Um recente desafio em geoinformação e agronegócio é o desenvolvimento de tecnologias que auxiliem o acompanhamento dos produtos agropecuários

Se existe algo que cresce consistentemente no Brasil, além do lucro líquido dos maiores bancos e do faturamento da Petrobras, é o agronegócio. A cada ano comemoramos safras recordes e ainda acreditamos que, se não chegarmos a ser o celeiro do mundo, pelo menos estamos fazendo algo de muito positivo para a balança comercial do país.

Em 2003, nossa produção passou dos 50 milhões de toneladas de soja, 47 milhões de toneladas de milho, 12 milhões de toneladas de arroz, 5,5 milhões de toneladas de trigo, 3,2 milhões de toneladas de feijão e 1,7 milhões de toneladas de caroço de algodão. Continuamos sendo o maior produtor mundial de café, com vendas anuais de US$ 1,5 bilhão e o maior exportador de suco de laranja, que invade as prateleiras dos americanos. Como se não bastasse, o setor sucro-alcooleiro deve produzir cerca de 280 milhões de toneladas na safra 2003/04, garantindo inclusive nossa grande exportação de açúcar para os russos. No ano passado, ainda fizemos um churrasco com gosto de vitória quando também fomos o primeiro exportador mundial de carne bovina, ultrapassando a Austrália.

Deixarei para uma outra oportunidade a discussão sobre as conseqüências ambientais decorrentes dessa constante expansão e intensificação dos nossos sistemas produtivos do agronegócio. Seguirei por outro caminho, valorizando um aspecto recente no entendimento e monitoramento das cadeias alimentares, a rastreabilidade.

Vamos imaginar que esta carne que produzimos aqui após longos anos de luta contra a aftosa é a mesma que estará na mesa dos europeus, que ainda não digeriram o mal estar da vaca louca e chegaram a suspender a importação da mercadoria dos Estados Unidos porque por lá também foi encontrado um animal infectado. Ou ainda, vamos considerar que alguns países querem manter seus territórios livres dos organismos geneticamente modificados (OGMs), mais conhecidos como transgênicos, enquanto outros fomentam a produção baseada nesse recente produto da engenharia genética. Para não falar daqueles consumidores que querem ter certeza de onde vem o produto que compram, se é orgânico, se tem certificação de origem, se passou por processamentos agroindustriais…

Todas essas questões estão associadas à disponibilidade de informação e conhecimento da cadeia alimentar pela qual passou um produto, desde o campo até o consumidor. Não é fácil, mas não é impossível. E depende de muita pesquisa e desenvolvimento. O assunto é tão recente que fica difícil até traduzir o termo geotraceability: geo-traçabilidade, geo-ras-treabilidade? Vou ficar com este último, por enquanto.

O primeiro workshop sobre geo-rastreabilidade na agricultura ocorreu na Itália em 2003. A Europa saiu na frente e já possui projetos em andamento para o desenvolvimento de tecnologias baseadas em geoinformação que auxiliem o acompanhamento dos produtos agropecuários (veja sugestões para consulta no final do artigo). O Brasil não está alheio à questão porque precisa manter o agronegócio em alta e nossas exportações dependem da aceitação de produtos com normatização cada vez mais rígida.

Atenta às demandas do mercado de geoinformação no agronegócio, a Embrapa Monitoramento por Satélite realizou, com o apoio do Cirad da França, o primeiro workshop regional sobre oportunidades para geo-rastreabilidade em cadeias alimentares do Cone Sul, definindo prioridades de atuação e estabelecendo um programa de cooperação para os próximos anos com instituições européias e latino-americanas.

Figura 1 –
Rastreando os Produtos do Agronegócio (Adaptado de Bochereau, L. 2003.
Geografphical Traceability, a new opportunity to promote agriculture production
Gembloux, European Comission, Researsh Directorate General, Safty of Food
Production

Mas o que é geo-rastreabilidade no agronegócio? É a aptidão de descrever a história, o uso e a localização de um produto agrícola, tornando possível seguí-lo e encontrá-lo desde sua produção até seu consumo. Para isso, é necessário recuperar e arquivar as informações sobre as características e a história do produto (tracing) e seguir a localização em tempo real do produto (tracking), em particular para poder retirá-lo do mercado o mais rápido possível em situações emergenciais, como o recente caso da gripe do frango na Ásia.

Fica claro então o enorme potencial desta ferramenta para mapear atividades agropecuárias ao nível das propriedades, para adicionar valor aos produtos no mercado, para a certificação de rigem e rotulação dedicada ao varejo, para a comunicação com consumidores e para subsidiar futuras legislações no setor.

Em última instância, a geo-rastreabilidade pode ser utilizada para aumentar a confiança do consumidor no produto que está adquirindo, através do conhecimento de sua trajetória, sanidade e qualidade desde a produção até o consumo (Figura 1). O processo se faz através de indicadores espaciais padronizados, em conformidade com normas definidas, que permitem integrar informações de diversas fontes, níveis de qualidade e escalas de observação. Ainda temos um caminho a seguir em busca da normatização, mas os primeiros passos já foram dados.

No Brasil, um exemplo é o SISBOV (Sistema Brasileiro de Identificação e Certificação de Origem Bovina e Bubalina), um conjunto de ações, medidas e procedimentos adotados para caracterizar a origem, o estado sanitário, a produção e a produtividade da pecuária nacional e a segurança dos alimentos provenientes dessa exploração econômica. Na prática, os animais são identificados por marca a fogo, brincos gravados a laser, bólus ruminais, brincos com biochips, ou biochips injetáveis (estes últimos com a possibilidade de monitoramento por sistemas de posicionamento). O SISBOV é controlado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, mas abriu um importante mercado para empresas certificadoras e prestadoras de serviços. A utilização da geoinformação neste tipo de aplicação ainda é recente, mas trata-se de uma oportunidade em franca expansão.

O objetivo é satisfazer a demanda por metodologias e protocolos necessários para prevenir fraudes e garantir a satisfação do consumidor em relação à origem e caminho do produto na cadeia alimentar. Sistemas de rastreabilidade específicos ou genéricos baseados em marcadores analíticos, aspectos relativos ao sistema de produção, espécies, variedades e origem geográfica serão desenvolvidos utilizando traçadores naturais ou compostos sintéticos. O processo será implementado em sistemas de informação que permitirão a verificação de autenticidade e qualidade do produto do agronegócio. Algumas tecnologias já existem. Outras geotecnologias estão sendo desenvolvidas enquanto lemos esta revista.

Um dia, a geoinformação vai invadir os supermercados, assim como o faz com o agronegócio. E não vai demorar!

Mateus Batistella
mb@cnpm.embrapa.br
PhD em Ciências AmbientaisGerente de Pesquisa da Embrapa Monitoramento por Satélite

+ Informações

www.geotraceagri.net
O projeto de pesquisa e desenvolvimento em geo-rastreabilidade, financiado pela Comissão Européia

http://mars.jrc.it/lpis/geotrace.html
Informações e programa do primeiro workshop sobre geo-rastreabilidade na agricultura, ocorrido na Itália no ano passado. O website é do programa MARS (Monitoring Agriculture with Remote Sensing) do Joint Research Center

www.geotraceability.com
Um exemplo de sistema comercial utilizado em geo-rastreabilidade para cadeias alimentares