O seriado de televisão Gilligans Island fez muito sucesso nos Estados Unidos nas décadas de 60 e 70. Era uma comédia que retratava o dia-a-dia de um grupo de sete náufragos em uma pequena ilha desconhecida no Pacífico Sul e suas várias tentativas de voltar ao continente. Liderados pelo atrapalhado e preguiçoso Willy Gilligan, eles armavam as maiores confusões.


O Seriado Gilligans Island

O capitão de um navio, seu primeiro marinheiro (Gilligan), uma atriz, um professor, uma ingênua menina de fazenda, um milionário e sua esnobe esposa, todos unidos na busca de uma saída da ilha. No Brasil, a série recebeu o nome de Ilha dos Birutas – alguém se lembra?

Mais do que um sitcom, o jogo existencial que se configurou e as atitudes dos sete personagens remetem-nos aos originais Sete Pecados Capitais. Soberba, Avareza, Luxúria, Ira, Gula, Inveja e Preguiça fazem parte de nossa vida e têm sua origem perdida no tempo. As atitudes humanas estão recheadas desses ingredientes, que devem ser evitados através de uma dieta saudável e bem vivida. Mas, o que isso tem a ver com nossa coluna sobre tendências das Geo-tecnologias?

Tudo. Se observarmos bem, esses sete elementos estão presentes na implantação de Sistemas e Tecnologias de Informação Geográfica em nossas corporações, de uma forma maior do que a gente imagina. C. Eugene Talmadge, ou simplesmente "Gene", como prefere ser chamado, é o Planning Administrator e GIS Program Manager do Las Virgenes Municipal Water District, em Los Angeles, EUA, e esteve em San Antonio, no último Congresso Internacional do GITA. Ele presenteou a todos os congressistas com uma visão bem-humorada dos sete pecados, a influência deles no sucesso das implementações GIS e o que devemos fazer para evitá-los.

Toda implementação GIS geralmente passa por diferentes fases de desenvolvimento e maturação – a Boa, a Ruim e a Desagradável. O início é tipicamente uma combinação mágica entre a beleza do GIS (mapas e modelos de representação) e o sonho do que você deseja para seu sistema (ou pelo menos você pensa que deseja) – essa é a fase boa e alegre! Daí então vem a realidade: uma longa série de decisões que devem ser tomadas ao longo da implantação – isso pode ser bom ou ruim (geralmente acaba sendo um meio termo). E, finalmente, vem a percepção dos custos (em tempo e dinheiro) ao longo de todo o período do projeto (essa é a fase desagradável…). Acoplados a isso tudo estão os sete pecados. A habilidade de reconhecê-los e saber o que fazer com eles no momento em que aparecem é o desafio que deve ser enfrentado pelos gerentes de GIS.

Uma boa definição "contextualizada" para os sete pecados está abaixo:

Soberba (Orgulho): A excessiva convicção em suas próprias habilidades, gerando promessas que não podem ser cumpridas. Ou, ainda, "Meu GIS é maior, melhor, mais robusto e rápido que o dos outros!"

Avareza (Ganância): O desejo por riquezas ou ganhos materiais. Querer ter os bens dos outros. É também o medo de que você nunca terá o suficiente e, por isso, vai se agarrar a tudo que necessita. Ou, ainda, "Acho que o seu GIS parece maior, melhor e mais rápido… então eu quero isso para mim !"

Luxúria: O desejo incomum por status ou poder. Querer algo que outra pessoa tem, e você não. Ou: "Eu quero que meu GIS seja perfeito, que todos percebam isso, e eu farei qualquer coisa para que isso aconteça !"

Ira (Raiva): Enfurecer-se por não ter ou conseguir o que você mereceria (ou pelo menos pensa que mereceria). Ter sua pretensão ameaçada e reagir violentamente contra isso. Ou: "Eu sei que te disse o que eu quero ter no meu GIS e é melhor que isso aconteça!" (Isso freqüentemente se manifesta nas relações entre clientes e consultores – preciso falar mais?)

Gula: O desejo incomum de consumir mais do que você consegue suportar. Em outras palavras, temer que nunca terá o suficiente (mas será que você precisa disso tudo mesmo ?). Ou: "Dê-me mais, mais e mais para o meu GIS – dados, aplicações, hardware, dispositivos wireless, GPS, Web Services, etc, …" (e náuseas!!)

