Esforço Conjunto

Geotecnologias para o monitoramento dos níveis de degradação das pastagens no Brasil

A pecuária extensiva é responsável por cerca de 93% do rebanho bovino no Brasil, sendo as pastagens sua principal fonte alimentar. Esse tipo de sistema apresenta um dos menores custos de produção de carne no mundo, estimado em 60% e 50% dos custos da Austrália e Estados Unidos, respectivamente. Por esse mesmo motivo, a degradação das pastagens tem sido um grande problema para o setor, causando prejuízos econômicos e ambientais. Diversas fontes indicam que, dos 160 milhões de hectares de pastagens do Brasil, mais de 60% encontram-se em algum estágio de degradação.

A necessidade urgente de respostas sobre a localização e a quantidade de áreas de pastagem degradadas no país, assim como a gravidade deste problema, motivaram a elaboração do projeto de pesquisa GeoDegrade, liderado pela Embrapa Monitoramento por Satélite. Pesquisadores de outras Unidades da Empresa (Amazônia Oriental, Cerrados, Gado de Corte e Pecuária Sudeste) e de instituições como a Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (Apta), o Centro de Cooperação Internacional em Pesquisa Agronômica para o Desenvolvimento (Cirad, França), o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Museu Paraense Emílio Goeldi e a Universidade Federal do Pará uniram esforços em torno do projeto com o objetivo de avaliar métodos de mapeamento remoto e o seu desempenho no monitoramento de níveis de degradação em pastagens. Diante da dimensão continental do país e devido à possibilidade de se adquirir dados sobre grandes extensões geográficas, parte deles gratuitos, o geoprocessamento tornou-se uma importante ferramenta para espacializar e monitorar os recursos naturais, as atividades antrópicas e as consequências destas atividades sobre a superfície terrestre.

Abordagem multiescalar

A degradação de pastagens é resultado de um conjunto de interações ao longo do tempo, entre práticas de agricultores e condições do meio físico. Ambos variam também no espaço, conforme dinâmicas territoriais – organização de cadeias produtivas, mudanças socioeconômicas, difusão de inovações. Dessas combinações resultam vários processos de degradação, contrastados em termos de mecanismos e efeitos sobre produção, paisagens e recursos naturais. Essa diversidade foi levada em conta na escolha das áreas de referência e nos métodos de tratamento de dados espectrais. De uma forma inovadora, o projeto GeoDegrade aliou intensos trabalhos de campo com uma abordagem multiescalar a partir de imagens orbitais com diferentes resoluções temporais e espaciais.

Monitoramento

A primeira etapa do projeto consistiu em aliar a experiência de pesquisadores da área e extensa revisão bibliográfica para definir os conceitos sobre a degradação de pastagens e suas causas no contexto de cada bioma avaliado pelo projeto – Amazônia, Cerrado e Mata Atlântica. As áreas de referência (ver figura) escolhidas, distribuídas nos três biomas, compreendem pastagens nos municípios paraenses de Altamira, Belém, Castanhal, Paragominas e Marabá; pastagens em diversos municípios de Goiás; Ribas do Rio Pardo e Aquidauana, no Mato Grosso do Sul; e Sertãozinho, Colina, São Carlos, Andradina e Pindamonhangaba no estado de São Paulo.

No bioma Amazônia, a caracterização de pastagens foi realizada de forma pontual, contabilizando cerca de 230 pastagens, visitadas entre os anos de 2011 e 2012. No estado de Goiás, bioma Cerrado, dois transectos cortaram o estado e 54 áreas de pastagens foram monitoradas em 2012. Nas demais áreas dos biomas Cerrado e Mata Atlântica, em cada área de referência, pelo menos três situações de pastagem foram avaliadas: pastagem manejada, em degradação e degradada. As avaliações foram realizadas sazonalmente, de 2011 a 2013.

Para caracterizar as condições das pastagens foram levantados parâmetros quantitativos e qualitativos da cobertura vegetal e manejo. Os principais parâmetros quantitativos contemplaram variáveis como proporções de solo descoberto, de cobertura com forrageira, de cobertura com invasoras, de capim verde e altura da forragem. Já as variáveis qualitativas monitoraram espécie da forragem, invasora dominante, vigor do pasto, níveis de infestação por invasoras e informações sobre o uso atual da pastagem (pastejo ou pousio). Outras informações, como apreciação geral da área, fotografias digitais georreferenciadas e medidas radiométricas, também foram obtidas em cada área de referência.

As informações obtidas em campo compõem atualmente um Sistema de Informações Geográficas (SIG) onde também foram agregados mapas de solo, uso e cobertura da terra, perda de solo, informações meteorológicas, imagens orbitais de baixa (Modis), média (TM/ Landsat, LIS3/ Resourcesat-1, Spot) e alta resolução espacial (GeoEye-1, RapidEye e Worldview-2). Esta etapa do projeto constitui-se num produto de caráter gerencial a ser disponibilizado como uma ferramenta auxiliar de gestão para os administradores de cada área de referência, nos biomas Cerrado e Mata Atlântica, de forma a nortear a administração, a pesquisa e até mesmo planos de manejo ambiental.

