O passado a partir do Espaço

Ainfluência das geotecnologias nas chamadas Ciências da Terra pode ser amplamente sentida nos diversos trabalhos de divulgação científica e nos projetos desenvolvidos por empresas do setor. As possibilidades ampliadas pelo uso destas ferramentas em geografia, geologia, meio ambiente e tantas outras é uma realidade e tendem a uma expansão cada vez mais intensa. No entanto, essa pode não ser uma realidade tão visível quando se trata de pensar as diferentes aplicações de geo para as ciências sociais. Grandes iniciativas, tanto do setor público como privado, estão surgindo em diversas áreas de análise socio-espacial, utilizando geo como base ferramental, destacando-se principalmente as de cunho econômico.

A Arqueologia sempre foi muito próxima e influenciada pelos conceitos e metodologias desenvolvidos nas Ciências da Terra. De fato, pode parecer estranho em um primeiro momento, mas a memória da cartografia e da geografia devem muito à ciência arqueológica. O mapa mais antigo de que se tem conhecimento foi encontrado em escavações arqueológicas, na antiga cidade de Ga Sur, 300 quilômetros ao norte da Babilônia, e data de 2500 a. C.

Feito em uma pequena placa de argila, demonstra um rio, montanhas que o circundam e possui indicações de norte, leste e oeste. Acredita-se que os Egípcios também tenham feito diversos mapas, porém diferentes dos feitos na Babilônia, não teriam resistido à ação do tempo.

A Arqueologia tem como objetivo principal a remontagem de um cenário que não existe mais, do ponto de vista humano, através do estudo sistemático dos remanescentes das sociedades que se quer conhecer, tendo como objeto principal o sítio arqueológico. A contextualização ambiental dessas sociedades é imprescindível ao trabalho de resgate do passado, e nenhuma disciplina realiza melhor – e de maneira mais eficiente – essa tarefa do que a sua irmã dos estudos sociais, a geografia. Atualmente, uma grande influência advinda da geografia está sendo novamente incorporada pela arqueologia como ferramenta nos estudos do passado: as geotecnologias. Diversos trabalhos estão sendo desenvolvidos, tanto no exterior como em território brasileiro, utilizando intensamente ferramentas como SIG, Sensoriamento Remoto e os sistemas de posicionamento global, desde a fase de preparação das pesquisas até a ponta final, na gestão do patrimônio.

De acordo com a Lei 3.924/61, conhecida como Lei de Arqueologia, todo sítio arqueológico é um bem da União, ficando a cargo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) a fiscalização e gestão desse patrimônio. Assim como o petróleo, o sítio arqueológico é encarado como um bem não-renovável, no entanto é vetada sua exploração econômica (a própria criação da Lei é feita nos anos 60 por conta da exploração do calcário por empresas nos sítios conhecidos como sambaquis, acumulados de conchas deixados por sociedades pré-históricas do litoral). Uma vez descoberto, uma poligonal é definida pelo arqueólogo que realiza a pesquisa, cabendo a ele definir se o sítio será ou não mantido naquele local, podendo a remoção ser feita através de novo projeto denominado “Projeto de Salvamento”. A função do Iphan, portanto, requer cada vez mais ferramentas que não só nos ajudem a desvendar os tesouros arqueológicos ainda não descobertos (acredita-se que tenham sido descoberto apenas 1% de todo patrimônio arqueológico existente no planeta) como também proteger o patrimônio que já existe. As geotecnologias entram como ferramentas poderosas nessa difícil tarefa.

Distribuição de Sítios Arqueológicos Registrados no Estado do Rio de Janeiro

O próprio Iphan vem dando o exemplo nesse sentido. Nos últimos anos, diversas iniciativas têm sido tomadas pelas superintendências estaduais na tarefa de mapear o patrimônio existente. O Iphan-RJ desenvolveu um projeto piloto de georreferenciamento de sítios arqueológicos e projetos de pesquisa, que agora será aplicado em todo país pelo Centro Nacional de Arqueologia (CNA-Iphan), traçando parâmetros e metas em conformidade com as normas existentes e com a Infraestrutura Nacional de Dados Espaciais (Inde). Através desse projeto foi possível, por exemplo, atualizar a base de dados sobre a quantidade de sítios arqueológicos registrados no Estado do Rio de Janeiro atualmente, por município.

