participantes do curso usarão a Internet para fazer o curso e conseguir o diploma. O curso estará todo disponível on-line. Os alunos deverão se matricular, ter acesso ao material, fazer as provas e trabalhos, tudo, usando apenas a Internet.

Foi assim que nasceu minha pergunta sobre a desconfiança brasileira (ou mineira). Eu conversei sobre este assunto com umas duas ou três pessoas aí no Brasil e todos tiveram a mesma reação. "Isto é uma enganação". "As pessoas não vão aprender nada, vão poder trapacear nos testes". E outras coisas assim. Isto me fez lembrar da minha própria reação quatro anos atrás quando eu ouvi pela primeira vez falar em fazer matérias de algum curso superior pela Internet. Isto foi na universidade do Maine, onde durante o curso de graduação você pode fazer algumas matérias pela Internet. São cursos preparados especialmente para isto. Os cursos têm um vasto material de leitura, testes e trabalhos criados especialmente para serem usados on-line. Bem, quando eu ouvi falar sobre isto a primeira vez, a primeira idéia que me veio à cabeça foi esta mesmo: a pessoa não vai fazer o curso direito, vai enrolar ou vai trapacear. Mas, durante estes quatro anos que fiquei aqui, eu acabei mudando de idéia.

O que me fez mudar meu ponto de vista foram diversos fatores. Um deles é que todo mundo aqui acredita que este tipo de curso pode dar certo e na realidade já está funcionando. Diversas universidades oferecem algumas matérias on-line e algumas oferecem o curso superior completo. Aqui na Penn State, por exemplo, na escola onde dou aulas, School of Information Sciences and Technology, existem versões dos cursos básicos on-line e "ao vivo". Os alunos podem escolher como preferem fazer a matéria. Uma limitação é que cada aluno só pode fazer uma matéria on-line por semestre.

O caso de um mestrado profissional talvez seja um pouco diferente de uma matéria isolada. O objetivo de alguém que faz um curso destes é realmente aprender a matéria, para que a pessoa possa exercer a profissão uma vez que obtenha o título. Isto me lembra os cursos de introdução ao geoprocessamento que eu montei com o Clodoveu. Eram sempre turmas muito boas com pessoas que tinham um interesse especial em Geo ou já estavam usando o Geo em seu trabalho. Muitas vezes estes profissionais estão usando o Geo sem computador ou sem programas especiais.

Um caso famoso de uso de geoprocessamento sem computadores é o caso da epidemia de cólera em Londres dois séculos atrás. A importância da localização e sua influência é coisa antiga. Este caso é freqüentemente citado como um exemplo básico de geo sem computador. Um médico londrino mapeou (geocodifocou) os endereços dos casos de cólera e fez o mesmo com os poços de água da cidade. Assim ele conseguiu relacionar a origem da epidemia com um poço contaminado.

Mas voltando ao assunto do que se espera de um aluno de um mestrado profissionalizante: a expectativa é que o aluno esteja realmente interessado. Um dos requisitos para este tipo de mestrado é que a pessoa já tenha alguns anos de profissão na área. Desta forma, o público deste curso é mais maduro, sabe o que quer e o que precisa aprender. O aluno ideal deste curso já esteve no mundo real do trabalho, conhece as dificuldades e tem noção de que precisa de uma base de conhecimento mais sólida para se desenvolver na sua profissão. Outra coisa interessante é que os cursos on-line têm não apenas testes, mas trabalhos complexos a serem desenvolvidos durante o semestre. Para se fazer um trabalho destes é preciso muito comprometimento com o curso. É o tipo de trabalho que ninguém vai fazer por você. Além disto, como frisei antes, esta é sua oportunidade de aprender para mais tarde usar este conhecimento profissionalmente. Além disto existe suporte on-line. Cada curso tem um instrutor responsável durante o semestre. Este instrutor fica em contato com os estudantes através de email, grupos de discussão, salas de bate papo on-line e, se for preciso, telefone. O aluno não é deixado só e largado por conta própria. Existe uma rede de suporte por trás do curso.

Pessoalmente, acho que toda esta discussão sobre cursos on-line traz à tona o constante choque cultural de quem vive em um lugar diferente de onde foi criado. A aculturação vai acontecendo aos poucos. No meu caso começou quando ouvi falar em cursos universitários on-line, há quatro anos. E se mantém até hoje, quando estou participando de um grupo de trabalho que está criando um curso deste tipo. O estrangeiro sempre vê as coisas com olhos diferentes. Algumas coisas são melhores, outras são piores, mas com certeza a maioria das coisas é diferente. Aqui se confia muito mais nas pessoas e nas instituições. Então, a premissa básica de um curso on-line é de que vai ser feito corretamente e vai funcionar.

Outra coisa que eu achei interessante sobre este mestrado profissional é a maneira como está sendo criado. Os responsáveis pelo mestrado são do Departamento de Geografia da Penn State, que é considerado o número 1 aqui nos Estados Unidos. Eles poderiam ter criado o mestrado e montado seu currículo sem ter pedido a opinião de ninguém. Mas eles resolveram criar este grupo de trabalho, composto de professores e profissionais da área, para que o curso refletisse a demanda real do mercado profissional. O fato de eu ser um professor especializado na área de geo, com um passado profissional também em geo, e ainda sendo o autor de uma coluna sobre geo na internet, foi também uma interessante conjunção de fatores e uma experiência muito interessante para mim.

Frederico Fonseca é doutor em Ciência da Informação Espacial pela Universidade do Maine e atualmente é professor na Escola da Ciência da Informação e Tecnologia da Penn State University nos Estados Unidos fredfonseca@ist.psu.edu