Dados de satélites, nuvens de pontos 3D e fotos aéreas cada vez mais presentes nos levantamentos

Por Eduardo Freitas

Em 2010, pela primeira vez passou a constar na Norma Técnica de georreferenciamento de imóveis rurais que está liberado o uso – em situações específicas – de imagens de satélites. Na topografia, cada vez mais são usadas imagens e modelos digitais obtidos através de escaneamento a laser. E nos levantamentos de pequenas áreas, os Veículos Aéreos Não Tripulados (VANTs) já podem ser um complemento – ou uma alternativa – aos levantamentos de campo.

Estariam as imagens invadindo o campo? Estes dados obtidos por sensoriamento remoto vão impactar no mercado de trabalho de topógrafos, agrimensores e cartógrafos? Ou seriam estas informações mais uma forma de complementar o trabalho e gerar novos negócios e oportunidades?

Quando novas tecnologias surgem, em um primeiro momento pode haver uma certa apreensão quanto à substituição dos métodos tradicionais de levantamentos por outros mais modernos. Afinal, as estações totais são muito mais rápidas e versáteis do que os teodolitos, os receptores GNSS RTK apresentam mais velocidade do que um equipamento pós-processado, e assim por diante. Porém, soluções tecnológicas inovadoras também podem complementar o trabalho, melhorar processos e ampliar o campo de atuação dos profissionais e empresas de geotecnologia.

Na revisão da Norma Técnica de georreferenciamento de imóveis rurais, publicada no ano passado, ficou bem claro que imagens de satélites podem ser usadas como alternativa para a obtenção de coordenadas de pontos. A segunda edição da Norma permite a adoção de dados obtidos por sensoriamento remoto para a determinação de vértices restritos, como os localizados em florestas densas ou protegidas por Lei, ou ainda para pontos comprovadamente inacessíveis.

De acordo com o item 5.10.1 da nova Norma, o uso desse tipo de imagem deve ser feito segundo o Padrão de Exatidão Cartográfica (PEC) Classe A, atendendo à escala cartográfica cadastral de 1:10.000. Assim como era indicado anteriormente na Norma, o levantamento e a apresentação destas informações deverão ser executados por profissional devidamente habilitado junto ao Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Crea), com certidão de acervo técnico para a atividade desenvolvida.

Para o uso de imagens de satélites no georreferenciamento de um imóvel rural para fins de Certificação, deve-se elaborar os formulários para solicitação de anuência, junto ao Incra, juntamente com um relatório fotográfico detalhado. Isto serve como material de consulta para os fiscais do Instituto, na decisão de autorizar – ou não – o uso dos vértices de classe C7 para a determinação dos limites do imóvel.

Considerando que a Norma Técnica prevê uma precisão menor ou igual a 2 metros para vértices de limites naturais, esta metodologia é eficaz e atende aos preceitos mínimos de precisão e confiança. Em alguns casos, esta é a única solução para o resolver o problema de vértices inacessíveis.

Mas os profissionais não devem achar que o trabalho de campo está acabado e todo levantamento agora poderá se feito com sensoriamento remoto. Além disso, é preciso estar atento para a resolução espacial das imagens, para obedecer à escala indicada na Norma Técnica. As imagens de satélites no georreferenciamento de imóveis rurais devem ser adotadas somente em casos específicos de restrição e/ou inacessibilidade ao local do levantamento, sendo encaradas sempre como exceção, e nunca como regra. Sendo assim, os métodos convencionais prevalecem na grande maiorias dos trabalhos.

Nuvens de Pontos 3D

À medida que a tecnologia de levantamentos em campo avança, cada vez menos é preciso que o profissional tenha contato direto com as áreas e objetos a serem mapeados. Até mesmo em trabalhos clássicos de topografia, como levantamentos “as built”, o uso de técnicas de medição à distância pode ser uma opção – ou um complemento – para os métodos tradicionais de topografia.

Uma tecnologia tem avançado cada vez mais no setor de levantamentos é o laser scanning – ou escaneamento a laser -, equipamento que permite realizar o mapeamento, tanto de áreas internas como externas, com rapidez e precisão sem precedentes. Além disso, gera nuvens de pontos em três dimensões que são processadas para gerar modelos digitais que representam fielmente a realidade.

A tecnologia Light Detection and Ranging (Lidar), o princípio do laser scanning, já é estudada há mais de três décadas, principalmente na área de sensores aerotransportados, mas aos poucos vem invadindo cada vez mais a área dos levantamentos terrestres. O scanner efetua uma varredura das feições de interesse, através do registro e da geração de modelos tridimensionais. O baixo tempo para aquisição dos dados gera ganhos de produtividade, e além disso há a vantagem de não necessitar de alvos refletores e de luz. O número de pontos gerado em cada levantamento é da ordem de milhares por segundo, as distâncias podem chegar a mais de dois quilômetros, com precisão milimétrica.

