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A saúde também usa geoinformação

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O estudo da distribuição espacial de dados de saúde contribui para entender a proliferação de doenças
Por Deise Roza

A área de saúde está descobrindo nas Geotecnologias uma ferramenta muito útil. Tudo acontece em algum lugar, a certo momento, incluindo as doenças. Através da análise espacial, unindo a geotecnologia à estatística, profissionais e órgãos da área de saúde estão pesquisando a distribuição espacial de certas doenças e a maneira de evitar ou controlar sua proliferação.

O NESC/UFRJ (Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro), dentre suas atividades de ensino, pesquisa e extensão, vem implementando há dois anos uma linha de pesquisa denominada "análise espacial em saúde". Segundo a definição do Núcleo, ela se refere ao estudo quantitativo da distribuição das doenças ou serviços de saúde, definidos geograficamente. Verifica a importância das características espaciais na proliferação de doenças e também no seu controle e prevenção.

As ferramentas de geoprocessamento e geoestatística permitem identificar e prever as áreas de maior risco de epidemia. "Com isso os governos podem fazer ações preventivas ou de controle mais eficientes e mais baratas pois vão direto ao ponto, otimizando os gatos públicos", afirma o professor Doutor Roberto Medronho, diretor do NESC. Um dos projetos de pesquisa do Núcleo realizado recentemente é da distribuição espacial da Hepatite A e enteroparasitoses numa região carente do município de Duque de Caxias (Rio de Janeiro). Para a pesquisa, a equipe do NESC fez um inquérito sorológico, coleta de fezes e entrevistas domiciliares para avaliação das condições sócio-econômicas e sanitárias. Foram selecionados 3.790 indivíduos com idade entre 1 e 83 anos, residentes em 2.291 domicílios, localizados em 19 setores censitários. A soroprevalência para hepatite A entre todos os indivíduos amostrados foi de 36,6% e a prevalência de enteroparasitoses nos indivíduos menores de 10 anos foi de 45,7%. Essa ocorrência elevada foi associada a precárias condições sócio-econômicas e sanitárias.

Taxas de prevalência de anticorpos contra hepatite A em crianças menores de 10 anos por setor censitário.

Cada indivíduo pesquisado foi lançado no mapa através de um ponto sobre sua casa, que indicava se ele tinha algum dos problemas pesquisados ou não. Estes pontos foram trabalhados com geoestatística para avaliação da "dependência espacial" da doença, ou seja, sua relação com as características espaciais presentes. "Através dos métodos de geoestatística, sabemos onde há maior risco mesmo nas áreas em que não coletamos amostras". Os resultados do trabalho estatístico mostram que nem sempre a área de maior risco de contaminação é a que está mais próxima a um ambiente com vírus, pois uma área mais distante pode ter mais características semelhantes do que a área próxima . "Um exemplo são os hábitos das crianças, elas têm contato com outras crianças da mesma rua de uma esquina a outra mas, não com as crianças da rua de trás. Então, haverá mais risco de contaminação no fim da rua do que na casa de trás".

O Núcleo já procurou a Secretaria de Estado da Saúde. "Mostramos que o projeto é barato, a base é do próprio estado, e os benefícios são claros", diz Medronho. Mas, de acordo com ele, a falta de pensamento estratégico é uma das principais dificuldades na implantação do geoprocessamento na saúde. "Um sistema que pode gerar frutos a longo prazo não é visto como prioridade, só os problemas imediatos", critica. "É preciso pensar espacialmente os problemas", argumenta. "Um mapa pode te dar muitas informações, uma imagem vale mais do que mil palavras. O GIS pode ser usado para identificar o melhor local onde instalar uma unidade de saúde, a melhor rota para uma ambulância, as áreas de risco de epidemias, só para citar alguns exemplos".

Além da questão da falta de pensamento a longo prazo, o professor aponta outra dificuldade na implantação do geoprocessamento na saúde: conseguir bases de dados. "As bases cartográficas, os levantamentos, são muito caros no Brasil, é imprescindível que haja uma democratização do acesso a essas informações". Os softwares de GIS utilizados pelo NESC são Idrisi, ArcView (aplicativo Spatial Analist), Spring e GSLib (geoestatística). Segundo Medronho, se depender dos softwares um projeto deste tipo pode ser barato, o que encarece é a base cartográfica.

