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Modelagem de Dados Geográficos

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por Clodoveu Davis

Um modelo de dados é definido como conjunto de conceitos usado para descrever estrutura e operações em um banco de dados. O modelo de dados procura sistematizar o entendimento a respeito de objetos e fenômenos do mundo real, visando representá-los em um sistema informatizado. Em geral, objetos e fenômenos reais são complexos demais para permitir representação exata, completa, principalmente considerando recursos atualmente à disposição de sistemas gerenciadores de bancos de dados (SGBD). Assim, é necessário desenvolver uma abstração de objetos e fenômenos do mundo real, concebendo uma representação simplificada, mas adequada às finalidades das aplicações que banco de dados terá.

A abstração de conceitos e entidades existentes no mundo real é parte importante da criação de sistemas de informação. Tão importante que o sucesso da implantação de um sistema informatizado é diretamente dependente da qualidade do trabalho de modelagem. Se os conceitos forem muito simplificados, o risco é deixar de lado algum aspecto importante da realidade, com conseqüências sobre as aplicações. Se as representações se tornarem complexas demais, o risco é gerar sistemas lentos, sobrecarregados, difíceis e caros de manter. Para facilitar o raciocínio sobre o grau de simplificação ideal, a abstração é usada como ferramenta que ajuda a compreender o sistema, dividindo-o em componentes separados.
Cada um destes componentes pode ser visualizado em diferentes níveis de complexidade e detalhe, de acordo com a necessidade de compreensão e representação de diversas entidades de interesse do sistema de informação e suas interações. Em sistemas de informação geográfica, a importância da abstração na construção de modelos de dados é ainda maior.

Em primeiro lugar, em sistemas geográficos existe maior riqueza de representação, em especial no que tange às possibilidades de relacionamento entre entidades. Existe também necessidade de incluir na conceitualização aspectos da representação gráfica que se pretende adotar para as entidades: campos ou objetos, vetores ou imagens, sem contar aspectos estéticos, de representação cartográfica e visual. Ao final, todo o resultado do trabalho de conceitualização precisa estar representado de maneira concisa, porém completa, e precisa ser compreendido pelo usuário em sua totalidade, para que o sistema possa ser desenvolvido de acordo com suas necessidades.

Ao longo dos anos, desde o surgimento dos primeiros SGBD, foram sendo criadas diversas técnicas e metodologias para a criação de modelos de dados. De uma forma ou de outra, estas técnicas e metodologias, apesar de muitas vezes terem a pretensão de se constituírem em ferramentas genéricas, refletem condicionantes tecnológicas dos SGBD à época de sua criação. Assim, não é surpresa constatar que, até o aparecimento dos primeiros GIS, praticamente nada exista em termos da representação específica, em modelos de dados, de entidades geográficas ou espaciais.

Apesar disso, é possível representar estes tipos de entidades, embora com limitações importantes, usando os recursos das técnicas tradicionais. O principal exemplo de técnica tradicional é o modelo Entidades-Relacionamentos (ER), usado em todo o mundo e amplamente conhecido pela comunidade de informática. Para facilitar seu uso na criação de modelos geográficos, diversos autores propuseram extensões para o ER, sem contudo obter ampla aceitação, principalmente porque muitas limitações persistiam.

Outro exemplo é a Object Modeling Technique (OMT), que consegue maior expressividade por usar conceitos de orientação a objetos. Para complementar o OMT, adicionando a ele primitivas que permitissem representar dados geográficos com maior clareza e simplicidade, foi proposto recentemente o modelo Geo-OMT, uma extensão do OMT para aplicações geográficas. O Geo-OMT foi proposto em 1993 por Karla Borges, ao perceber a dificuldade de modelar adequadamente variadas aplicações geográficas então desenvolvidas para a prefeitura de Belo
Horizonte. O trabalho foi feito sob a orientação do professor Alberto Laender, do Departamento de Ciência da Computação da UFMG, concluída e apresentada em dezembro de 1997. O resultado já está sendo usado em alguns trabalhos acadêmicos, na documentação e no desenvolvimento de novas aplicações geográficas, em Belo Horizonte e em outros lugares do país. O restante deste artigo e o da próxima edição vão apresentar as primitivas básicas do Geo-OMT, e mostrar por meio de exemplos porque a comunidade de geoprocessamento precisava tanto de uma ferramenta como esta.
O Geo-OMT divide entidades modeladas em duas classes: georreferenciadas e convencionais. Por estas duas classes é possível representar, de maneira integrada, os três grandes grupos de fenômenos que ocorrem em geoprocessamento: os de variação contínua no espaço, os de variação discreta e os não espaciais. Os fenômenos de variação contínua constituem o que se convencionou chamar de geo-campos, e os de variação discreta constituem geo-objetos.