Avaliação de métodos e modelos de mapeamento

Com a completa organização dos dados de campo, as técnicas de sensoriamento remoto e geoprocessamento passaram a ser aplicadas. No âmbito das imagens de baixa resolução espacial encontram-se as séries temporais de índices de vegetação (IV) obtidos de imagens Modis. Este método busca avaliar o potencial do uso de séries temporais de Enhanced Vegetation Index (EVI-2) como ferramenta para a identificação, monitoramento e discriminação de níveis de degradação em pastagens. As imagens Modis são utilizadas devido à alta resolução temporal (um a dois dias), permitindo acompanhar o desenvolvimento da biomassa e monitorar o ciclo vegetativo do alvo de interesse. Diferenças nos perfis entre duas áreas de pastagens podem ser resultantes de fatores como condições climáticas, diferença de espécie, manejo e ocorrência de degradação. Para melhor interpretação das séries temporais de EVI-2, foi levantado o histórico do uso e manejo das áreas amostrais, entre os anos de 2000 e 2011.

Outros métodos avaliados fundamentam-se na aplicação de algoritmos e modelos na obtenção de parâmetros biofísicos da vegetação em áreas de pastagens utilizando imagens orbitais de média resolução espacial (Landsat, Aster, etc.). O Surface Energy Balance Algorithm for Land (Sebal) utiliza dados de sensores remotos para estimar alguns desses parâmetros, como a evapotranspiração. Este algoritmo é promissor por ser construído de forma modular e permite que sejam acoplados outros modelos, como o desenvolvido por Monteith (1972), para a estimativa da biomassa vegetal. Nesse caso, a biomassa vegetal, aliada a outros parâmetros biofísicos observados em áreas de pastagem, pode ser um bom indicador do vigor da vegetação e consequentemente de aspectos relacionados à identificação de degradação dessas áreas.

Ainda explorando as imagens de média resolução espacial, o projeto GeoDegrade está testando o Modelo Linear de Mistura Espectral (MLME). Em imagens orbitais, a mistura espectral ocorre em função da resolução espacial dos sensores, no qual um pixel da imagem inclui a resposta espectral de mais de um tipo de cobertura do terreno. A estimativa das proporções de solo, sombra e vegetação na imagem pode ser utilizada para discriminar níveis de degradação em função da variação destas proporções. O MLME também está sendo empregado nas imagens de alta resolução espacial, principalmente as do satélite Worldview-2, contribuindo para o conceito multiescala do projeto. Este satélite, que fornece imagens com resolução espacial de 50 centímetros a dois metros e possui oito bandas multiespectrais, permite estimar as proporções de solo, sombra e vegetação em uma área mínima inferior a um metro quadrado. Estas aplicações permitem a comparação destes resultados com os dados das variáveis quantitativas obtidas em campo, uma vez que a obtenção das imagens foram programadas para o mesmo período. Outra forma de utilização das imagens de alta resolução espacial é a atualização do uso e cobertura de cada área amostral, permitindo que o gestor tenha um levantamento atualizado.

MonitoramentoUm dos resultados preliminares alcançados pelo projeto foi o mapeamento dos níveis de degradação das pastagens no estado de Goiás, baseado em imagens do satélite Spot e séries temporais de índices de vegetação.

Uma nova abordagem para todo o Brasil será apresentada a partir do mapeamento das pastagens cultivadas, elaborado sob coordenação do pesquisador da Embrapa Cerrados, Edson Sano.

Como resultado geral do projeto, espera-se extrapolar os mapeamentos regionais para um mapeamento dos níveis de degradação das pastagens cultivadas na escala dos biomas brasileiros. Para que a transferência dos conhecimentos seja contínua, o andamento do projeto e os seus resultados preliminares já estão sendo disponibilizados no site www.geodegrade.cnpm.embrapa.br. Um servidor de dados espaciais (WebGIS) também está sendo estruturado e, até o final deste ano, poderá ser acessado por qualquer usuário.

Luiz Eduardo Vicente
Luiz Eduardo Vicente, Geógrafo, Dr. Pesquisador da Embrapa Monitoramento por Satélite
Sandra Furlan Nogueira, Engenheira Agrônoma, Dra. Pesquisadora da Embrapa Monitoramento por Satélite
Sandra Furlan Nogueira, Engenheira Agrônoma, Dra. Pesquisadora da Embrapa Monitoramento por Satélite
Gustavo Bayma Siqueira da Silva
Gustavo Bayma Siqueira da Silva, Geógrafo, Me. Analista de Geoprocessamento da Embrapa Monitoramento por Satélite
Ricardo Guimarães Andrade
Ricardo Guimarães Andrade, Engenheiro Agrícola, Dr. Pesquisador da Embrapa Monitoramento por Satélite