Régis Bueno avalia os motivos que levaram ao desligamento da SA e comenta seus benefícios
No dia primeiro de maio deste ano, após quase uma década da sua implementação, foi desativada, pelo presidente Bill Clinton, a disponibilidade seletiva (S/A) do GPS (Global Positioning System). A S/A consiste em uma técnica usada para degradar a acurácia da posição geodésica determinada com emprego desse sistema de satélites, ou seja, latitude, longitude e altura geométrica. O método de posicionamento afetado pela S/A é o absoluto, aquele em que se emprega somente um equipamento para observação dos sinais de código C/A emitidos pelos satélites. Essa degradação faz com que as posições 2D ( lat. e long. ) sejam determinadas com erro de 100 m ou mais. Se considerarmos a posição 3D (lat., long. e altura) o erro seria da ordem de 150 m ou até maior. Ela é composta por técnicas que afetam o tempo e a posição dos satélites. Para eliminar esses erros bem como outros mais, que normalmente afetam as determinações por GPS, é necessário o emprego de técnicas diferencias, usando-se dados observados por no mínimo dois equipamentos simultaneamente e metodologias observacionais adequadas.
O GPS foi concebido para permitir aos civis o posicionamento com erros da ordem de 30m, em noventa e cinco por cento dos casos pretendidos, sem a presença da S/A e sem o uso de técnicas diferenciais. Isso quer dizer que qualquer cidadão munido de receptor GPS pode obter a sua posição 2D e considera-la confiável dentro desse raio, observando-se os critérios adequados para a determinação. É possível exercer esse poder em qualquer parte do planeta onde possam ser captados sinais simultâneos de, pelo menos, quatro satélites dessa constelação.
Gráfico 1: desvios das posições, em metros
Gráfico 2: diferença em distância plana para a posição correta, em metros.
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Gráfico 3: diferença em distância espacial em relação à posição correta, em metros.
Como o sistema é uma arma estratégica norte americana, desde seu início, estava prevista a aplicação da S/A, como forma de dificultar a utilização desse poder por um potencial inimigo dos Estados Unidos. Entretanto, no decorrer dos anos houve significativo incremento nas possibilidades de obtenção de correções diferenciais, tal como as que são difundidas via satélite, mediante assinatura. Vários países, incluindo o Brasil já implantaram DGPS em seus radiofaróis. Mísseis balísticos possuem outros sistemas de navegação e não dependem exclusivamente do GPS. Essas formas de corrigir os erros do GPS e o largo emprego que ele tem experimentado nas mais diversas atividades, foram criando uma pressão pela desativação do S/A, patrocinada pelo segmento de usuários, principalmente pela industria.
Na última década, os benefícios proporcionados à comunidade civil, permitiram o surgimento de uma indústria que emprega mais de duas centenas de milhares pessoas, produzindo empregos diretos e indiretos e movimentando bilhões de dólares. Estima-se que da atual movimentação de 8 bilhões de dólares em negócios, o sistema passe a gerar, após 2003, 16 bilhões.
Segundo o comunicado oficial, contribuíram para a desativação da S/A e a largada para a modernização do GPS, entre outros aspectos, as atuais questões de segurança dos Estados Unidos, que podem agora degradar os sinais de forma regional (somente em áreas de guerras ou conflitos, por exemplo), e o desejo de incentivar mundialmente o uso do GPS para aplicações civis, pacíficas, comerciais, científicas, bem com incentivar o uso de tecnologias e serviços GPS norte americanos. Serão acrescentados mais 18 satélites e dois sinais para uso civil. Essa modernização ocorrerá de forma gradual, uma vez que dependem de fatores tais como a vida útil dos satélites em atividade.
A decisão tomada em maio aparenta ter, em parte, uma atitude em resposta aos sistemas congêneres, um possuído pela Rússia, embora cada vez mais deficitário, e outro, ainda em projeto, anunciado pela Comunidade Européia, o Galilleo. Cogita-se que pelo menos o GPS passe a constituir um padrão para o projeto europeu.
Testes e resultados
O GPS causou uma revolução nos métodos e nos processos das ciências geodésicas. Faz-nos lembrar os desdobramentos da corrida empreendida pelas nações européias na descoberta de um método eficiente de determinação da longitude. Feito conseguido pelo inglês John Harrison, que inventou o cronômetro, instrumento empregado até há poucas décadas na determinação desta coordenada.
