Presidente do Sistema de Referência Geocêntrico para as Américas (Sirgas).

Por: Eduardo Freitas

Licenciado e doutor em Astronomia, Professor Titular da Universidade Nacional de La Plata. Em 1998 criou o grupo de trabalho Gesa, dedicado ao estudo da Atmosfera Superior e o meio Sol-Terra, além da tecnologia dos sistemas de navegação global baseados em satélites. É membro da Associação Internacional de Geodésia, onde preside a Sub-Comissão Sistema Regional de Referência para a América do Sul, onde integrou, durante oito anos, o Comitê Editorial do Jornal de Geodésia. É Presidente do Grupo de Trabalho Sistema de Referência Geocêntrico para as Américas (Sirgas), do Instituto Panamericano de Geografia (IPGH) e História. Bolsista da Fundação Alexander von Humboldt, da Alemanha.

MundoGEO: Como é a estrutura do Sirgas e quais são os objetivos do Sistema para promover seu uso na América Latina e Caribe?

Claudio Brunini: O Sirgas nasceu na Conferência Internacional para a Definição de um Sistema de Referência Geocêntrico para a América do Sul, celebrada em 1993 em Assunción (Paraguai), com o objetivo de enfrentar a problemática que o nome da conferência enunciava e que gerou o acrônimo que identificou aquela iniciativa que foi acompanhada pela grande maioria dos países sulamericanos. Posteriormente, o significado das duas últimas siglas mudou de “América do Sul” a “Américas”, com a incorporação, em 2000, do México e dos países da América Central e Caribe, e a recomendação da Organização das Nações Unidas, em sua Sétima Conferência Cartográfica das Américas (Nova York, de 22 a 26 de janeiro de 2001), acenando para a adoção do Sirgas como sistema de referência oficial em todos os países das Américas.

O Sirgas conta com os patrocínios do IPGH, onde integra um Grupo de Trabalho da Comissão de Cartografia, e da Associação Internacional de Geodésia (IAG), onde integra a Comissão I (Marcos de Referência). Seu funcionamento se sustenta com recursos materiais e humanos aportados por mais de 50 entidades e com subsídios das instituições patrocinadoras. Sua vida institucional se rege por um estatuto, que atribui o governo a um Comitê Executivo que se renova a cada quatro anos. Com o apoio de um Conselho Científico, esse comitê cumpre a missão de executar as políticas que define o corpo principal da organização: um Conselho Diretivo formado por um representante de cada país membro (19 na atualidade) e um de cada entidade patrocinadora.

A visão que rege o Sirgas é a consolidação, em todos seus Estados membros, de uma vanguarda geodésica com nível científico internacional, articulada no trabalho coletivo que contribua a resolver os problemas sociais, econômicos e ambientais da região e melhorar a qualidade de vida de seus habitantes. Dessa visão emerge sua missão, orientada a gerar e por a disposição das instituições da América Latina e Caribe, dados e produtos de origem geodésica que contribuam a compreender a relação complexa e mutante que existe entre o Homem e a Natureza. A partir disso, o principal de seus objetivos atuais: definir, materializar e manter o sistema de referência geocêntrico tridimensional das Américas (incluindo um sistema de referência vertical associado ao campo de gravidade terrestre) que proveja: i) a camada fundamental das Infraestruturas de Dados Espaciais (IDE) do continente; e ii) a plataforma para estudar os processos geodinâmicos e de mudança global que afetam o planeta.

MG: O que é a rede Sirgas-CON? Quais são seus objetivos?

CB: O Sirgas está materializado por uma rede de estações GNSS de funcionamento contínuo com coordenadas de alta precisão (associadas a uma época específica de referência) e suas mudanças através do tempo (velocidades das estações). A rede Sirgas de funcionamento contínuo (Sirgas-CON) é composta, hoje, por mais de 250 estações, das quais 48 pertencem à rede global do Serviço Internacional de GNSS (IGS, na sigla em inglês). A operabilidade da Sirgas-CON se fundamenta na contribuição voluntária de mais de 50 entidades latinoamericanas, que têm instalado as estações e se ocupam de sua operação adequada para, posteriormente, por à disposição dos centros de análise a informação observada. Esta rede é processada semanalmente mediante o trabalho coletivo de nove centros de análise: Centro de Processamento de dados GNSS do Equador, Instituto Geográfico Militar (Equador), Centro de Processamento Engenharia – Mendoza – Argentina da Universidade Nacional de Cuyo (Argentina), Centro de Processamento e Análise GNSS Sirgas da Universidade de Zulia (Venezuela), Deutsches Geodätisches Forschungsinstitut, DGFI (Alemanha), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Brasil), Instituto Geográfico Agustín Codazzi (Colômbia), Instituto Geográfico Militar (Chile), Instituto Geográfico Nacional (Argentina), Instituto Nacional de Estatística e Geografia (México), Serviço Geográfico Militar (Uruguai). Estes Centros geram soluções semanais que são combinadas pelos escritórios do Brasil e da Alemanha.

