Imagine uma quadra poli-esportiva presente em qualquer clube ou condomínio de classe média no Brasil. Em tal espaço, estão sobrepostas linhas que delimitam as regras do jogo de futebol de salão, basquete, vôlei, handebol e tênis. Há uma trave e um cesto em cada uma das duas extremidades da quadra. Coloquem-se os atletas para jogar todos os esportes que têm as respectivas linhas projetadas no chão ao mesmo tempo. Tudo isso submetido a três árbitros, cada qual com competências distintas.

O resultado de tal catarse seria no mínimo curioso. Cada um dos esportistas tentaria fazer prevalecer seu esporte em detrimento dos demais, valorizar seus respectivos esportes pela alta especialidade de suas regras ou pelo simples uso da força, trombariam em quadra, trocariam as bolas, haveria mistura de regras, de cores dos uniformes. E os resultados seriam altamente previsíveis: jogadores contundidos, erros nas contagens de pontos, aumento da possibilidade de ocorrência de jogadas irregulares, enfim, a total inviabilidade da prática concomitante dos esportes em um mesmo espaço.

Mosaico

Em que pese a mal alinhavada comparação, esta é a realidade federativa do Brasil. O país está regionalizado por inúmeras metodologias. Em regra, temos um Estado Federado que contempla 26 Estados, um Distrito Federal e 5.564 municípios, que se dividem em cinco regiões nacionais, 12 regiões metropolitanas, 12 regiões hidrográficas, três regiões referentes à telefonia fixa, diversas áreas de proteção ambiental e muitas outras formas de divisão espacial, em diferentes escalas que, sobrepostas, formam o imenso mosaico do ordenamento territorial brasileiro.

No que concerne à profissão de geógrafo, há que se reorientá-la como ramo científico que estuda as relações nacionais, possibilitando convergência ótima às demandas contemporâneas de infraestrutura e da Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR), prevista no Decreto 6.047, de 2007. As diretrizes curriculares nacionais do curso de geografia evidenciam que tal curso consolida-se como ciência interdisciplinar, por compreender múltiplas interfaces com as outras áreas do conhecimento e com elas evoluir.

A introdução e o aperfeiçoamento de metodologias do espaço, como o geoprocessamento, os sistemas geográficos de informação, a cartografia automatizada e o sensoriamento remoto, representam a inflexão interdisciplinar que o curso de geografia vem experimentando. A ciência, a tecnologia e a informação orientam na produção, na utilização e no funcionamento do espaço, dinâmica que a geografia é capaz de interpretar e explicar com propriedade ímpar, justamente por se atentar às novas demandas.

Não é recente o entendimento interdisciplinar do geógrafo, bem como sua pertinência como especialidade de engenharia. Data do período monárquico a regulação da atividade de engenheiros geógrafos (Decreto 3.001, de 1880). Mas a geografia começou a ganhar, progressivamente, influências de outras ciências. O médico pernambucano Josué de Castro publicou em 1937 a obra “A Alimentação Brasileira à Luz da Geografia Humana”, na qual destaca que o único método eficaz de análise da questão é o geográfico. A Lei 10.894, de 2004, declara o bacharel em Direito, Milton Santos, patrono da geografia nacional.

Desafios

Logo, reorientar a profissão de geógrafo é, em síntese, resgatar o seu pioneirismo interdisciplinar enquanto objeto de estudo das “relações nacionais”, em dia com as previsões constitucionais e pautadas no desenvolvimento regional. Não podemos mais formar geógrafos sem conhecimentos mínimos de estatística e de Direito. Entendemos que é possível formar uma carreira adaptada aos desafios contemporâneos, com o objetivo de atender às demandas de infraestrutura e da PNDR. O Brasil não pode prescindir destes profissionais em momento de acelerado crescimento, formando profissionais com enfoque rico em percepções, mas com eficácia aquém de suas potencialidades.

Luiz Antonio Ugeda SanchesLuiz Antonio Ugeda Sanches
Mestre em Direito e em Geografia pela PUC-SP. Diretor-Executivo do Instituto Geodireito
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