Exemplos de geo-campos incluem, por exemplo, relevo e tipo de solo de uma região. Entidades individualizáveis, como postes, estradas ou lotes, são melhor representadas como geo-objetos. A notação adotada pelo Geo-OMT para entidades georreferenciadas e convencionais está apresentada na Figura 1. Existem espaços próprios para anotar o nome da classe, atributos gráficos (cor, tipo de linha, padrão de hachuriamento, por exemplo), atributos alfanuméricos e operações associadas aos elementos. Este último item permite definir necessidade de rotinas especiais de entrada e validação de dados, e comportamentos especiais em caso de apresentação em tela ou plotagem


Figura 1 – Notação gráfica das classes do Geo-OMT

No canto superior esquerdo dos retângulos usados para representar classes georreferenciadas é colocado um pictograma, que indica a natureza gráfica do dado. No caso de geo-campos, existem 5 possibilidades: isolinhas, polígonos adjacentes, tesselação, amostragem e rede triangular irregular (TIN). No caso de geo-objetos, as possibilidades estão divididas em 2 grupos: geo-objetos com geometria e geo-objetos com geometria e topologia. No primeiro caso, variações permitidas são as tradicionais: ponto, linha e polígono. Quando a topologia de rede precisa ser considerada, devem ser usadas notações de nó, linha direcionada e linha bidirecional. Figuras 2 e 3 apresentam notações e exemplos.


Figura 2 – Geo-campos


Figura 3 – Geo-objetos

Relacionamentos entre geo-campos, geo-objetos e objetos não espaciais podem ser de vários tipos. Existem associações simples, típicas de bancos de dados relacionais, além de relações topológicas de rede e relações espaciais. Associações simples são representadas por linhas contínuas ligando dois objetos quaisquer. Relações topológicas e de rede são representadas por linhas pontilhadas – aliás, sempre que uma linha pontilhada aparecer em um modelo Geo-OMT, está-se denotando uma característica espacial.


Figura 4 – Relacionamentos

No caso das relações em rede, são utilizadas duas linhas paralelas, indicando entre elas o nome da relação. Relações espaciais abrangem relações topológicas, métricas, ordinais e fuzzy. Algumas relações podem ser determinadas a partir de coordenadas de cada objeto durante a execução das operações de análise espacial e portanto não precisam estar explicitamente representadas no modelo.

Relações topológicas são exemplos deste caso, pois apesar de existirem na realidade, às vezes não são relevantes para o propósito da aplicação. No entanto, existem outras aplicações em que as mesmas relações espaciais têm significado relevante, devendo ser representadas no modelo.

Outras relações, denominadas explícitas, necessitam ser sempre especificadas pelo usuário para que o sistema consiga manter estas informações. Um caso particular de relação espacial é a hierarquia espacial, em que a relação de dependência entre classes é definida com critérios espaciais. A hierarquia espacial é usada, por exemplo, para relacionar um polígono que contenha todo o espaço modelado com um ou mais geo-objetos. No mesmo sentido, pode ser usada para relacionar geo-campos (que também, por definição, cobrem todo o espaço modelado) com geo-objetos.

Os relacionamentos são caracterizados pela cardinalidade. A cardinalidade representa o número de instâncias de uma classe que podem estar associadas a uma instância da outra classe. A notação de cardinalidade adotada pelo modelo Geo-OMT é a usada na Unified Modeling Language (UML) por apresentar maior expressividade na representação que a proposta pelo modelo OMT (Figura 5). Relações em rede e hierarquia espacial já trazem incorporado em seu significado a sua cardinalidade, não sendo portanto necessário explicitá-la.


Figura 5 – Cardinalidade

Na próxima edição, serão apresentadas outras primitivas do Geo-OMT, como generalização, especialização, agregação, e recursos de variação da representação com base em forma gráfica e escala. Serão também apresentados exemplos de modelos criados com o Geo-OMT, comparando-os com modelos ER.
Referências
Borges, K. A. V. Modelagem de Dados Geográficos: Uma Extensão do Modelo OMT para Aplicações Geográficas, Dissertação de Mestrado, Fundação João Pinheiro, Belo Horizonte, 1997.
Chen, P. The Entity-Relationship Model – Toward a Unified View of Data. ACM Transactions on Database Systems, 1(1):.9-36, 1976.
Rumbaugh, J., Blaha, M., Premerlani, W., Eddy, F., Lorensen, W. Object-Oriented Modeling and Design. New Jersey: Prentice-Hall, 1991.

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