Inveja: O desejo por peculiaridades, status, habilidades ou situações dos outros. Apropriar-se das boas impressões de outros e transformá-las em suas próprias ambições. Ou: "Como é que meu GIS não faz tudo aquilo também?"

Preguiça: Evitar trabalho e esforço para que alguma coisa aconteça. Deixar de completar a contento determinadas tarefas importantes de implementação por não ter o entusiasmo e a disposição necessários para cumpri-las. Esconder-se atrás de uma desculpa padrão de indisponibilidade de tempo. Ou: "Eu queria ter o melhor GIS mas eu não tenho o tempo para fazer tudo isso!"

Quando ingressamos no mundo e no cronograma básico das implementações de Sistemas de Informação Geográfica, notamos logo de cara a aparição de alguns dos sete cidadãos acima…

A fase de reconhecimento das necessidades dos usuários nos diversos processos de gestão da empresa (requerimentos e Needs Assessment) é permeada pela Ganância ("Eu vi isso, eu quero isso!"), pela Luxúria ("Eu quero que esse sistema seja o melhor, e eu quero isso AGORA!") e pela Inveja ("Eu quero que o MEU sistema faça todas aquelas coisas bacanas!"). Isso deturpa muito a visão do que realmente o usuário precisa ter de ferramental de visualização, pesquisa e análise para apoiar suas atividades.

Durante a implementação, é comum nos confrontarmos com a Gula, nas respostas do tipo "Siiiiiiim! É claro que posso fazer isso!". Ela sempre vem seguida da Soberba ("Eu fiz o meu melhor, como sempre, mas…"). Como as coisas nem sempre vão bem, é aí que a Ira aparece com sua estratégia fascinante de caça às bruxas, na busca dos culpados pelos problemas. Com isso, os problemas não são efetivamente resolvidos, e a famosa "Paralisia de Análise" ocorre – é a manifestação da Preguiça, que causa o inevitável adiamento do cronograma do projeto – parece familiar, leitor?

Para evitar tudo isso, segue o "Caminho da Redenção": desenvolver uma boa estratégia de implementação, envolvendo RFPs para plataforma computacional e serviços de consultoria, detalhamento dos dados sistemáticos e temáticos importantes e um modelo de dados simples e coerente. Essa receita deve envolver, ainda, conversão de dados e validação da funcionalidade (aplicações e manutenção evolutiva) apoiadas em Projetos Piloto. Sem esquecer, é claro, que o Treinamento é essencial para a sobrevivência do novo sistema.

O sucesso da implementação GIS depende de mantermos viva a "mensagem do GIS". Devemos desenvolver um plano de ação e… agirmos, utilizarmos esse plano. Saiba como o GIS beneficia a organização e antecipe resultados. Misture staff interno com consultores e procure oportunidades de Parcerias. Esqueça o que não é tangível, quantifique os ganhos!

Essa foi a visão bem-humorada que o Gene trouxe para nós. No entanto, não podemos nos esquecer que, além dos sete pecados, existe um oitavo personagem tão importante quanto os demais, e que certamente esteve presente na ilha de Gilligan: o EGO – a percepção centrada em si mesmo de que o mundo é somente o que vemos, ou o que pensamos que sabemos. Isso pode ser terrível! A humildade é o melhor remédio. Reconheça o que você fez, mas saiba que ainda existe um longo caminho a ser percorrido. Afinal, a tecnologia GIS está a todo vapor em seu processo de evolução e sempre podemos encontrar uns "pecadinhos" na nossa jornada…

Referências Bibliográficas
§ Talmadge, C. Eugene The Seven Deadly Sins of GIS Implementation, Las Virgenes Municipal Water District, 26o Congresso Internacional do GITA, San Antonio, Texas, EUA
§ Site oficial do Gilligans Island – www.gilligansisle.com

Eduardo de Rezende Francisco é bacharel em Ciência da Computação pelo IME-USP, atua em GIS, Business Intelligence e Análise de Mercado na AES Eletropaulo. É consultor em integração Geomarketing & Data Mining e sócio-fundador da GITA Brasil. erfrancisco@hotmail.com e eduardo.francisco@aes.com