À medida que os equipamentos GPS foram diminuindo de tamanho e possuindo um custo mais acessível, o posicionamento geodésico pôde ser facilmente obtido por qualquer pessoa. O seu uso foi se difundindo para as diversas áreas do conhecimento, proporcionando soluções inovadoras, sempre que fosse necessário obter a localização e o tempo (a quarta coordenada geodésica). Hoje, vemos o uso do posicionamento em sistemas de logística de transportes, na agricultura, no policiamento, nos ralis e nas regatas, mas sobretudo, o vemos aplicado nos estudos científicos e tecnológicos, contribuindo para o melhor entendimento da Terra e a melhor gestão dos recursos.
O uso do GPS, com posicionamento absoluto, nas circunstâncias atuais, deve ser limitado às atividades que tolerem coordenadas 2D com erros da ordem de 30 m. Essa nova característica beneficiará principalmente as aplicações em transportes, segurança, busca e salvamento, comunicação "wireless" e internet móvel, bem como nas atividades científicas. O uso em atividades pessoais, como caminhadas e outros esportes também está ganhando um novo impulso, seus efeitos já estão sendo aproveitados pelo pessoal do Rally dos Sertões, que pode contar com um mapeamento mais apropriado dos pontos críticos e inserir estes way points nos receptores de bordo.
Permanecem as necessidade de técnicas diferencias nos levantamentos geodésicos e topográficos mais exatos, que têm a necessidade de valores comprovados e confiáveis. São os casos, por exemplo, do Cadastro e Registro Imobiliários, das obras de engenharia, do geoprocessamento, da agricultura de precisão. Nesses também é preciso possuir habilitação legal, conhecimento adequado e atender às normas vigentes. As conseqüências do uso impróprio são imprevisíveis; via de regra são detectadas de médio a longo prazo, quando então descobre-se que foram tomadas decisões sobre premissas inadequadas. Semelhante circunstância, quanto ao posicionamento, encontramos na aviação, na navegação costeira e interior, no controle de tráfego ferroviário e no controle de máquinas; tais aplicações, além de maior confiabilidade, exigem também integridade do sistema.
Porém, mesmo para os usuário de posicionamento diferencial, a desativação da S/A traz benefícios. Em um primeiro momento, por exemplo, pode-se pensar que agora tornou-se mais fácil encontrar marcos de referência usando-se um receptor de navegação. Como os erros normais do GPS tendem à menor variação em função do tempo, sem a S/A, poderá haver melhor qualidade nos posicionamentos e também maior intervalo de tempo entre as correções DGPS. Segundo especialistas, haverá maior interesse da indústria para a melhoria dos receptores de navegação quanto a redução dos efeitos causados pelo ionosfera, já que esta passa a ser uma das maiores fontes de erro nesses receptores.
Para ilustrar este breve artigo, demonstrando-se com uma avaliação preliminar o comportamento do posicionamento absoluto por GPS, foi realizada uma experiência durante um período de mais de 18 horas e 46 minutos, durante os quais foram registradas aproximadamente 130 posições 2D (Norte e Este UTM) e 90 3D (Norte e Este e altura geométrica), funções das geodésicas determinadas pelo GPS. As condições de observação foram favoráveis, pois durante a experiência o número mínimo de satélites observados foi 6, chegando mesmo a 10. As posições foram determinadas sobre um marco geodésico com coordenadas conhecidas, usando-se dois receptores; modelos bastante difundidos e empregados normalmente para navegação. Esse marco tem as suas coordenadas conhecidas com exatidão de centímetros em relação ao marco geodésico 91609 (Valinhos) do Sistema Geodésico Brasileiro, obtida após ajustamento vetorial.
As posições determinadas foram comparadas com aquelas mais corretas do marco, gerando-se três gráficos que demonstram as diferenças, em metros, da posição no plano UTM, da distância no plano e da "distância no espaço", todas relativas à posição do marco. Verifica-se que as posições determinadas no método absoluto, mesmo sem a influência da S/A ainda podem apresentar discrepâncias acima de dezenas de metros.
Régis Fernandes Bueno Mestre em Engenharia pela EPUSP, Engenheiro Agrimensor pela FEAP, professor assistente EPUSP, adjunto UNIP e diretor da Geovector Engenharia Geomática. e-mail: rfbueno@ibm.ne