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O Tempo GPS na transmissão de energia

O emprego da energia elétrica já está tão arraigado no cotidiano de todos, que só notamos sua importância quando, misteriosamente, ela desaparece. O exemplo mais dramático e próximo que se pode citar é o do apagão que afetou praticamente todo o Sul-Sudeste do Brasil há poucos meses. Quantos perceberam o seu grau de dependência em relação à energia elétrica após este evento nesse dia! Quem não tinha um radinho de pilha ficou sem nem saber o que estava acontecendo. A energia elétrica, ou a sua falta, é sentida em situações menos dramáticas, porém igualmente importantes. Por exemplo: quando se acorda tarde para o trabalho após perceber que o relógio digital pisca 12:00 horas.

Contudo, por trás desta maravilha do mundo moderno existe uma estrutura extremamente complexa, que inclui sistemas de geração e distribuição de energia, capazes de operar, quase sem falhas, em parte graças à sincronização de tempo feita com alta precisão. E neste aspecto o GPS pode contribuir como poderosa ferramenta.

Parte integral de qualquer sistema elétrico, a componente tempo serve como base para uma série de funções. A palavra chave dentro deste contexto é sincronização. Duas questões relacionadas podem ser mencionadas. A primeira é que a energia elétrica gerada deve ser usada. Ninguém inventou ainda uma bateria capaz de armazenar uma enorme quantidade de energia. A carga deve estar em constante equilíbrio com a sua geração. A segunda é que os equipamentos geradores devem ser mantidos em fase entre si. Existe então a necessidade de uma estação geradora manter o equilíbrio entre carga e geração e manter-se sincronizada com estações vizinhas. Quando se pensa em energia, não se deve pensar somente na sua geração, mas também na sua distribuição. A geração e a distribuição ensejam transferências, que são planejadas antecipadamente. Interrupções com propósitos de manutenção, por exemplo, são planejadas de modo a que não existam interrupções no fornecimento. Os custos das operações variam com a demanda. Logo, interrupções de qualquer natureza afetam não só os usuários, mas também as empresas utilitárias. Aplicações mais delicadas, como a localização de falhas nas linhas de transmissão e medidas de fase em tempo-real exigem o controle contínuo do tempo com alta precisão, ao nível do mili-segundo.

As demandas de tempo ao nível exigido podem ser supridas de diversos modos. Por exemplo, através de um sistema de comunicação por microondas, capaz de prover informação de tempo com alcance local, porém sujeito a flutuações (ou saltos) na série temporal, não atendendo à repetibilidade do nível de precisão necessário. Outra alternativa consiste no emprego de serviços de transmissão via satélite, como o GOES (Geostationary Orbit Environmental Satellite). O GOES nominalmente satisfaz o nível de precisão exigido. Porém, está sujeito a problemas dos mais diversos, tais como interferências e reposicionamento (manobras) do satélite.

O GPS entra em cena através de sua quarta incógnita, justamente o erro devido à falta de sincronização entre o padrão de tempo do GPS, o chamado Tempo GPS e o relógio do receptor. Os satélites possuem a bordo relógios atômicos, controlados pelas estações em terra que compõem o sistema de controle. Este sistema mantém o Tempo GPS, que é, por sua vez, sincronizado com o Tempo Universal Coordenado (UTC), que é o padrão de tempo internacional utilizado. As relações entre o Tempo GPS, UTC e o padrão de freqüência dos relógios atômicos a bordo dos satélites é transmitida pelos satélites na sua mensagem de navegação que chega ao receptor, junto com o sinal medido. A medição do código C/A possibilita uma primeira sincronização do relógio do receptor, que se completa com o uso das demais informações transmitidas na mensagem de navegação. Com isto, é possível uma sincronização do relógio do receptor com o Tempo UTC, com uma precisão ao nível dos 30 nano-segundos. Flutuações na série temporal situam-se abaixo do nível de precisão exigido.

Alguns artifícios podem ainda serem vislumbrados, como instalar o receptor em um ponto cuja localização seja bem conhecida, fazendo com que a incógnitas tempo seja a única a ser resolvida (aumentando-se então a redundância de observações). Pode-se ainda pensar em se integrar o GPS com o GLONASS, aumentando a repetibilidade da solução. Esta última solução teria como senão os custos ainda altos de receptores GPS/GLONASS. Pode-se pensar ainda em uma rede de receptores GPS cobrindo a malha de geração e distribuição elétrica.

Pode-se então, concluir que, com o emprego do GPS, atingem-se as exigências de transferência e a sincronização de tempo das aplicações de geração e transmissão de energia elétrica, no tocante a precisão e repetibilidade, além daquelas relacionadas à confiabilidade (do sistema), cobertura e custo.

Marcelo Carvalho dos Santos é doutor em Geodésia e Engenharia Geomática pela Universidade de New Brunswick (Canadá), professor adjunto do Departamento de Geociências e coordenador do laboratório de geodésia espacial da UFPR. email: mcsantos@geoc.ufpr.br

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