Diversas outras aplicações possíveis podem ser feitas utilizando as camadas de informação produzidas pelo Iphan-RJ. Nesse momento, o SIG configura-se como a grande ferramenta de gestão de patrimônio arqueológico no Estado e, tão logo o projeto nacional esteja em funcionamento, de todo o país. Mas as iniciativas não param por aí.

Os arqueólogos atualmente, em todo mundo, utilizam-se cada vez mais dos sistemas de posicionamento global para melhor localizar os seus sítios pesquisados no momento do registro. O caso brasileiro não foge a essa tendência, uma vez que o sistema GPS já se configura o mais utilizado no momento do registro do sítio. No entanto, o arqueólogo ainda sente a necessidade de um auxiliar para manuseio dos aparelhos e trabalho com os dados. A lacuna de uma norma específica para o registro de sítios utilizando sistemas de posicionamento também já vem sendo sentida. Nesse sentido, o CNA também trabalha para estabelecer um nível de qualidade dos dados espaciais produzidos pelos arqueólogos, que atualmente encontram-se em diversos níveis. Ainda que muito popular entre os arqueólogos, é necessária uma maior ampliação dos conhecimentos dos sistemas e de suas aplicações, bem como as normas de qualidade.

A aplicação dos produtos do Sensoriamento Remoto em Arqueologia não é uma perspectiva recente. Na verdade, Leo Deuel em seu livro intitulado “Flights into yesterday, já sinaliza as diversas aplicações realizadas desde o surgimento da técnica, com pássaros e balões. Essa é, talvez, a perspectiva de maior crescimento em âmbito mundial, percebida pelo aumento no número de trabalhos desenvolvidos por instituições de pesquisa. O mais conhecido atualmente é o da arqueóloga Sarah Parcak, que em sua palestra ao TED – Conferências sobre tecnologia – intitula-se uma “Space Archaeologist”. Ela desvendou cerca de 17 pirâmides no Egito utilizando apenas a banda infra-vermelha de um sensor óptico via satélite. Seu trabalho tem chamado a atenção da mídia, e demonstrado o grande potencial arqueológico dos produtos gerados pelo Sensoriamento Remoto. A mesma arqueóloga escreveu o livro “Satellite Remote Sensing for Archaeology”, onde estipula diversas outras aplicações para os diferentes sensores disponíveis no mercado. Descobertas interessantes também foram realizadas por arqueólogos americanos que pesquisam em Belize, desvendando, através do uso de Lidar, estruturas Maias encobertas por uma densa vegetação.

Modelo digital do terreno demonstrando estruturas humanas escondidas por densa vegetação

A própria agência espacial americana (Nasa) realiza trabalhos de arqueologia com uso de Sensoriamento Remoto, obtendo sucesso em diversas linhas de trabalho, inclusive sensores hiperespectrais.

A maior parte dos trabalhos tem sido desenvolvida por pesquisadores americanos, porém boas iniciativas começam a surgir em todo o planeta com a popularização do uso de imagens de satélite. No Brasil o panorama ainda é tímido, havendo iniciativas, por exemplo, nas diferentes possibilidades de usos de imagens ópticas na identificação de geoglífos e também sua identificação utilizando produtos do programa Cbers. Muitas outras iniciativas estão em andamento, e a tendência do campo de estudo é crescer juntamente com o aumento da constelação de satélites e disponibilidade de imagens nas mais diferentes resoluções.

A arqueologia brasileira ainda precisa colocar ao mercado que tipo de demanda é desejada, quais os aspectos na geração de imagens são mais interessantes aos seus estudos e procurar se familiarizar ainda mais com as geotecnologias. Desde o planejamento e estudo em gabinete até a gestão do patrimônio por parte dos orgãos governamentais, as possibilidades no uso de geotecnologias em arqueologia são imensas. Se a tendência é de crescimento em todo planeta, no Brasil as possibilidades são ainda maiores com os grandes projetos em fase de implementação em território nacional. Com isso, o financiamento torna-se cada vez mais intenso em pesquisas arqueológicas, cabendo aos profissionais de geo trabalhar em conjunto com os arqueólogos para melhorar ainda mais as pesquisas sobre o nosso passado.

Rodrigo Almeida de Sousa

Graduando no curso de Geografia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, com passagem pela Assessoria de Arqueologia do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

rodrigoalmeida.geo@gmail.com