Por Carla Bernadete da Costa; Carlos Henrique Braga Ribeiro; Letícia Andrade; Ronilson Ferreira Barroso
Professor orientador:  Fernando César Zanette

Os desastres são caracterizados em função da sua origem, ou seja, o princípio que o desencadeia. Eles podem ocorrer devido a fenômenos naturais ou por intervenção direta do homem. Os acidentes causados pela ação do homem podem causar grandes impactos na sociedade, além dos danos e prejuízos, podem desestruturar completamente uma comunidade e ainda expor a vida de cada indivíduo ao perigo. Como exemplo, pode-se citar o rompimento da barragem de rejeitos de minério localizada próximo à comunidade de Bento Rodrigues, no município de Mariana, Minas Gerais, em novembro de 2015. Nesse acidente, a lama devastou todo o município, matando inúmeros moradores e funcionários da mineradora, e seguiu o curso do Rio Doce durantes vários dias até chegar ao mar, no estado do Espírito Santo. Os resíduos depositados no fundo do Rio modificaram a rotina dos moradores que vivem às margens do rio e que dependem do Rio Doce para sobrevivência, além de alterar o bioma das espécies marinhas.

O rompimento da Barragem de Fundão foi considerado o maior desastre ambiental da história brasileira e o maior envolvendo barragens de rejeito. A bacia hidrográfica do Rio Doce, por onde a lama percorreu por vários dias, abrange 230 municípios de Minas Gerais e Espírito Santo, muitos dos quais abastecem sua população com a água do rio.

Desastres como o da Barragem de Fundão podem ser evitados ou minimizados através de um projeto de monitoramento de estruturas, que tem como objetivo produzir informações relativas ao comportamento da estrutura e através dados coletados em campo torna possível definir os agentes causadores do problema e permite planejar o tipo de intervenção mais adequada.

O uso da topografia no processo de monitoramento de estruturas é aplicável em áreas onde podem ocorrer o deslizamento de terras, fundação de edifícios, controle de barragens, monitoramento de pontes, túneis, torres de transmissão. O monitoramento estrutural pode ser aplicado de forma permanente, contínua, periódica ou periodicamente contínua, dependendo do comportamento da estrutura (GLISIC & INAUDI, 2003).

Na topografia, as tecnologias utilizadas no processo de monitoramento de obras civis variam de acordo com o porte da estrutura, além de ser analisado o custo de todo o trabalho. Atualmente o mercado dispõe de Estações Totais com grande precisão, Estações Totais Robotizadas, Receptores GNSS, RTK, Níveis de altíssima precisão que realizam medidas em pontos específicos da estrutura.

Assim, este trabalho apresenta a técnica de monitoramento contínuo utilizando a Estação Total, por meio da observação de pontos estratégicos materializados em um muro de contenção. Com o aparelho instalado em determinado local, de onde é possível ver os pontos de controle no muro, fazem-se as leituras das coordenadas, ângulos e distâncias para preenchimento de uma planilha de dados onde é possível enxergar de maneira rápida as diferenças entre as medidas coletadas periodicamente.

MÉTODOS E MATERIAIS

O objetivo desse trabalho é apresentar uma metodologia empregando a topografia no monitoramento do muro de contenção construído em um conjunto habitacional feito pela prefeitura de Belo Horizonte/MG, através do Programa Vila Viva do Governo Federal localizado na Rua Flagelação, bairro Jardim São José, antigo aglomerado Vila São José.

Construído com a estrutura de sapata invertida o muro possui 138,00m de comprimento e altura variável entre 1,50m a 6,00m. Esse tipo de estrutura é utilizado em obras onde o próprio peso do aterro faz a sustentação para o seu confinamento. No caso estudado, para conter a movimentação da estrutura, inicialmente foi adotado o uso de dois tirantes para melhorar a estabilidade do muro. A partir daí, foi elaborado o projeto de monitoramento pela empresa responsável pela obra. O segmento objeto deste estudo possui 6,00m de altura.

FIGURA 1 - PLANTA DE LOCALIZAÇÃO DA OBRA
FIGURA 2 - DETALHE EM PLANTA DA LOCALIZAÇÃO DO MURO DE CONTENÇÃO

Para realizar o trabalho de monitoramento foi necessário o uso de equipamentos e softwares específicos para os cálculos topográficos, além de profissionais qualificados, uma vez que este tipo de serviço exige alto nível de precisão.

