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GIS, Ciência e Consilience

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A crise de identidade do GIS na busca pela integração

"Temos de saber, havemos de saber! Na Matemática não existe ignorabimus!". Assim proferiu o grande David Hilbert, durante o Segundo Congresso Internacional de Matemática, em Paris, em 1900, anunciando que havia chegado o momento de expandir o antigo sonho – examinar de forma rigorosa toda a matemática em si. Sua proclamação como o paraíso da Verdade Absoluta. A visão de Euclides, da Consistência e Completude…

Mais de um século depois, as diversas vertentes do conhecimento ainda buscam sua integração. A conquista da "grande matemática unificada" teve um grande avanço com a demonstração do Último Teorema de Fermat, feita por Andrew Wiles em 1993. Da mesma forma, os físicos repetidamente buscam a "Teoria de Tudo", ou a grande equação universal; e a química e a biologia se utilizam de modelagens físicas para representar as interações moleculares e celulares.

Para o biólogo Edward O. Wilson, integração e cooperação científicas estão ligadas à Biologia Molecular – Consilience é o termo que batiza esse pensamento, sem uma tradução fidedigna para o português. Trata-se da unificação dos principais ramos do conhecimento – Sociologia, Economia, Artes e Religião – sob a bandeira da ciência e em particular da Biologia, que formou a mente humana e sua evolução.

Movimentos de unificação e integração são comuns nas mais variadas áreas do conhecimento. Uma abordagem como o Consilience, no entanto, é mais ambiciosa. De qualquer forma, esses movimentos retratam as diversas crises de identidade que a ciência de modo geral vive em determinadas épocas.

E o GIS passa por uma dessas atualmente. O GIS deve direcionar-se para um modelo de ciência unificado? O GIS deve entrar para o Mundo do Consilience? São algumas perguntas que surgem.

De certa forma, algum progresso na direção da expansão já foi sentido. Em 1997, o International Journal of Geographical Information Systems modificou a última palavra de seu título para Science (Ciência). A ênfase da mudança estava calcada em apresentar a tecnologia como um meio, e não um fim, para se alcançar os objetivos tradicionais da ciência, através da medição, coleta de dados, análise, modelagem, exploração e visualização. Desde então, é cada vez mais comum ouvirmos falar de Geographic Information Science, com as mais diversas amplitudes que esse conceito permite.

Podemos dizer que o GIS vem sofrendo uma evolução notável, devido a sua integração com a ciência, a tecnologia e os processos de gestão nas corporações. No que diz respeito à tecnologia, o GIS hoje em dia está totalmente aderente ao que há de mais inovador. Os RDBMS tradicionais já permitem o armazenamento, recuperação e tratamento em ambiente transacional dos dados espaciais; as ferramentas de análise e exploração espacial são construídas em linguagens como JAVA ou .NET, encapsuladas em objetos e disponíveis em ambiente Internet, através de imagens inteligentes ou até GIS Web Services.

Desde que o GIS se disseminou dentro das corporações, criando o conceito de GIT – Tecnologia da Informação Geoespacial, a integração entre os processos de gestão tradicionais foi beneficiada. O GIS permite o afloramento de relacionamentos não explícitos entre elementos, advindos da simples relação posicional entre eles. A facilidade cada vez maior de se modelar a característica geográfica das entidades em ambientes tradicionais de modelagem de objetos e de processos (ferramentas case) facilitou essa integração.

A integração do GIS com a ciência está muito mais no fato de que o espaço e sua interpretação são cada vez mais peças fundamentais do dia-a-dia não somente dos geógrafos. Variações, descrições e análises espaciais tornaram-se parte das mais diversas ciências, naturais ou não naturais. É cada vez mais freqüente a utilização de GIS em Arqueologia, Saúde, Educação, Defesa, Medicina, Marketing e muitos outros, além dos tradicionais segmentos de Mapeamento Sistemático, Utilities e Telecomunicações. Isso sem falar do Homeland Security.

Com essa evolução, o caráter restritivo do GIS de outrora dá lugar à noção de que não se trata de algo "alienígena" e de difícil trato, e sim de uma ferramenta de fácil absorção. Daí surge a percepção do valor agregado e do benefício conseqüente. E essa disseminação do GIS se traduz em disponibilidade, facilidade de uso, integração e especialização.

Mas a total multidisciplinaridade, adaptação e integração do GIS causa sua própria crise de identidade. Ao mesmo tempo em que o GIS se incorpora às demais atividades da ciência e da tecnologia, ele perde suas características próprias – e muitas vezes seu entendimento e uso pode tornar-se simplificado demais. Não podemos deixar que a simples navegação, identificação e pesquisa nos mapas seja entendida como todo o GIS – sabemos que ele é muito mais do que isso.

É muito comum encontrarmos cada vez mais profissionais usuários de tecnologias que conheçam ferramentas GIS. "Aqueles softwares com mapinhas, certo?". Pois bem, dificilmente esses profissionais sabem que essas ferramentas podem, por exemplo, traçar modelos digitais de terreno, representando superfícies de potencial, ou que podem relacionar bases de dados heterogêneas a partir da simples informação de continência (qual elemento de A está dentro de B), ou que podem traçar roteiros ótimos, e por aí vão as sofisticações.

Essa crise às vezes se transforma em depressão profunda, e somos atormentados por alarmes do tipo "Será que o GIS vai acabar?", "Vai ser incorporado aos RBMDSs?" ou "Não precisamos mais dessas cartografices!!".

De qualquer modo, essa crise parece fazer parte de um aprendizado que todo adolescente deve ter para amadurecer e superar-se. A própria matemática já passou por isso. Anos após a profecia de Hilbert, na década de 1930, Kurt Gödel enunciou seu Teorema da Incompletude, e Alan Turing mostrou a impossibilidade de uma decidibilidade. Em outras palavras, nem tudo podia ser demonstrado – a completude das teorias matemáticas não era mais um artigo de fé, e, dada uma proposição, não poderíamos saber a priori se ela é demonstrável!

Sem dúvida, o pensamento humano transcende as fronteiras da mera lógica formal. As geotecnologias auxiliam-nos na interpretação do mundo (desde o surgimento dos primeiros mapas) e seus fenômenos, naturais, sociais e culturais, mas restritas a representações simplificadas dos elementos desse mundo. Resta saber se o GIS encontrará de fato seu lugar na integração científica que o conhecimento humano promove através da busca da Consilience ou outras metodologias, superando a atual crise de identidade em que se encontra. Lutando para não perder sua essência, qualquer integração tecnológica e científica é bem-vinda, e o GIS sabe melhor do que ninguém como fazê-la.

Referências Bibliográficas

Singh, Simon 1998. O Último Teorema de Fermat, Editora Fourth Estate, Londres
Doxiadis, A. 2001. Tio Petros e a Conjectura de Goldbach, Editora 34, Atenas, Grécia
Waters, Nigel 1998. "Should GIS Enter the World of Consilience?", Edge Nodes, Geoworld (website geoplace.com)
Wilson, E. O. 1998. Consilience: The Unity of Knowledge, Editora Knopf, Nova Iorque, EUA

Eduardo de Rezende Francisco é bacharel em Ciência da Computação pelo IME-USP, atua em GIS, Business Intelligence e Análise de Mercado na AES Eletropaulo, é Consultor em integração Geomarketing & Data Mining e sócio-fundador da GITA Brasil. erfrancisco@hotmail.com e eduardo.francisco@aes.com

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