A distribuição espacial de dados de saúde é uma área nova na pesquisa médica mas, vem sendo bastante estudada. A Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) tem vários projetos de pesquisa ligados ao uso de geoprocessamento. O mais antigo, que pode ser encontrado na Internet, na página da Fiocruz (www.fiocruz.br), foi realizado em 93 e fez a análise da mortalidade nos setores censitários do Rio de Janeiro. Desde então, foram concluídos ou estão em andamento diversas pesquisa sobre a utilização do GEO em saúde na Fiocruz: em Porto Alegre está sendo realizada a análise da mortalidade infantil, no Espírito Santo, estuda-se a distribuição espacial da Leichmaniose, no Rio de Janeiro, a da Leptospirose, onde também se faz análise de mercados hospitalares, registrando-se a procedência dos pacientes. Também são analisadas a propagação da violência na região Sudeste (1980-1996), o padrão de distribuição espacial da Hanseníase em Olinda e a distribuição espacial das mortes violentas em Porto Alegre e seu contexto social, no ano de 96. Segundo a pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública, dra. Marília de Sá Carvalho (página na web: www.procc.fiocruz.br/~marilia), o objetivo do trabalho de pesquisa é desenvolver métodos para aplicar o conjunto das ferramentas de GEO a dados da saúde. Estes métodos são repassados à comunidade em cursos (ver box pág. 63), seminários e através do "Comitê Temático Interdisciplinar: Geoprocessamento e Dados Espaciais em Saúde" (CTI). Como a Fiocruz é ligada ao Ministério da Saúde, a proposta do CTI, afirma Marília Carvalho, é estimular e orientar a implantação da Geotecnologia nas secretarias municipais e estaduais. O CTI organiza e reúne os conhecimento produzidos na área de GEO para saúde, contata os órgão produtores de dados para padronizar o formato das informações e as estruturas de georeferenciamento, e formula uma lista de recomendações para a implementação de projetos de análise de dados espaciais em saúde.

Entre as ações proposta estão a definição de uma política de disseminação de mapas e cadastros de logradouros junto com o IBGE, e o georeferenciamento dos dados contidos nos diversos sistemas de informações do Ministério da Saúde como Sistema de Informações de Mortalidade, Sistema de Informações de Nascidos Vivos, Sistema de Informações Hospitalares, Sistema de Informação da Atenção Básica e outros. Outra proposta é fazer um intercâmbio com o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) para a utilização e apoio ao desenvolvimento do Spring, software de GIS desenvolvido pelo Instituto, para análise espacial na saúde.

Partindo da pesquisa para a aplicação prática, as ferramentas de GEO estão sendo adotadas nas secretarias de saúde municipais e estaduais. É como um segundo passo, depois do geoprocessamento ter sido introduzido na administração para o auxílio à gestão dos recursos e planejamento urbano. Na cidade de Santo André os órgãos da administração municipal são ligados por uma Intranet (rede interna) tendo acesso a todos os dados de interesse comum, inclusive os relativos a geoprocessamento.

A secretaria de Vigilância à Saúde de Santo André usa o GIS em projetos para controle e erradicação da dengue, mapeamento da tuberculose, e fiscalização da radiação dos aparelhos de raio X da cidade e dos locais onde há venda de alimentos. O projeto mais antigo é o da dengue, que começou em 1998. Através do sistema, foi definido na base digital do município um ponto a cada 400 metros onde seriam colocadas "armadilhas" para o Aedis Aegypti, mosquito transmissor da doença. As armadilhas são pneus com água parada. Se houver mosquito na região ele se instala ali e a equipe da vigilância é acionada para fazer a pulverização de toda a área compreendida em um raio de 500 metros em volta dele, seguindo o mapa fornecido pelo GEO.

Segundo Cristiane Vaz Domingues, coordenadora do GIS de Santo André, o resultado é que, desde o início do funcionamento do projeto, não ocorreu mais nenhum caso novo de dengue no município. "Todas as pessoas infectadas já vieram com a doença de outros lugares", explica. Para o biólogo responsável pelo programa de combate ao "Aedes aegypti", Robson O. Lopes, o geoprocessamento permitiu realizar o trabalho com mais eficácia. "O uso do Geoprocessamento foi muito importante pois, ao diminuir a margem de erro na área a ser trabalhada, otimizou a utilização de recursos humanos, de materiais e equipamentos nos dando maior velocidade de resposta nas ocasiões em que o fator tempo é determinante".

