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A falta de precisão das descrições de imóveis

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Ocorrem com facilidade sobreposições de títulos, invasões, esbulhos, e até crimes, sobrecarregando os tribunais e onerando a sociedade

Desde os tempos da graduação tenho a oportunidade de observar as descrições contidas nos títulos imobiliários, e tenho percebido que poucas definem com precisão a localização do imóvel, atribuindo-lhe uma posição e orientação em um sistema único e oficial de referência. Os poucos títulos que o fazem, em maioria, são os das terras da União, tais como Parques Nacionais, Terras Indígenas e áreas de concessão de lavra, todos de dimensões variadas.

Com freqüência deparamo-nos com matrículas de imóveis que descrevem perímetros de forma vaga e imprecisa, com expressões do tipo:
UMA GLEBA TERRAS, com área…, compreendida dentro das seguintes divisas e confrontações: começam em um marco de concreto colocado na margem direita de um córrego na divisa com o quinhão número quatro de João da Silva.
Ou ainda do tipo:
Inicia-se no ponto 1, localizado na estrada de terra junto às terras de Antonio Carlos Moraes, ao Sítio Roncador, de propriedade de José Fernandes, daí segue acompanhando a referida estrada de terra, com a distância de 440,07m…

Os exemplos acima, podem ser observados por todo o País, mesmo em terras mais desenvolvidas, com ótima qualidade, com benfeitorias, onde o hectare pode custar R$20.000,00. Podemos observar expressões mais "elaboradas", tais como: "rumo médio em curva" para expressar o desenvolvimento de curva da via férrea. Há freqüência em descrições cujo perímetro não fecha matematicamente, por erro ou por omissão de elementos descritivos: azimute ou rumos, e distâncias. Por vezes apresentam azimutes e distâncias em todo o perímetro, mas a orientação é relativa ao norte magnético. Raramente é usado o astronômico (verdadeiro). O azimute magnético tem variações seculares, anuais, diária, locais, bem como as bússolas apresentam erros instrumentais da ordem de grau. A composição de todos estes fatores causa erros de rotação e tornam bastante imprecisa a reaviventação (relocação).

As glebas são descritas em sistemas de coordenadas topográficas com origem arbitrária. Pouco acrescenta cita-las em memorial, porque não conferem ao imóvel uma posição única para que se possa individualizá-lo. Observa-se que os levantamentos topográficos têm sido conduzidos sem um padrão específico. A combinação desses fatores, somada à propagação de erros decorrentes, inviabilizam o vínculo entre descrições de propriedades lindeiras (vizinhas), dificultando sobremaneira ou mesmo impedindo comparações e estudos entre elas. Mesmo calculando-se ângulos internos ou procurando pela semelhança das formas, quando possível, resta elevado grau de imprecisão na comparações entre títulos.

Em conseqüência a quantificação da área de uma gleba, a característica com maior peso na nossa legislação, é bastante comprometida. Ela é sensível a pequenas variações angulares e lineares, como bem demonstra W. Jordam, na sua obra Tratado General de Topographia. Os pontos de referência, tais como estradas, construções, árvores, córregos e nomes de confrontantes e propriedades, a princípio, nos fazem supor que fornecerão a devida garantia para a correta identificação. Na escala de tempo de títulos e propriedades, quase tudo é alterado.

O tempo faz tudo diferente, ocorrem anexações, retificações de traçados de estradas, árvores e pessoas morrem e desaparecem do cenário e da lembrança. A reforma continuada de cercas acaba por alterar as características das divisas. Mesmo no registro, através das sucessões e alterações dos nomes dos confrontantes e das propriedades, paulatinamente vai havendo maior dificuldade na localização e identificação. Não podemos pressupor a identificação apenas pelo título em si, mas por ele, como expressão da verdade em relação a algo físico, assegurando uma forte correspondência matemática com divisas e confrontações no chão.