Da combinação surgem os produtos finais do Sirgas: soluções semanais semi-livres para a integração da Sirgas-CON no poliedro global do IGS, coordenadas semanais ajustadas ao Marco de Referência Terrestre Internacional (ITRF, na sigla em inglês) – referidas à época de observação) para aplicações na América Latina e soluções multianuais (acumuladas) com coordenadas e velocidades para aplicações práticas e científicas que requeiram da variabilidade das posições geodésicas com o tempo.

MG: Quais são os Grupos de Trabalho e suas funções no Sirgas?

CB: O Sirgas conta com três Grupos de Trabalho: i) Sistema de Referência; ii) Sirgas em Âmbito Nacional; e iii) Datum Vertical. A missão destes grupos é o desenvolvimento permanente de uma multiplicidade de atividades que englobam: i) a materialização de um sistema de referência vertical associado ao campo da gravidade terrestre, preciso e consistente na escala continental e global, o qual requer a análise das redes de nivelamento e gravidade de todos os países latinoamericanos, juntamente com observações maregráficas e de altimetria satelital oceânica; ii) o apoio ao estabelecimento de marcos de referência nacionais vinculados ao Sirgas nos países que ainda não o tenham feito (hoje, na Guiana, Guatemala e Honduras) e para a implementação de técnicas avançadas de posicionamento (por exemplo, as denominadas em “tempo real”); iii) a atualização permanente das convenções e modelos utilizados para elaborar os produtos que o Sirgas põe à disposição da comunidade; iv) estudos orientados à compreensão do câmbio global, tais como a produção de mapas de variáveis atmosféricas e o monitoramento do nível do mar mediante marégrafos controlados com GNSS; v) a assistência técnica permanente a uma vasta comunidade relacionada ao Sirgas e à Organização dos Estados Americanos, através do IPGH, para a resolução de disputas limítrofes. Todas estas atividades são de grande valia e se desenvolvem de forma permanente sob a coordenação do Conselho Diretivo e com a participação, nos Grupos de Trabalho, de cientistas e técnicos, não só dos 19 países da América Latina e Caribe que o formam, mas também de entidades transcontinentais como, por exemplo, o Deutches Geodätisches Forschungsinstitut, da Alemanha.

MG: Quando se realizará a próxima Reunião do Sirgas? Qual é a importância de tais encontros para o desenvolvimento do Sistema na região?

CB: As reuniões Sirgas se realizam com periodicidade anual e seu objetivo é a avaliação dos avanços alcançados e a revisão dos planos de trabalho do Sirgas. O Sirgas acaba de celebrar sua Reunião de 2012, na cidade de Concepção (Chile), entre 29 e 31 de outubro. A mesma foi organizada pela Universidade de Concepção e pelo Instituto Geográfico Militar do Chile, com a participação de aproximadamente 150 pessoas provenientes de 15 países. A próxima Reunião Sirgas se celebrará durante o último trimestre de 2013 (a data exata ainda não foi definida), na Cidade do Panamá, com o apoio do Instituto Geográfico Tommy Guardia desse país.

MG: Como pode uma Institução participar do Sirgas?

Claudio BruniniCB: Qualquer instituição sem fins lucrativos pode participar do Sirgas através dos Grupos de Trabalho. Para isso, se requer a apresentação de um plano de trabalho inscrito dentro dos objetivos do Sirgas. O Comitê Executivo, com a assistência do Comitê Científico, revisa periodicamente o andamento dos planos de trabalho e eleva sua avaliação ao Comitê Executivo. Este decide, finalmente, sobre a continuidade ou não dos projetos específicos que se executam dentro do Sirgas.