Para conseguir prever com precisão eventos extremos, como tempestades, ou simular cenários de impactos das mudanças climáticas, é preciso avançar no conhecimento dos processos físicos que ocorrem no interior das nuvens e descobrir a variação de fatores como o tamanho das gotas de chuva, a proporção das camadas de água e de gelo e o funcionamento das descargas elétricas.

Resultados dos seis experimentos realizados no Projeto Chuva foram descritos em artigo de capa do Bulletin of the American Meteorological Society. Objetivo é aprimorar modelos capazes de prever eventos extremos (foto: Projeto Chuva)

Com esse objetivo, uma série de campanhas para coleta de dados foi realizada entre 2010 e 2014 em seis cidades brasileiras – Alcântara (MA), Fortaleza (CE), Belém (PA), São José dos Campos (SP), Santa Maria (RS) e Manaus (AM) – no âmbito de um Projeto Temático FAPESP coordenado por Luiz Augusto Toledo Machado, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Essas campanhas contaram com a participação de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e de diversas faculdades de Meteorologia no Brasil, que sediaram os experimentos.

Os principais resultados da iniciativa, conhecida como “Projeto Chuva”, foram descritos em um artigo de capa do Bulletin of the American Meteorological Society, revista de grande impacto na área de meteorologia.

Segundo Machado, as regiões escolhidas para a pesquisa de campo representam os diferentes regimes de precipitação existentes no Brasil. “É importante fazer essa caracterização regional para que os modelos matemáticos possam fazer previsões em alta resolução, ou seja, em escala de poucos quilômetros”, disse o pesquisador.

Um conjunto comum de instrumentos – que inclui radares de nuvens de dupla polarização – foi usado nos diferentes sítios de forma que as medidas pudessem ser comparadas e parametrizadas para modelagem.

O radar de dupla polarização, em conjunto com outros instrumentos, envia ondas horizontais e verticais que, por reflexão, indicam o formato dos cristais de gelo e das gotas de chuva, ajudando a elucidar a composição das nuvens e os mecanismos de formação e intensificação das descargas elétricas durante as tempestades. Também foram coletados dados como temperatura, umidade e composição de aerossóis.

Além disso, experimentos adicionais distintos foram realizados em cada uma das seis cidades. No caso de Alcântara, onde a coleta de dados ocorreu em março de 2010, o experimento teve como foco o desenvolvimento de algoritmos de estimativa de precipitação para o satélite internacional Global Precipitation Measurement (GPM) – lançado em fevereiro de 2014 pela Nasa (a agência espacial americana) e pela Agência Japonesa de Exploração Aeroespacial (Jaxa).

“Naquela região, o grande desafio é conseguir estimar a precipitação das chamadas nuvens quentes, que não têm cristais de gelo em seu interior. Elas são comuns na região do semiárido nordestino”, explicou Machado.

Por não abrigarem gelo, a chuva dessas nuvens passa despercebida pelos sensores de micro-ondas que equipam os satélites usados normalmente para medir a precipitação, resultando em dados imprecisos.

As medições de nuvens quentes feitas por radar em Alcântara, comparadas com as medições feitas por satélite, indicaram que os valores de volume de água estavam subestimados em mais de 50%.

Em Fortaleza, onde a coleta foi feita em abril de 2011, foi testado em parceria com a Defesa Civil um sistema de previsão de tempestades em tempo real e de acesso aberto chamado Sistema de Observação de Tempo Severo (SOS Chuva).

“Usamos os dados que estavam sendo coletados pelos radares e os colocamos em tempo real dentro de um sistema de informações geográficas. Dessa forma, é possível fazer previsões para as próximas duas horas. E saber onde chove forte no momento, onde tem relâmpago e como a situação vai se modificar em 20 ou 30 minutos. Também acrescentamos um mapa de alagamento, que permite prever as regiões que podem ficar alagadas caso a água suba um metro, por exemplo”, contou Machado.

A experiência foi tão bem-sucedida, contou o pesquisador, que a equipe decidiu repeti-la nas campanhas realizadas posteriormente. “O SOS Chuva contribui para diminuir a vulnerabilidade da população a eventos extremos do clima, pois oferece informações não apenas para os agentes da Defesa Civil como também para os cidadãos”, disse.

Em junho de 2011 foi realizada a campanha de coleta de dados em Belém, onde os pesquisadores usaram uma rede de instrumentos de GPS para estimar a quantidade de água na atmosfera. Os resultados devem ser publicados em breve. Também foram lançados balões meteorológicos capazes de voar durante 10 horas e coletar dados da atmosfera. “O objetivo era entender o fluxo de vapor d’água que vem do Oceano Atlântico que forma a chuva na Amazônia”, contou Machado.

Entre novembro de 2011 e março de 2012, foi realizada a campanha de São José dos Campos, cujo foco era estudar os relâmpagos e a eletricidade atmosférica. Para isso, foi utilizado um conjunto de redes de detecção de descargas elétricas em parceria com a Agência de Pesquisas Oceânicas e Atmosféricas (NOAA), dos Estados Unidos, e a Agência Europeia de Satélites Meteorológicos (Eumetsat).

“Foram coletados dados para desenvolver os algoritmos dos sensores de descarga elétrica dos satélites geoestacionários de terceira geração, que ainda serão lançados pela NOAA e pela Eumetsat nesta década. Outro objetivo era entender como a nuvem vai se modificando antes que ocorra a primeira descarga elétrica, de forma a prever a ocorrência de raios”, contou Machado.

Em Santa Maria, entre novembro e dezembro de 2012, foram testados, em parceria com pesquisadores argentinos, modelos matemáticos de previsão de eventos extremos. Segundo Machado, a região que abrange o sul do Brasil e o norte da Argentina que ocorrem as tempestades mais severas do mundo.

“Os resultados mostraram que os modelos ainda não são precisos o suficiente para prever com eficácia a ocorrência desses eventos extremos. Em 2017, faremos um novo experimento semelhante, chamado Relâmpago, no norte da Argentina”, contou Machado.

GOAmazon

As duas operações intensivas de coleta de dados realizadas em Manaus – a primeira entre fevereiro e março de 2014 e a segunda entre setembro e outubro do mesmo ano – ainda não haviam ocorrido quando o artigo foi submetido à publicação.

A campanha foi feita no âmbito do projeto Green Ocean Amazon e contou com dois aviões voando em diferentes alturas para acompanhar a pluma de poluição emitida pela região metropolitana de Manaus. O objetivo era avaliar a interação entre os poluentes e os compostos emitidos pela floresta, bem como seu impacto nas propriedades de nuvens (leia mais em aqui ). Os dados ainda estão em fase de análise.

Ao comentar as principais diferenças encontradas nas diversas regiões brasileiras, Machado destaca que as regiões Sul e Sudeste são as que apresentam gotas de chuva de tamanhos maiores e uma camada mista, na qual há água no estado líquido e sólido, mais desenvolvida. Essa é, segundo o pesquisador, a principal razão da maior incidência de descargas elétricas nesses locais.

Já as nuvens da Amazônia apresentam a camada de gelo no topo – acima de 20 quilômetros de altura – mais bem desenvolvida que a de outras regiões. As regiões litorâneas, como Alcântara e Fortaleza, apresentam em maior quantidade as chamadas nuvens quentes, nas quais quase não há descargas elétricas.

“Foi o primeiro recenseamento de nuvens feito no Brasil. Essas informações servirão de base para testar e desenvolver modelos capazes de descrever em detalhes a formação de nuvens, com alta resolução espacial e temporal”, concluiu o pesquisador.

Fonte: Agência Fapesp