Depois do trabalho de controle da dengue começou então o projeto de acompanhamento das pessoas com tuberculose. São lançados no sistema todos os endereços dos indivíduos doentes, ano a ano. Segundo Maria de Fátima Jollo, do Departamento de Vigilância à Saúde, isso, além de permitir que se acompanhe a evolução dos casos da doença a cada ano, facilita a localização do posto de saúde mais próximo a casa do doente. Se não houver posto próximo, determina-se então atendimento em casa. O sistema também está sendo usado para o mapeamento de todos os profissionais e estabelecimentos que trabalham com equipamentos de raio X, como dentistas, laboratórios, etc. A radiação desses aparelhos é prejudicial à saúde e quem os utiliza tem normas de segurança a seguir. O Ministério da Saúde exige da Vigilância relatórios da fiscalização feita nestes locais. Com os dados no mapa é possível definir melhor as ações de fiscalização, as áreas de perigo de radiação, e ter o controle permanente de quantas aparelhos há na cidade, onde estão, e quantas radiografias são tiradas.

As vistorias nos estabelecimentos que vendem alimento também estão sendo inseridas no GIS de Santo André. Cada local vistoriado fica marcado no mapa, classificado quanto ao risco de contaminação dos alimentos. "Com essa informação, podemos fazer um planejamento da ação da Vigilância: onde o risco é mínimo vistoriamos uma vez por ano, e onde é grande, de três em três meses", explica Maria de Fátima Jollo. As informações produzidas com geoprocessamento em Santo André têm três níveis de acesso, segundo Cristiane Domingues: dependendo da abrangência de sua utilização ficam disponíveis na rede GEO, na Intranet da prefeitura ou na Internet.

Na cidade de São Paulo, com o apoio técnico da Prodam (Companhia de Processamento de Dados do Município de São Paulo), a Secretaria de Saúde também usa as Geotecnologias para a análise espacial de dados da saúde. O controle da dengue aparece aqui novamente, mas com outro formato. Neste caso, o sistema de informações geográficas é usado para registrar no mapa os locais e pontos (pneus, caixas dágua etc) onde foram detectados os mosquitos transmissores da doença. Com a vigilância sobre estes pontos e a análise das informações, a Secretaria trabalha para prevenir a endemia. A AIDS também está sendo mapeada em São Paulo, num projeto que existe há seis meses. Os endereços das pessoas contaminadas são lançados no GIS. "Isso permite visualizar o problema espacialmente, planejar e gerenciar ações, perceber concentrações de doentes, e localizar postos médicos mais próximos de cada portador do vírus", afirma Waldemar Bom Júnior, diretor de Desenvolvimento e Tecnologia da Prodam.

Com cerca de 45 mil habitantes, Paraguaçu Paulista, no interior de São Paulo, controla quase tudo na área de saúde através do sistema de GEO criado pela empresa de Araraquara SCAES (Sistemas de Cadastro Econômico e Social). Todas as pessoas que recebem atendimento médico no hospital ou nas unidades de saúde da cidade – tudo ligado em rede – são inseridas no sistema, com seu endereço, local de trabalho, idade, faixa de renda, perfil sôcio-econômico da região onde mora e outros dados. Também fica registrado o médico que a atendeu, o diagnóstico, medicamento receitado, exame pedido e o laboratório onde foi feito. O programa da SCAES é usado para o controle das unidades de atendimento, da farmácia, do agendamento de consultas, dos exames, das faturas emitidas e do programa de assistência odontológica para crianças.

Todas as informações estão georeferenciadas no mapa da cidade. Segundo Marcely Almeida, assistente de Gabinete do prefeito, que gerenciou o projeto de implantação do sistema, ele permite conhecer o comportamento dos cidadãos, suas características sôcio-econômicas, e os motivos que os levaram a procurar atendimento. "A partir daí, podemos planejar ações de prevenção e controle de doenças e trabalhos em conjunto com a área de assistência social e educação". Assim, por exemplo, foi feita uma análise dos dados para saber onde moram as adolescentes grávidas do município e organizar formas de prevenção nas regiões de maior incidência do problema. "Se uma unidade de saúde pede muito um determinado tipo de medicamento, podemos também analisar a região, os dados dos pacientes, e descobrir a causa da doença que está atacando tantas pessoas", exemplifica ainda.

Como saber mais sobre GEO na saúde
O NESC oferece anualmente um curso de Geoprocessamento Para Saúde de 40 horas que, este ano, será realizado em novembro. Ano passado, segundo Medronho, a demanda pelo curso foi bastante elevada. Fone do NESC: (21) 270-0097. A Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, vai realizar entre 26 de junho e 7 de julho o curso de Análise Espacial e Geoprocessamento em Saúde. As inscrições foram durante os meses de março e abril. Mais informações através do telefone (21) 598-2558 ou mailto:seca@ensp.fiocruz.br

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