Imposto Predial e Cadastro Urbano

Um permanente desafio dos governos é conseguir que os impostos se convertam de fato em instrumentos que promovam o crescimento econômico, em provimento de infraestrutura urbana e demais necessidades da gestão pública. O imposto sobre a propriedade ou imposto predial e territorial urbano – o IPTU, no Brasil – é um dos fortes aliados ao desenvolvimento sustentável e inclusivo das cidades, porém ainda se verifica uma baixa capacidade dos sistemas fiscais para atender a esse propósito.

Em geral, os elementos do imposto, a base de cálculo e a alíquota determinam o valor do tributo a ser pago. A base tributária é formada a partir do valor fiscal, calculado a partir de um conjunto de dados do cadastro territorial e de valores de mercado dos imóveis. Os cadastros territoriais historicamente são mais voltados à finalidade fiscal. Também encontramos algumas diferenças de competências e responsabilidades em sua gestão entre os países, no entanto, questões como a desatualização da base de dados cadastrais e dos valores fiscais são recorrentes entre as organizações. Uma base de dados de cadastro inadequada e /ou desatualizada e uma avaliação sobre o imóvel não alinhada aos valores praticados de compra e venda são fatores que influenciam o desempenho fiscal.

Em uma atividade realizada na Rede de Especialistas em cadastro da Fundação Ceddet – com profissionais do Peru, Argentina, Uruguai, Equador, Espanha, República Dominicana, Colômbia e Brasil – para discutir alternativas para aperfeiçoar os processos e métodos sobre o imposto predial, essas questões foram bem evidenciadas. No Peru, por exemplo, o cadastro é desenvolvido pelos municípios e a avaliação das edificações é muito difícil de atualizar, o que afeta a eficiência do cálculo do imposto e gera maior tempo e gastos na atualização do cadastro urbano.

Para evitar que isto se suceda, estima-se que uma medida de base é a sensibilização dos setores políticos e de representação da sociedade sobre a necessidade da manutenção de processos contínuos de atualização do cadastro. Em tais processos é fundamental a abordagem dos três aspectos que caracterizam o cadastro, quer dizer, físico, econômico e jurídico. Cada um deles cumpre um papel sobre a informação territorial, com distinto alcance, mas essencialmente vinculados entre si. Sem um bom cadastro físico não é possível a identificação da riqueza imobiliária e sem dados jurídicos que permitam identificar as pessoas e sua relação com o imóvel, não é possível levar adiante políticas públicas direcionadas a um desenvolvimento ordenado do território e a arrecadação de impostos implantados sobre o mesmo.

Quanto ao aspecto econômico do cadastro, a discussão sobre processos e métodos de avaliação teve o propósito de analisar e extrair conclusões sobre a maneira pela qual distintos países enfrentam o desafio de manter atualizado o valor dos imóveis mais próximos dos valores praticados no mercado. Opinião compartilhada entre os participantes do debate é que a prática demonstra que, além do estabelecimento legal de ciclos de avaliação dos imóveis, devem ser previstos meios permanentes de obtenção e atualização dos valores.

Uma medida adotada pelo órgão encarregado pela avaliação de imóveis para efeitos tributários no Chile é integrar efetivamente a informação de transferências de imóveis, declarada pelas pessoas ante os notários e o Registro de Bens Imóveis (equivalente ao Registro de Propriedade). Esta informação permite obter, de maneira mais fiel, o valor de venda final do imóvel, considerando-o como valor máximo de referência a determinar para os imóveis que terão características similares.

Na Espanha está em curso um ambicioso plano que contempla a inspeção, avaliação massiva e procedimentos para regularização sem penalidades. Para os participantes espanhóis, os valores cadastrais deveriam ser capazes de seguir continuamente a evolução do mercado imobiliário como um todo, assim, é de grande importância os Observatórios de Cadastrais de Mercado Imobiliário (OCMI) cuja implantação está em estudo em alguns países
latinoamericanos.

Na Província de Buenos Aires, Argentina, existe um procedimento massivo de identificação de construções não declaradas, mas à diferença da Espanha se prevê uma sanção pelo não cumprimento da obrigação de declarar alterações. Trata-se de uma multa, implantada a partir de 2013.

Fato comum entre os países latinoamericanos, a questão da incorporação no cadastro dos dados de imóveis informais também foi abordada. No Equador, os assentamentos informais são atendidos pelos municípios com redes de energia elétrica, água potável. Coloca-se imperioso levantar a informação predial que permita conhecer a verdadeira dimensão dos setores e áreas que estejam nestas condições e, assim, dimensionar a verdadeira magnitude de áreas construídas e população residente nestes locais. Importante é estabelecer métodos e procedimentos de atualização e levantamentos massivos de informação, caracterizados tanto pelos setores da cidade legal como aqueles da cidade real, as ocupações, favelas etc..

Fatores ambientais

Diversas circunstâncias obrigam a mudanças profundas nos sistemas de avaliação cadastral que até agora conhecemos. Em concreto, foi considerado que logo veremos nas normas de avaliação cadastral elementos para os “impostos verdes”, quer dizer, aqueles que punem as atividades contaminantes ou incentivam os comportamentos alinhados com a conservação do meio ambiente. Na Europa, as normativas sobre uso e ocupação do solo, de água e do ar, são a porta de entrada para que decorram muitos destes debates. Sobre estas abordagens, pergunta-se: em um modelo de avaliação cadastral moderno, se deveria avaliar um elemento que deprecia o valor ou nível de contaminação do solo? Por outro lado, haverá um mercado de imóveis verdes, como ao que existe no setor de “alimentos biológicos”, que definirá um valor comercial mais alto para os imóveis que cumpram com determinadas características ambientais?

É necessário pensar e investigar esta nova realidade existente no mercado imobiliário, mas ainda não muito explorada nas políticas públicas territoriais. O desafio é incorporar ao estudo de avaliação imobiliária as novas condicionantes relacionadas ao meio ambiente e que já obrigam os governos a tomar medidas de proteção sobre o habitat, para evitar sua degradação e consequente prejuízo para os cidadãos.

Em conclusão, as distintas opiniões permitem confirmar que a importância do imposto predial como uma ferramenta para o financiamento das cidades somente se alcança a partir de uma sustentável atualização dos valores fiscais, através de ferramentas imprescindíveis, como a cartografia do território, também sistematicamente atualizada, plataforma para se construir os valores através dos quais se reconhece a riqueza territorial.

Edgardo Javier Ramírez, Advogado da Agência de Arrecadação da Província de Buenos Aires (Arba)

 

 

 

 

Daniella Farias Scarassatti, Arquiteta, Msc da Prefeitura Municipal de Campinas. Coordenadora Latinoamericana na Rede de Especialistas em Cadastro da Fundação Ceddet