EQUIPAMENTOS

Os equipamentos utilizados foram uma estação Total da marca Leyca, modelo TS02-POWER, um tripé e uma trena.

FIGURA 3 - EQUIPAMENTOS UTILIZADOS

SOFTWARES

Os softwares utilizados foram o TopoEVN versão 6.6.7.2 para processamento dos dados coletados pela Estação Total e o Excel para análise e representação dos dados coletados em campo.

O TopoEVN 6 é um sistema profissional para cálculos, desenhos e projetos topográficos. Desenvolvido pela Métrica, com ambiente de trabalho fácil e interface amigável e intuitiva, ele, atua diretamente com agrimensura e engenharia.

O Excel é um editor de planilhas da Microsoft que possui inúmeras ferramentas, dentre as que nos foram muito úteis para a construção dos gráficos. Os gráficos gerados ilustram melhor o padrão dos dados e através da rápida visualização nos permite escolher opções que melhor representam a variação da deformação do muro de maneira mais clara.

METODOLOGIA

A metodologia se aplica na medição dos deslocamentos dos pontos de controle, a partir dos quais temos o comportamento da estrutura.

IMPLANTAÇÃO DOS PONTOS DE CONTROLE

Os pontos de controle foram implantados por meio de marcações feitas com tinta e posicionados conforme a característica geométrica do muro de contenção.

A medida da variação da posição do muro de contenção pelo método topográfico foi definida a partir da verificação do deslocamento dos pontos fixados na estrutura. As marcas fixas colocadas na estrutura, como mostra a FIGURA 4, permitem ao observador a visualização de todos os pontos a partir de uma mesma posição, durante o período de estudo.

FIGURA 4 - PONTOS DE CONTROLE FIXADOS NO MURO DE CONTENÇÃO

A partir dessa disposição foram realizadas 11 medições nos pontos A, B, C, D, E, F, G durante 3 meses do ano de 2016.

LEVANTAMENTO TOPOGRÁFICO DO MURO DE CONTENÇÃO

A técnica topográfica utilizada para a obtenção das coordenadas dos pontos monitorados foi a irradiação, onde se tem um ângulo em relação a uma direção conhecida e uma distância entre o ponto de apoio e o ponto observado para cada ponto, trabalhando num esquema de coordenadas polares. Essa metodologia pôde ser realizada porque a Estação Total TS02 possui um laser, e não necessita de um prisma refletor para leitura dos pontos, uma vez que os pontos de controle foram pintados no muro.

A Estação Total foi instalada em um dos pontos da poligonal onde foi possível visualizar os pontos de controle fixados no muro, sem interferir na rotina dos moradores do conjunto habitacional. A uma distância de aproximadamente 17,00m do muro, o tempo necessário para o procedimento das medições foi em torno de 15 minutos, entre o tempo de instalação do aparelho e leitura dos pontos de controle, obedecendo aos princípios técnicos operacionais.

Uma maneira de garantir a confiabilidade das leituras foi fazer também o controle do ponto onde se instala o aparelho através da releitura dos mesmos que formam uma poligonal fechada com três pontos visíveis. Assim, caso fosse necessário, seria possível fazer a correção dos mesmos.

FIGURA 5 - POSICIONAMENTO DA ESTAÇÃO TOTAL EM RELAÇÃO AOS PONTOS DE CONTROLE

MEDIÇÕES DO MONITORAMENTO

Para fazer o acompanhamento da movimentação da estrutura as observações foram feitas em épocas distintas, nas mais diversas condições meteorológicas no período de 12/01/2016 a 30/03/2016 totalizando 11 medições.

As leituras realizadas durante os levantamentos foram transcritas para o Excel para efetuar os cálculos das distâncias entre o ponto de referência e cada ponto de controle fixado no muro de contenção para posterior análise dos dados coletados.

RESULTADOS

Para se encontrar as distâncias entre o ponto onde foi instalada a Estação Total e o ponto de controle, utilizou-se um dos conceitos básicos da Geometria Analítica. Utilizando apenas as coordenadas X e Y dos pontos monitorados e tendo conhecidas as coordenadas do local onde foi instalado o equipamento, aplicou-se o Teorema de Pitágoras.