A aquisição dos dados em campo, de uma área média, leva de duas a três horas. A quantidade de pontos de um levantamento pode chegar facilmente a mais de 10 milhões de pontos e o processamento leva entre duas a três horas. Após processar os dados, o resultado obtido é uma nuvem de pontos – em um mesmo sistema de referência – tão densos que têm a aparência de uma imagem. O trabalho de integração dos dados é executado em softwares próprios, que geralmente vêm junto com o equipamento, e o refinamento é feito em qualquer software de CAD ou GIS.

Com o uso simultâneo de câmaras digitais acopladas ao laser scanner, pode-se sobrepor a imagem à nuvem de pontos obtidos com laser, para obter então um modelo colorido 3D da realidade. Depois do modelo pronto, é possível executar várias ações, como cálculos de volumes, monitoração de deformações, demarcação de curvas de nível, extração de seções e geração de Modelos Digitais de Elevação (DEM, na sigla em inglês).

Dentre as áreas que utilizam este tipo de tecnologia para a geração de modelos 3D estão a indústria petroquímica, mineração, construção civil, arquitetura, geologia, arqueologia, planejamento urbano, monitoração de estruturas, entre outras.

Se não bastasse o uso do laser scanner, agora as empresas estão adaptando estes equipamentos em carros e embarcações, levando esta tecnologia a patamares nunca antes imaginados.

VANTs

Há algo de novo no ar. Além dos satélites orbitando a Terra e os aviões mapeando a superfície, existem agora os Veículos Aéreos Não Tripulados (VANTs, ou UAVs na sigla em inglês). Mais parecidos com discos voadores saídos de filmes de ficção científica, eles estão provando que podem complementar – ou, em alguns casos, até mesmo substituir – os levantamentos orbitais ou com aerofotogrametria, com custo muito baixo.

Os VANTs têm sido usados, em todo o mundo, para os mais diversos usos, desde a resposta a desastres naturais, passando pelo monitoramento ambiental, levantamento de culturas e segurança pública. No Brasil, estes veículos já são uma realidade, sendo usados para várias aplicações como, por exemplo, o mapeamento de culturas agrícolas.

O primeiro voo autônomo, no espaço aéreo brasileiro, foi realizado pelo projeto Aurora, criado em 1996 pelo Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer (CenPRA). No setor privado, a empresa AGX foi a primeira a realizar um voo autônomo com uma aeronave de asa fixa, com o Agplane. Projetado em conjunto com a Universidade de São Paulo (USP) e a Embrapa, este VANT apresentou grande potencial para a análise de culturas no setor agrícola, pois a tecnologia permite a montagem de mosaicos com padrões muito próximos da aerofotogrametria.

Desde 2005, o AGplane tem sido usado para mapeamento de culturas, levantamentos topográficos, medição de reserva legal, entre outras aplicações. Com motor de 40cc e peso máximo de decolagem de 20 quilos, o modelo Arara do AGplane tem autonomia de voo de quatro horas e velocidade de cruzeiro de 100 quilômetros por hora, podendo ser operado no sistema autônomo ou remoto. Instalados a bordo ficam o receptor GPS, sensor imageador, sistema de vídeo em tempo real, altímetro, velocímetro, entre outras tecnologias embarcadas.

O tipo de sensor a bordo do VANT varia de acordo com a necessidade. Podem ser usadas câmeras de pequeno ou médio formato, ópticas, digitais, termais, infravermelho, infravermelho próximo, entre outras.

Mas um VANT não é um simples aeromodelo. Antes de se fazer um levantamento é preciso obter uma autorização Notam, emitida pelos órgãos da Aviação Civil e Militar, avisando que será feito um sobrevoo a um determinado local.

O campo invadiu as imagens

Assim como as imagens estão cada vez mais presentes no setor de campo, por outro lado há soluções de geoprocessamento que integram dados de levantamentos em tempo real e dependem destas informações para gerar análises. Um exemplo é a resposta a desastres naturais, que precisa tanto de imagens recentes como informações obtidas no próprio local dos acidentes. Outro exemplo são os Modelos Digitais de Construções (BIM, na sigla em inglês), verdadeiras réplicas virtuais de edificações que podem ser atualizadas em tempo real, de acordo com os dados provenientes do “as built” – ou “as is” – em campo. Recentemente, o Incra disponibilizou em um mapa online todo o seu acervo fundiário, mostrando que os dados do Instituto devem estar cada vez mais acessível ao grande público através de um WebGIS.

Definitivamente, as imagens invadiram o campo, mas o campo também invadiu o setor de geoprocessamento. É a integração das tecnologias para o bem de todos, gerando novas possibilidades e oportunidades de negócios.