por Avelino Pereira
A implantação de um GIS em administrações municipais tem que levar em consideração as questões políticas envolvidas. De quatro em quatro anos a maioria dos prefeitos muda e com eles as prioridades de governo. Mais grave ainda é quando a nova administração acha que tudo o que foi desenvolvido é ruim pelo simples fato de pertencer à gestão anterior. Como o GIS pode sobreviver a este impasse?
por Avelino Pereira
Quanto tempo é necessário para a implantação de um GIS? Esta é uma pergunta fundamental em qualquer proposta de instalação de um sistema. O ideal é que o período entre o início dos investimentos e o início dos resultados seja o menor possível. Em outras palavras: quem põe dinheiro em um projeto quer sempre saber quanto vai ter que esperar para começar a obter retorno de seu investimento. A pergunta acima ganha uma varíavel ainda mais importante quando o órgão contratante é uma prefeitura. Nesse caso, há um prazo que pode limitar a implantação do projeto: o final do mandato do prefeito.
O primeiro aspecto que cabe esclarecer é que, como ferramenta de pesquisa e análise, geradora de novas informações, o GIS obviamente necessita de constante atualização de dados cartográficos e alfanuméricos. Caso contrário acaba se convertendo em uma mera mapoteca digital. Portanto, a implantação de um GIS é um processo contínuo, que não tem propriamente um final.
Mas, na realidade, geralmente quando se pergunta quanto tempo é necessário para a implantação de um GIS?, o que se quer saber é quanto irão demorar as fases iniciais de aquisição de informação. Estas fases, que são as mais caras do projeto, incluem a construção de uma base de dados para o sistema (tanto cartográfica quanto de dados alfa-numéricos), a compra de hardware e software e o treinamento dos funcionários que deverão utilizar o sistema.
Esquemas dos possíveis usos do GIS numa prefeitura
O fundamental é que depois destas fases o sistema seja capaz de produzir o retorno do investimento (ou seja, respostas e simulações). Dizendo de outra maneira, é preciso que se atinja um ponto em que as informações geradas pelo GIS acabem provocando um aspecto de irreversibilidade, por assim dizer, do projeto. O sistema precisa se estabelecer como ferramenta (técnica e não política) indispensável da Administração Pública.
Muito se fala da obviedade do potencial dos Sistemas de Informações Geográficas nas administrações públicas, porém pouco se comenta sobre os fatores de desconhecimento desta ferramenta pelas mesmas administrações. Ou ainda, do ceticismo de alguns administradores sobre se o GIS é uma ferramenta tão essencial assim.
É claro que o sucesso ou fracasso de um projeto GIS depende de inúmeras variáveis, que não temos a pretensão de enumerar. Porém, um dos fatores mais importantes neste processo, a questão das mudanças políticas, quase nunca é lembrado pelos técnicos desta área.
Quantos projetos de GIS não fracassaram apenas por terem tido que enfrentar, durante a sua implantação, uma troca de administração no órgão responsável pela sua manutenção? Quem nesta área nunca viu um projeto que já tinha consumido tempo e recursos preciosos ser finalizado justamente quando iria começar a produzir seus primeiros frutos?
Neste ponto podemos mudar nossa pergunta inicial para: quatro anos de um mandato é tempo suficiente para garantir a continuidade da implantação de um projeto GIS? Ou melhor: é possível garantir a irreversibilidade da implantação de um projeto GIS independentemente de mudanças de mandato (que geralmente implicam mudanças ideológicas e de prioridades)?
Desconsiderando a hipótese de reeleição, uma variável sempre imprevisível, a resposta, a principio, é não. Nem sempre, durante um mandato, o ponto de irreversibilidade é atingido. E as prioridades de uma administração são muitas vezes diferentes das prioridades da anterior. Tudo pode ser alterado de acordo com a ideologia e com o programa de governo apresentado.