Os dados alimentam a planilha (Tabela 1) que contém os seguintes elementos:

a) Data do levantamento;
b) Variação da distância entre o ponto de controle e o ponto de referência;

TABELA 1 - PLANILHA PARA CÁLCULO DAS DISTÂNCIAS

A apresentação dos resultados é uma etapa muito importante no processo, pois serve de controle da qualidade das medidas, permitindo a checagem dos dados, além de consolidar a informação.

Os gráficos apresentados a seguir foram traçados a partir de tabelas (Tabela 1) e mostram a variação da distância medida entre o ponto de referência e cada ponto de controle instalado no muro.

FIGURA 6 - VARIAÇÃO DA DISTÂNCIA ENTRE O PONTO “A” E O PONTO DE REFERÊNCIA
FIGURA 7 - VARIAÇÃO DA DISTÂNCIA ENTRE O PONTO “B” E O PONTO DE REFERÊNCIA
FIGURA 8 - VARIAÇÃO DA DISTÂNCIA ENTRE O PONTO “C” E O PONTO DE REFERÊNCIA
FIGURA 9 - VARIAÇÃO DA DISTÂNCIA ENTRE O PONTO “D” E O PONTO DE REFERÊNCIA
FIGURA 10 - VARIAÇÃO DA DISTÂNCIA ENTRE O PONTO “E” E O PONTO DE REFERÊNCIA
FIGURA 11 -VARIAÇÃO DA DISTÂNCIA ENTRE O PONTO “F” E O PONTO DE REFERÊNCIA
FIGURA 12 - VARIAÇÃO DA DISTÂNCIA ENTRE O PONTO “G” E O PONTO DE REFERÊNCIA

Com esses dados em mãos foi possível apresentar um gráfico, conforme a FIGURA 13, que mostra a movimentação total do muro durante todo o período de monitoramento.

FIGURA 13 - MOVIMENTAÇÃO TOTAL DOS PONTOS DE CONTROLE

Após o cálculo das diferenças entre as coordenadas dos pontos monitorados considerando o primeiro levantamento realizado em 12/01/2016, com o último levantamento realizado em 30/03/2016, foi possível constatar que algumas variações chegam à ordem de centímetro.

Observando os valores na FIGURA 13 percebeu-se que todos os pontos apresentaram variações e indicando que houve um movimento significativo do muro de contenção.

De acordo com a NBR 11.682, a avaliação da eficiência das obras de estabilização, deve-se analisar o item “tempo x deslocamento” da massa e para isso determinar a velocidade de deslocamento para um determinado período.

Considerando o período de coleta de dados foi de 90 dias, tem-se os seguintes resultados:

TABELA 2 - VELOCIDADE CARACTERÍSTICA MÉDIA (mm/dia)

Considerando a Tabela 2 que define o grau de risco em função da movimentação, para o muro em estudo tem-se um grau de risco baixo, ou seja, movimentação horizontal menor que 5cm no período monitorado.
Quanto à velocidade de movimentação horizontal, esta também é baixa, o que significa que a velocidade característica média é menor que 1 mm/dia.

CONCLUSÃO

Esse trabalho teve como objetivo avaliar a eficiência do método topográfico aplicado em uma estrutura de um muro de contenção utilizando uma Estação Total, sob condições normais em que os valores da variação da posição do muro são obtidos de forma direta por meio do uso de pontos de controle.

Após o cálculo das diferenças entre as coordenadas dos pontos monitorados considerando o primeiro levantamento realizado em 12/01/2016, com o último levantamento realizado em 30/03/2016, foi possível constatar que houve a movimentação do muro de contenção inferior a 5cm em um período de 90 dias, o que implica, de acordo com a Norma Técnica de Estabilidade de Taludes (NBR 11.682), que o deslocamento é de baixo risco, portanto não condiciona risco aos moradores do conjunto habitacional.

Assim, conclui-se que os pontos de controle aliados ao método topográfico atenderam aos requisitos necessários para a realização do monitoramento, tornando-se uma ferramenta fundamental para auxiliar na tomada de decisão das ações a serem efetuadas, para melhorar as condições de estabilidade e segurança no local do incidente, além de serem de baixo custo de implantação.

Dessa forma, foi possível apresentar aos responsáveis pela obra, informações relacionadas a um conjunto de pontos dos quais eram sabidas as coordenadas em diferentes períodos, possibilitando desta maneira analisar os deslocamentos acontecidos, uma vez que o mesmo tem suas coordenadas referenciadas a um único sistema de referência.

Veja também o artigo: análise de risco na engenharia de agrimensura em edificações de moradia urbana