Um choque entre dois mundos para estudar melhor um

Na história da ciência sempre perseguimos o conhecimento, fitando muitas vezes sobre aquilo que estava à nossa volta. Nesta epopeia, o fator geográfico é inexorável. Não por outro motivo que a expressão “à nossa volta” aparece já na primeira frase.

Na sociedade da Grécia antiga até a atual em crise econômica profunda, a ciência foi segmentada conforme o conhecimento especializava-se. Temos, hoje, um quase incontável grupo de áreas do saber, onde se estruturam os cursos técnicos e superiores de nosso sistema de educação moderno. Isso trouxe um desafio aos acadêmicos e gerentes de empresas: realizar o movimento oposto e juntar os profissionais formados em diferentes áreas do conhecimento em torno de uma mesma atividade profissional. A linguagem de cada área do conhecimento se especializou a um nível que a conversa técnica interdisciplinar virou um obstáculo. Nas áreas das Geotecnologias é fundamental ser multidisciplinar e os profissionais dessas áreas flertam cada vez mais com conhecimentos além daqueles de sua formação acadêmica. Seria soberbo achar que uma área de formação, isoladamente, teria todos os instrumentos necessários para desvendar o espaço geográfico.

Já virou jargão o termo “Era da Informação”, na qual estaríamos hoje. Alguns textos defendem que estamos um passo à frente, e que hoje vivemos na “Era da Conexão”. Seja o termo que a história vai cunhar em seus livros daqui a alguns anos, o fato é que a tecnologia, hoje, faz que algumas pessoas dos grandes centros sintam mais falta de internet do que da televisão ou mesmo de outros serviços mais básicos. As empresas estão digitais e utilizam os computadores em praticamente toda a sua cadeia de negócio. Assim, estas máquinas assumem papel de protagonistas quando se trata de informação, inclusive geográfica, e resulta com que os profissionais mais especializados precisem aspirar às técnicas de computação.

Convencionou-se chamar de Tecnologia da Informação (TI) o conjunto de soluções computacionais que visam o trabalho com a informação. Apenas para ficar em dois exemplos de como as Geotecnologias e a Computação estão inseparáveis, não há como pensar atualmente em um Sistema de Informações Geográficas (SIG) sem computadores ou uma imagem digital de um sensor remoto imageador sendo trabalhada apenas em papel. Uma vez que o diálogo interdisciplinar não é simples, ocorrem dois movimentos dentro das equipes de projetos em Geotecnologias: estas equipes comumente contam com profissionais de TI; e os profissionais especializados nos softwares específicos de Geotecnologias, geralmente formadas na área de Geociências, buscam se interar de assuntos como banco de dados, programação de script, servidores, entre outros. É um choque entre dois mundos, que ficou conhecido pelo termo TI+GEO.

Da mesma forma que hoje, infelizmente, os profissionais de geociências e afins no geral não possuem, nas suas graduações, uma formação extensa nos temas das Geotecnologias, o profissional graduado em computação não recebe uma formação focada para as mesmas, a citar: banco de dados geográficos, geometria computacional e estruturas de otimização específicas. A mesma dificuldade de formação em nível de graduação em Geotecnologias que a parte “GEO” possui, é também encontrada na parte “TI”. Por outro lado deste cenário, a comunicação entre essas duas áreas só é possível caso uma área entenda o mínimo das técnicas e conceitos da outra. É salutar, nesse contexto, que um profissional de TI consiga realizar, ou ao menos entender, uma análise espacial ou alterar um datum planimétrico e que um profissional de geociências ou afins consiga montar um script básico ou construir um pequeno banco de dados. Evidentemente as atividades técnicas avançadas ficam aos respectivos especialistas.

Alguns leitores podem ter pensado: mas por que não formar um profissional que agregue as duas especialidades em uma mesma graduação, por exemplo? A resposta não é simples, pois envolve todo um processo de ensino superior já cristalizado em grades de disciplinas mastodônticas. O aluno aprende uma coleção de matérias na sua formação, porém com a ligação entre os conteúdos de maneira fraca ou inexistente. A primeira pergunta seria se, em quatro ou cinco anos, é possível formar um profissional com competências em duas áreas hoje tão distintas. Ou se o estudante absorveria essas competências parcialmente e complementaria a formação após a graduação. Podemos questionar também se a graduação é o espaço para tal formação. Porém este assunto fica para outro artigo.

A necessidade de ser multidisciplinar para estudar o espaço geográfico, a dificuldade exatamente nesta interação de disciplinas e a importância que a Tecnologia da Informação assume hoje nas empresas, faz com que o tema TI+GEO seja rico de abordagens a fim de promover a aproximação entre as áreas, seja nos termos técnicos, seja em uma instrumentalização de uma área pela outra. Este desafio já faz parte do cotidiano de muitas empresas e profissionais.

José Augusto Sapienza Ramos

Coordenador Acadêmico do Sistema Labgis. Professor do Departamento de Geologia Aplicada da Faculdade de Geologia da UERJ. Formação na área de Engenharia e Ciência da Computação, atua há mais de 12 anos na área de Geotecnologias com pesquisa, ensino e consultoria

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