Um trabalho apresentado por especialistas em 1998 já alertava para o fato de que a falta de um planejamento específico, bem como a elaboração de um plano de implantação envolvendo diversas áreas e secretarias, fizeram com que os projetos de Assis, Santo André, Campinas, Cubatão sofressem problemas causados por descontinuidades administrativas.
Departamentos passam de uma Secretaria para outra, são extintos, criados ou simplesmente mudam de nome. Essas mudanças orgânicas, às vezes mais políticas do que necessárias, afetam diretamente as atividades de um projeto em termos de sua direção e continuidade. Verbas e técnicos envolvidos em determinadas atividades mudam. E nem sempre o critério para a escolha do que deve ser alterado ou suprimido é a qualidade.
Existiria alguma forma de se reverter esse quadro? Pelo menos no que concerne a projetos GIS, acreditamos que sim. Este tipo de projeto não precisa, necessariamente, ser de responsabilidade total de uma Secretaria ou Departamento. Afinal, qual a Secretaria (de Planejamento a Educação; de Saúde a Meio Ambiente etc.) que não se beneficia de uma base cartográfica e alfanumérica contínua, atualizada?
Desta maneira a concepção, estudo de viabilidade, levantamento de custos, perspectivas, minutas de edital, treinamento de pessoal e tantas outras etapas necessárias para a implantação e continuidade de um projeto GIS poderiam ser executadas através de um órgão de coordenação ou ainda por uma administração indireta na categoria de Autarquia ou Empresa Pública. Estes sistemas auxiliares de governo, organicamente não subalternos a quaisquer Secretarias, poderiam garantir tanto o atendimento dos interesses das mesmas, como também o aumento da possibilidade de continuidade. Isso faz mais sentido ainda quando nos deparamos com dados cadastrais diferentes entre as Secretarias, tanto a nível de atualização quanto de codificação.
Para aqueles que pregam, com uma visão muito simplista, maior eficiência pelo mero enxugamento, um aviso: é claro que não temos a ingenuidade de supor que sistemas de coordenação ou de administração indireta estariam acima das questões de nível político. No entanto, acreditamos que sua situação de caráter mais autônomo e dedicado exclusivamente ao GIS, bem como investimentos técnico-científicos voltados aos servidores municipais efetivos garantiriam uma condição de maior estabilidade.
Já aos que alegam que tais sistemas de coordenação ou de administração indireta se constituiriam em fóruns de discussão infinita e infrutífera, atravancando mais ainda o processo de implantação, alertamos que um dos serviços pouco conhecidos é justamente a consultoria na implantação e desenvolvimento de um projeto GIS. Ela não somente pode como deve ser utilizada para a elaboração dos planos de implementação e no levantamento das necessidades de cada Secretaria que poderiam ser resolvidas com o GIS.
RÖHM et al.(1998) discute justamente que as experiências de implantação que optaram por não contratar consultoria técnica especializada resultaram em um aumento de gastos dos recursos de tempo e financeiros conduzindo a resultados não favorávei.s
A união entre a criação de sistemas de coordenação ou de administração indireta para a implantação de projetos GIS e a utilização de consultoria especializada resultaria, primeiramente, na garantia de atendimento entre os vários níveis da Administração Pública, solidificando o caráter de implantação para a Prefeitura como um todo e não somente para uma ou outra Secretaria, garantindo menos sensibilidade a mudanças políticas de prioridades.
Em um segundo momento, a consultoria especializada promoveria uma racionalização no processo de implantação do GIS, na medida em que teria o comprometimento de cumprir cronogramas e apresentar produtos e serviços, bem como de ser o ponto de apoio para levantar os requerimentos necessários (de software, hardware, treinamento, suporte etc.) que melhor atenderiam à Administração, evitando as discussões entre as simples preferências pessoais através de justificativas técnicas .
Avelino Pereira é bacharel em geografia pela Universidade de São Paulo (USP) e trabalha atualmente como analista na GISoft Comércio e Desenvolvimento de Sistemas Ltda. E-mail: gisoft@gisoft.com.br