A importância do GIS Municipal na tomada de senso crítico pela população durante as eleições

Finalizei esta coluna duas semanas antes de mais uma rodada de eleições municipais. É curioso observar como a ocorrência de eleições a cada dois anos tem permitido um ainda crescente amadurecimento do eleitorado brasileiro, que já não elege qualquer candidato por motivos, digamos, "fúteis". Observo que a grande maioria dos candidatos a vereador, pelo menos aqui em Belo Horizonte, usa basicamente os mesmos verbos em seus slogans de campanha: "lutar", "trabalhar" e "construir". Muitos apelam para um pretenso papel de defensor de direitos fundamentais do cidadão, mesmo quando esses direitos não são estabelecidos e garantidos pelas câmaras de vereadores, como é o caso da segurança pública. Alguns também se arvoram como defensores de uma ou mais categorias de cidadãos, como estudantes, trabalhadores, professores, funcionários públicos, bancários, policiais e assim por diante. Também é comum que candidatos manifestem a intenção de defender os interesses de algum bairro ou região, mesmo sabendo que o voto não é distrital e que a totalidade dos moradores de um bairro pode ser insuficiente para eleger um vereador.

Quando se soma tudo isso, percebe-se que existe um exército de semi-anônimos buscando a carreira política por pensar que desta maneira terão acesso privilegiado a um grupo de pessoas, dentro do universo pessoal ou profissional em que atuam. Pessoas que o preferirão como representante a outros anônimos, defensores de outros grupos de pessoas. Não sei se os leitores concordam comigo, mas toda essa atividade me parece surreal, algo que oscila entre o otimismo exacerbado (de quem acha que será eleito tendo apenas boas intenções e poucas credenciais) e o oportunismo cínico (de quem se aproveita da notoriedade obtida em outras áreas para buscar o voto popular).

”…como seria possível a um candidato a vereador demonstrar esse tipo de conhecimento em um flash de cinco segundos no horário gratuito da TV?”

Do meu ponto de vista (que, diga-se de passagem, não é o do eleitor "médio"), sinto falta de candidatos que de fato demonstrem conhecer a cidade pela qual pretendem se eleger. Não digo apenas conhecer os problemas, complexos e variados, de todos os grupos de cidadãos, mas conhecer fisicamente seu município, ter uma noção da acessibilidade de cada bairro ou região a serviços básicos ou a recursos de infra-estrutura. Saber também como cada região da cidade se integra a um todo e ter uma noção sobre como essas regiões são interdependentes. Ter uma visão da vocação de cada região da cidade, em termos da concentração de atividades econômicas ou do perfil socioeconômico de seus moradores. Enfim, sinto falta de candidatos que, mais do que propostas genéricas e vagas intenções, demonstrem ter investido em aprender detalhadamente o funcionamento da cidade real.

Pode ser conseqüência da legislação eleitoral: como seria possível a um candidato a vereador demonstrar esse tipo de conhecimento em um flash de cinco segundos no horário gratuito da TV? Ou num cartaz preso a um poste em uma grande avenida? Daí a enxurrada de slogans curtos e genéricos, inócuos. As candidaturas melhor estruturadas buscam preencher esta lacuna criando web sites, nos quais se pode conhecer melhor o candidato, sua trajetória profissional e política e suas propostas. Entretanto, verifica-se que as propostas, mesmo quando apresentadas detalhadamente, continuam genéricas e, freqüentemente, inviáveis.

É inevitável imaginar algo improvável do ponto de vista da implementação em uma eleição real, mas que parece ser a base de um bom projeto de pesquisa em ciência política, ou em alguma outra das ciências sociais aplicadas. Gostaria de dispor de um sistema de banco de dados (espacial, naturalmente) em que pudéssemos conhecer o endereço de residência de cada candidato a vereador. Seria interessante ver como é a distribuição espacial dos candidatos, comparada à distribuição da população e às variações de características sócio-econômicas de cada bairro da cidade. Se as propostas não fossem tão genéricas, seria interessante também localizar espacialmente os alvos das propostas dos candidatos, ou pelo menos identificar as regiões beneficiadas com cada proposta de melhoramento. Gostaria de saber qual a corrente política (se é que isso existe em uma eleição municipal) de todos os candidatos que propõem melhoramentos para uma determinada região, e de analisar se existem regiões da cidade mais ou menos visadas por candidatos de determinadas correntes. Mais inviável ainda, porém não menos interessante, seria conhecer a distribuição espacial do material de campanha eleitoral de cada candidato. As grandes avenidas, objeto de cuidados com a jardinagem e de embelezamento geral às vésperas da eleição, parecem ser as principais vítimas dos cartazes e faixas, numa disputa intuitivamente espacial pela notoriedade. Pelo que se pode perceber nas campanhas deste ano, dispor de tanta informação parece pretensioso, mas o é muito mais pelo despreparo dos candidatos do que pela viabilidade tecnológica para a implementação de um sistema como esse.

Realizadas as eleições e apurados os votos, esse sistema poderia ser estendido para acompanhar várias outras coisas, como a retirada dos cartazes e a repintura dos muros. Esta idéia poderia também indicar a votação que cada candidato recebeu em cada seção eleitoral, buscando antes mapear as áreas cobertas pelas seções eleitorais: uma espacialização que hoje não existe. Esse resultado (em particular dos eleitos) poderia então ser comparado com as áreas que foram alvo de propostas, para que se pudesse avaliar a sensibilidade do eleitor à condução de cada campanha.

Finalmente, o mesmo sistema poderia ser usado para uma tarefa ainda mais árdua: acompanhar as realizações de cada um dos eleitos, e correlacioná-las com as propostas e com a votação espacializada. E, ao final dos quatro anos de mandato, apresentar essa comparação ao eleitorado, para ajudá-lo a perceber melhor que propostas eram viáveis, que propostas eram pura balela, e que tipo de engodo será reapresentado na próxima eleição. Seria como registrar organizadamente as previsões dos videntes e cartomantes de plantão na virada de um ano, para resgatá-las e apresentá-las na véspera de novas previsões, de modo a dar às pessoas um pouco mais de senso crítico. Tenho notícias da implementação de alguns dos aspectos que aqui descrevi em eleições passadas, mas em nível estadual. Porém, por inclinação pessoal, gostaria de ver algo desta dimensão desenvolvido em escala municipal. Acho que as câmaras de vereadores dos principais municípios do Brasil poderiam se beneficiar amplamente do acesso a um GIS urbano, como parceiras das prefeituras em sua construção e viabilização técnica e econômica. Por meio do GIS, os vereadores e suas assessorias teriam à sua disposição algo que os ajudasse a conhecer mais de perto a cidade e seu funcionamento – e isso certamente teria impacto em campanhas futuras.
Em tempo: não sou, nunca fui, nem pretendo ser candidato a vereador.

Clodoveu Davis
Engenheiro civil, doutor em Ciência da Computação, pesquisador da Prodabel – Empresa de Informática e Informação do Município de Belo Horizonte e professor da PUC-MG.
clodoveu.davis@terra.com.br