Como o GPS pode ajudar a resolver um problema e ainda se beneficiar disto
Com o GPS é possível obter-se posição tridimensional com altíssima precisão. Esta posição é inicialmente expressa em termos de coordenadas cartesianas, com origem no centro de massa da Terra. Através de relações matemáticas consagradas, pode-se obter as coordenadas geodésicas correspondentes: latitude, longitude e altitude. Mas, a altitude é relacionada a um modelo geométrico da Terra, o elipsóide. Devido a isso, ela é mais apropriadamente chamada de altitude geométrica. A altitude geométrica não guarda relação com o nível (médio) do mar que é a maneira mais intuitiva para o ser humano expressar a altitude. Assim sendo, dois pontos com a mesma altitude com respeito ao nível do mar podem ter altitudes geométricas diferentes. Esta é um limitação da altitude geométrica. Em Geodésia, a altitude com respeito a um nível médio do mar específico, o geóide, é chamade de altitude ortométrica.
Existem diversos artifícios para se obter altitude ortométrica a partir das altitudes geométricas fornecidas pelo GPS. O mais correto e rigoroso do ponto de vista teórico é através do chamado mapa geoidal. Para a construção de um mapa geoidal é necessário o conhecimento do campo da gravidade terrestre. Fica então estabelecida a ligação entre o GPS e a gravidade terrestre.
A investigação do campo da gravidade terrestre é um dos assuntos que a Geodésia lida, e muito tem sido feito com respeito a isso. Antes da era especial, somente era possível mapear a gravidade terrestre, em algumas regiões do planeta, a partir de observações coletadas sobre a superfície (em terra ou mar) ou bem próximos a ela (balões ou aeronaves). Com o advento da era espacial, começou a ser possível se estudar o campo da gravidade de forma global, considerando-se os satélites artificiais como objetos em queda livre no espaço, observando-se as perturbações nas suas respectivas órbitas. Tremendos avanços ocorreram a partir daí.
Com o novo milênio, a investigação do campo de gravidade a partir do espaço entra em uma nova era. Missões espaciais dedicadas estão sendo preparadas ou já em operação. Todas elas se baseiam em dois princípios básicos, o rastreamento satélite-a-satélite (SST, do inglês "satellite-to-satellite tracking") e a gradiometria da gravidade por satélite (SGG, do inglês "satellite gravity gradiometry").
No conceito do SST, o movimento relativo entre os dois ou mais satélites é determinado ao longo da "linha de visão" entre eles. Este conceito é possível para duas configurações especiais: órbita "baixa-baixa" ou órbita "baixa-alta". Na configuração "baixa-baixa" os satélites possuem aproximadamente a mesma altitude (entre 200 a 400 km), sendo ambos sensíveis às mesmas irregularidades do campo da gravidade. Na configuração "baixa-alta" o satélite mais baixo é mais sensível às irregularidades ao passo que o satélite em órbita alta é usado para a descrição da órbita em alta altitude. No conceito do SGG, os elementos do gradiente da gravidade são observados simultanemanete por instrumento especial chamado gradiômetro.
Três missões espaciais, com concepção diferentes, existem: CHAMP (CHAllenging Minisatellite Payload), GRACE (Gravity Recovery And Climate Experiment) e GOCE (Gravity field and steady-state Ocean Circulation Explorer). CHAMP é uma missão alemã, em órbita desde julho de 2000, baseada no conceito de configuração "baixa-baixa". GRACE é uma missão conjunta entre os EUA e a Alemanha, a ser colocada em órbita em dezembro deste ano, baseada na combinação entre configurações "baixa-baixa" e "baixa-alta". E GOCE, cujo lançamento está previsto para o ano 2005, é uma missão da agência espacial européia. Estas três missões têm a potencialidade de revolucionar o conhecimento do sistema Terra, provendo não somente um mapeamento com maior resolução do campo de gravidade terreste, mas também provendo informações sobre suas variações temporais.
Uma característica comum a estas missões é que elas possuem a bordo receptores GPS. O emprego do GPS, neste caso, é o de se determinar a posição dos satélites, ou seja, suas respectivas órbitas. E a idéia é de se determinar a órbita com a maior precisão possível, em um procedimento que vem sendo chamado de "determinação de órbita precisa". Neste procedimento de determinação de órbita as observações de fase da portadora coletadas por receptores GPS a bordo dos satélites são transmitidas para estações de terra (caracterizando-se deste modo uma atividade de pós-processamento). Uma central de processamento processaria estas observações valendo-se de produtos do Serviço Internacional GPS (IGS), quais sejam, órbitas dos satélites GPS (com precisão em torno de 5 cm) e correção para os relógios dos satélites GPS. O modo de processamento poderia ser posicionamento isolado, dupla ou tripla diferença, modos estes sendo investigados por vários grupos para este tipo de situação. O objetivo é de determinar a órbita dos satélites CHAMP, e futuramente GRACE e GOCE, com uma precisão na casa de alguns centímetros.
Com este nível de precisão na determinação de suas respectivas órbitas, as missões CHAMP, GRACE e GOCE irão atingir o objetivo de aumentar a resolução do mapeamento da gravidade terrestre, no que irá acarretar em melhores mapas geoidais. O que irá acarretar em uma melhor determinação da altitude ortométrica a partir da altitude geométrica fornecida pelo GPS. É o GPS ajudando a se ajudar.
Marcelo Carvalho dos Santos é Ph.D. em Geodésia e Engenharia Geomática pela Universidade de New Brunswick, Canadá, onde é professor adjunto e membro do Laboratório de Pesquisa Geodésica. E-mail: msantos@unb.ca