A identificação praticada, no que tange aos aspectos técnicos de agrimensura, ou seja, quanto a suas características de localização e descrição geométrica, deixam muito a desejar quanto ao cumprimento do espírito do disposto nos artigos 176 e 225 da lei 6015 de 31/12/73, os quais definem:
"CAPÍTULO II, Da Escrituração, art.176, ß1º , II – são requisitos da matrícula:
3) a identificação do imóvel, feita mediante indicação de suas características e confrontações, localização, área e denominação,… ou logradouro e número…
CAPÍTULO VI, Da Matrícula, art. 225. Os tabeliães, escrivães e juizes farão com que, nas escrituras e nos autos judiciais, as partes indiquem, com precisão, as características, as confrontações e a localizações dos imóveis,…
ß1º – As mesmas minúcias, com relação à caracterização do imóvel, devem constar dos instrumentos particulares apresentados em cartório para registro."

As descrições geométricas inadequadas abrem caminho para que ocorra uma interminável sucessão de problemas, causados por rotações, translações e discrepâncias, acarretando dúvidas de localização, descrição, quantificação, entre outras. Ocorrem com facilidade sobreposições de títulos, invasões, esbulhos, e até crimes, sobrecarregando os tribunais e onerando a sociedade. Corrigidas, aprimorariam o registro, agregariam maior segurança e valor aos títulos.

Observando-se do ponto de vista da gestão dos recursos, a falta de um cadastro imobiliário realista faz perder a percepção da informação sobre a ocupação e o uso do território através dos tempos, compromete a justa tributação, o planejamento de ações por parte das autoridades e o melhor uso dos recursos.

A maneira mais eficiente de equacionar a solução desse problema, conhecida em todo o mundo há séculos, faz uso do posicionamento geodésico, tonando possível a representação de um território contínuo. Para isso deve haver um Sistema Geodésico Brasileiro amplamente difundido no País, devidamente materializado e mantido. Estado que, apesar da vastidão do território brasileiro, estamos atingindo, com o atual desenvolvimento tecnológico e projetos tais como a Rede Geodésica GPS do Estado de São Paulo e a Rede Brasileira de Monitoramento Contínuo, frutos de convênios de Universidades e Órgãos da União e dos Estados.

O georreferenciamento das descrições dos títulos deve pautar-se por procedimentos adequados e padronizados, de forma a permitir a organização deste contínuo, controlando a propagação de erros, inerentes a qualquer ciência. Neste sentido passos importantes foram dados nos últimos anos com a normalização de serviços topográficos através da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Duas normas já estão em vigor, a NBR 13 133 e a NBR 14 166, esta última versando de forma específica sobre redes de referência cadastrais municipais.

O georreferenciamento pode ser promovido paulatinamente, por ocasião de partilhas, usucapião, retificação de registro imobiliário, destaques, parcelamento do solo, entre outros atos que ocorrem normalmente, e sem descrições com padrão adequado. Pode-se promovê-lo também em larga escala, com emprego de técnicas de GPS ou aerofotogrametria. São propícias as condições técnicas e econômicas. Há suficiente nível tecnológico no País, os custos dos trabalhos reduziram sensivelmente e formamos profissionais capacitados. Falta-nos agora a vontade e a organização política necessárias para resolver a questão.

Os países desenvolvidos mantêm duas instituições que operam como vasos comunicantes, equacionando e solucionando esses problemas. O Cadastro Imobiliário e o Registro Imobiliário são entidades complementares. O Cadastro dá a substância física ao Registro, e deve receber desse uma substância jurídica. Cabe ao Cadastro caracterizar o imóvel, contribuir para a contínua e harmônica representação das parcelas, proporcionando informação do todo. A pedra basilar consiste em conhecer o que, o onde, o quanto e o quando, pois há dinâmica no uso e ocupação da terra. O trabalho é contínuo.

O Cadastro Imobiliário tem por objetivo prover a justa arrecadação de tributos, dar maior garantia à propriedade e subsidiar o planejamento municipal. Consiste em um Sistema de Informação da Terra em benefício da sociedade. O crescimento populacional, a melhor gestão de recursos, a complexidade de sistemas de geração e distribuição de energia, transportes, comunicação e tantas outras atividades necessárias à estruturação da sociedade brasileira requerem o melhor conhecimento do território, sua ocupação e uso.

Régis Bueno
é engenheiro agrimensor pela Escola de Engenharia de Agrimensura de Pirassununga, mestre em engenharia e doutorando pela Escola Politécnica da USP e professor da EPUSP, UNIP e UNISANTOS. Integra a Comissão de Normas para Serviços Topográficos da ABNT e trabalha como consultor. E-mail: rfbueno@ibm.net

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