A segunda e última parte deste artigo descreve as principais funcionalidades e benefícios que os eixos de logradouros trazem para as aplicações de inteligência geográfica

Fundamentalmente, a modelagem da conectividade entre os elementos lineares permite a determinação de roteiros ótimos e de redes de influência (ou cobertura) baseadas na malha de fluxo viário. Porém, a porta de entrada para a integração entre os logradouros e a base de clientes é a localização geográfica, que se dá, normalmente, a partir do endereço do cliente.


Figura: Tabela de endereços e suas localizações no mapa

Busca por endereço
O armazenamento dos limites de numeração, além do nome do trecho, permite que possamos realizar a Busca por Endereço (Address Matching) sobre a malha viária.

A Busca por endereço, ou geocodificação, consiste em fornecermos um endereço, no padrão de endereçamento da base coletada (por exemplo, “150 East New York Street”, se estivermos considerando um padrão típico americano, ou “Av. Brigadeiro Faria Lima, 1280”, para um padrão típico brasileiro), e o sistema localiza espacialmente esse endereço (retorna as coordenadas de um ponto geográfico) sobre a base.

Esse processo é composto de duas etapas. Uma é denominada Standardization (padronização), que envolve a identificação dos elementos que compõe esse endereço, como o nome da rua, o tipo, o número da casa, eventualmente, o bairro, o CEP, e outros mais.

A segunda etapa é o Matching (localização) propriamente dito. Para tal, a base que armazena a malha viária deve estar adaptada ao Address Matching, ou seja, os campos obrigatórios da base de trechos de logradouro (nome da rua e limites de numeração, entre outros) devem estar indexados para permitirem buscas rápidas a essa base. A fonetização é aplicada aos casos de busca dos elementos identificados no endereço sobre a base de dados de logradouro.

A partir do endereço padronizado, são escolhidos trechos de logradouro que sejam capazes de localizar esse endereço. Aos trechos escolhidos denominamos candidatos.

O ideal é que tenhamos, obviamente, só um trecho com essas características, mas isso nem sempre ocorre – o endereço fornecido pode não ser suficiente para encontrá-lo no mapa, ou existem duas ruas com o mesmo nome na cidade, e o CEP ou o bairro não foram fornecidos, ou ainda o número na casa está incorreto, ou mesmo a base de dados de arruamento está incompleta, etc.

Após os processos de padronização e de Matching, associamos um score (uma nota) de 0 a 100 a cada candidato, de acordo com a facilidade com que os processos foram realizados. O candidato com melhor score é então escolhido.

Em seguida, a partir dos limites de numeração do trecho e do número da casa, é realizado um processo de interpolação para que um ponto geográfico seja associado ao endereço. Novas técnicas estão sendo estudadas para tornar esse processo mais inteligente, porém as ferramentas GIS típicas costumam trabalhar da forma tradicional.

Dessa forma, podemos mapear uma tabela de endereços e visualizá-los no mapa. Como geralmente já temos um cadastro dos clientes nos sistemas de faturamento da empresa e listas de prospects e concorrentes, basta que tenhamos uma base de eixo de logradouros que compreenda toda a área de cobertura desses clientes, com as informações relevantes para que seja feita a busca por endereço e, assim, poderemos ter uma aproximação muito boa a disposição dos clientes no mapa.

Vale ressaltar que a grande maioria das aplicações que envolve localização não necessita de bases de logradouros com grandes precisões de restituição.

As aplicações de geomarketing, por exemplo, são suficientemente atendidas por localizações aproximadas dos clientes. Desvios da ordem de dezenas e mesmo centenas de metros na geolocalização são suportáveis. Muitas vezes, até, o processo de localização não envolve bases de logradouros, e sim apenas bases de polígonos de CEP ou bairros.


Figura: Determinação do melhor caminho que passa por todos os clientes

Por outro lado, aplicações que envolvem projetos de infra-estrutura, muito comuns nas áreas de Utilities e Telecomunicações, exigem precisão métrica e até apoio em campo, o que configura o uso de bases de logradouros restituídas na escala 1:2000 e até 1:1000.

Montagem da rede lógica
A partir das informações de conectividade e da geometria dos eixos de logradouro, temos condições de realizar operações de navegação sobre esse modelo de rede, como a operação de trace (rastreamento), que pode ser processada a montante (upstream) ou a jusante (downstream) de qualquer posição selecionada na malha.

Essa operação em geral se aplica a redes elétricas, redes fluviais e redes de água e esgoto, e mesmo para combinações de redes viárias (redes multi-modais: ruas, itinerários e corredores de ônibus, metrô e rede ferroviária).


REDE GEOMÉTRICA REDE LÓGICA
Figura: Montagem da Rede Lógica

Para tal, os Sistemas de Informação Geográfica que permitem operações sobre redes (Networks) criam uma Rede Lógica a partir da rede geométrica original. Essa rede é simplesmente a representação da malha como um grafo orientado, constituído de arestas (edges) e nós (junctions).

A esses elementos podemos associar custos, que podem ser simplesmente o comprimento do trecho viário, ou a impedância de um trecho elétrico, no caso de uma aresta, ou até o tempo médio de um semáforo, no caso de um cruzamento em uma rede viária, etc. Vale lembrar que podemos ter custos diferentes para os dois sentidos de tráfego no trecho.

