Com o advento da Constituição Federal (CF) de 1988, o inciso III do art. 3º passa a prever a redução das desigualdades sociais e regionais como um dos objetivos fundamentais do Brasil. Assim, pelo próprio fato de a Constituição Federal dizer que a República deve reduzir desigualdades, ela admite, de forma reversa, que o Brasil é um país desigual. E o critério de regionalidade, junto ao social, foi o instrumento geográfico escolhido para tornar o país menos desigual.

O conceito de região tem o crédito da história do pensamento geográfico e chega a ter tamanha relevância que aparece em Kant a ideia de que o espaço geográfico é de natureza diferente do espaço matemático, porque divide em “regiões” que se constituem no substrato da história dos homens. No livro “A Natureza do Espaço”, Milton Santos expõe a relação de desigualdade – produção de normas –, e afirma que esta segunda é indispensável ao processo produtivo, pois quanto mais desigual a sociedade e a economia, tanto maior será o conflito, que por sua vez necessita de regulação, ou seja, de produção de normas.

E não faltam mandamentos no Brasil para alcançar esse objetivo. Dadas as inúmeras menções constitucionais sobre região, a hipótese que merece ser analisada pelo Geodireito jaz no Artigo 43 da CF, que possibilita que, para efeitos administrativos, a União articule sua ação em um mesmo complexo geoeconômico e social, visando o seu desenvolvimento e a redução das desigualdades regionais. Tais incentivos regionais devem contemplar, por força de lei, (i) a igualdade de tarifas, fretes, seguros e outros itens de custos e preços de responsabilidade do Poder Público; (ii) juros favorecidos para financiamento de atividades prioritárias; (iii) isenções, reduções ou diferimento temporário de tributos federais devidos por pessoas físicas ou jurídicas; e (iv) prioridade para o aproveitamento econômico e social dos rios e das massas de água represadas ou represáveis nas regiões de baixa renda, sujeitas a secas periódicas.

Existem diversas vantagens nesse tipo de gestão do espaço, que por sua vez abre inúmeras oportunidades de negócios para o setor de geotecnologias. Além de reunir, dentro de um mesmo critério regional, localidades com uma mesma necessidade, as competências da União, dos estados e municípios passarão a ser analisadas e inter-relacionadas em cima de dados cartográficos e estatísticos.

Um exemplo claro desse tipo de situação é que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) passou a obrigar as distribuidoras de energia elétrica, desde dezembro do ano passado, que mantenham em Sistema de Informações Geográficas (SIG) os dados de parâmetros elétricos, estruturais e de topologia dos sistemas de distribuição de alta, média e baixa tensão, bem como as informações de todos os acessantes. No centro de tal obrigatoriedade está o interesse da Agência, no suporte às atividades de regulação e fiscalização, de usar as informações para fins do processo de revisão e reajuste tarifário e da fiscalização técnica e econômico-financeira. Trocando em miúdos, os órgãos reguladores passarão a definir a remuneração das concessionárias de serviço público empregando o SIG como uma de suas ferramentas centrais.

Ao mesmo tempo em que a competência de legislar sobre energia elétrica é da União, a Aneel obriga as distribuidoras de energia elétrica a serem compatíveis com os planos diretores municipais e os planos regionais de desenvolvimento. Ou seja, além de trazer para o centro da questão tarifária as ferramentas geotecnológicas, condiciona tal remuneração aos interesses ambientais e urbanísticos de estados e municípios, que igualmente necessitarão “cartografar suas legislações” para que sejam consideradas não apenas nas revisões tarifárias do setor elétrico, mas igualmente para a exploração de petróleo, distribuição de gás, saneamento, transportes, telefonia fixa e móvel, bem como TVs a cabo.

Certamente o desafio conceitual do Geodireito é diretamente proporcional aos das empresas que desejam se posicionar na vanguarda desse processo.

Luiz Antonio Ugeda SanchesLuiz Antonio Ugeda Sanches
Mestre em Direito e em Geografia pela PUC-SP. Diretor-Executivo do Instituto Geodireito
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