Melhor caminho (roteiro)
Uma das operações mais comuns que podem ser realizadas sobre uma rede viária é a operação de determinação do melhor caminho entre pontos dessa malha. Lembrando que cada elemento do grafo (aresta ou nó) tem um custo associado, a determinação do melhor caminho é, na verdade, a determinação do caminho de menor custo.

Se o custo que estivermos considerando for simplesmente o comprimento do arco, ou diretamente proporcional a esse comprimento, o melhor caminho será o caminho mais curto. Se estivermos considerando um custo inversamente proporcional à velocidade média de percurso do trecho, então o melhor caminho será o caminho mais rápido.


Figura: Área de cobertura de 2500 metros a partir de um endereço escolhido

Podemos, ainda, combinar diversos fatores relevantes à resolução de nosso problema de roteirização, como tipo de pavimento (quanto pior o tipo, maior o custo), número de pistas do trecho (quanto mais pistas, menor o custo), preferência por vias expressas (se não for via expressa, maior o custo), ou ainda não preferência por vias expressas, se estivermos considerando um horário de pico e precisamos determinar caminhos alternativos ao trânsito.

O algoritmo mais comumente utilizado para determinação de melhor caminho é baseado no algoritmo de Dijkstra, escrito em 1969.Os sistemas podem determinar o melhor caminho, entre dois ou mais pontos, apresentando-o para o usuário na tela e ainda gerando um relatório com o itinerário obtido.

Outros fatores podem ainda ser considerados. O potencial de utilização de outras informações de maneira relevante para o cálculo do roteiro de custo mínimo é bastante grande.

Por exemplo, se o objetivo for o transporte de objetos importantes ou frágeis, podemos calcular roteiros que evitem “caminhos perigosos”, associando a cada trecho da base de logradouros a descrição do trecho como perigoso (favelas, trechos de terra, etc.).

Se o objetivo for a determinação do melhor percurso de caminhões para coleta de lixo, talvez seja interessante utilizarmos a informação de declividade do trecho, para regiões de alto declive. Quanto mais inclinado o trecho, menor o custo para a subida.

Assim, o caminhão privilegiará as ruas mais inclinadas e deverá percorrê-las no início do trajeto, quando o caminhão ainda está praticamente vazio e não têm muita dificuldade de subir.

Recurso mais próximo (closest facility)
A aplicação Closest Facility segue o mesmo princípio do melhor caminho, porém determina qual(is) o(s) recurso(s) (facility) que está(ão) mais próximo(s) (closest), ou está(ão) a um menor custo de um determinado evento. Essa aplicação é bastante utilizada para sistemas de despacho de veículos e pode ser utilizada em parceria com sistemas de localização de veículos, por GPS, ou rádio freqüência.


Figura: closest facility – determinação da viatura mais próxima de uma ocorrência policial

Essa funcionalidade tem um grande potencial de integração com tecnologias de transmissão de dados em redes de comunicação sem fio (wireless), e tem sido disponibilizada como serviço adicional para sistemas de telefonia celular, para a localização de restaurantes, hotéis, museus, etc, mais próximos à posição do usuário.

Área de serviço (service area)
A funcionalidade de Service Area consiste na determinação da área de cobertura, área de abrangência, área de influência, ou ainda área de serviço de um determinado recurso sobre a rede viária. É o resultado da seguinte pergunta: “Saindo de um determinado ponto sobre a rede e caminhando por X metros em todas as direções possíveis, qual a área que consigo atingir ?”.

É muito útil para verificar se toda a área de cobertura de um determinado serviço está sendo atendida em tempo razoável. Companhias de telefonia fixa têm utilizado esse recurso para cumprir as metas da ANATEL para a telefonia pública. Uma das metas determina que um usuário não pode caminhar mais do que 800 metros para encontrar um telefone público.

Assim, uma estratégia pode ser a determinação da área de cobertura de 800 metros para todos os telefones públicos na base e a verificação se existe algum trecho sobre a área de concessão que está a mais de 800 metros de um telefone, ferindo, portanto, essa meta.

Essa facilidade pode apoiar tremendamente as operações de planejamento e expansão de serviços de varejo, para determinarmos a melhor localização de uma loja e análise da sua performance em relação ao seu potencial de cobertura.

O uso de redes viárias modeladas segundo a estrutura de eixos de logradouros apresentada permite a potencialização de análises espaciais muito importantes para a inteligência geográfica aplicada ao mundo dos negócios.

Muitas outras técnicas têm sofisticado bastante as análises aqui expostas, como a integração com algoritmos de Text Mining, o uso de outros predicados para a localização espacial dos endereços (tais como desambiguação de ruas similares através de bairros próximos, no caso de endereços incorretos ou incompletos) e mesmo a unificação de modelagens de redes e estruturas de metadados, no desenvolvimento da Semântica Geográfica.

Além disso, a abordagem estatística em estruturas de grafos, em uso pioneiro na análise de redes sociais, tem um grande potencial de absorção pelo GIS.

De qualquer forma, é inegável a importância das bases de eixos de logradouro para as análises espaciais. Basta que saibamos aplicar convenientemente esses conceitos e métodos. Com isso, um pouco da boa prática trará os benefícios esperados.

Eduardo de Rezende Francisco
Bacharel em Ciência da Computação pelo IME-USP, doutorando em Administração (Métodos Quantitativos) pela EAESP-FGV, atua em GIS, Business Intelligence, Pesquisas de Mercado e Estratégias de Marketing na AES Eletropaulo, é consultor em integração Geomarketing & Data Mining e presidente da GITA Brasil (www.gita.org.br)
eduardo.francisco@aes.com