Enquanto o cadastro é responsável pela descrição física do imóvel, o registro firma sua situação legal
Considerada como uma das mais importantes tendências das reformas cadastrais que têm sido realizadas nos mais diversos países, a questão da integração entre o cadastro imobiliário e o registro de imóveis merece ser cuidadosamente discutida. O assunto é pertinente, especialmente devido às recentes alterações legislativas trazidas pela Lei 10.267/01 e seu regulamento, o Decreto 4.449/02, que estabelecem o intercâmbio de informações entre o registro de imóveis e o INCRA, responsável pelo cadastro rural.
A primeira questão que surge, em se tratando do tema, é: por que integrar, ou por que é importante uma aproximação entre os dois sistemas? Pode-se dizer que, devido às funções desempenhadas por cada um, estes são complementares: o cadastro é responsável pela descrição física do imóvel, e o registro por sua situação legal. O cadastro, para cumprir com a função de proporcionar a garantia dos limites imobiliários, depende da informação sobre quais são os seus limites legais. O registro, para exercer plenamente a sua função de proporcionar fé pública à matrícula, precisa identificar inequivocamente o imóvel. É importante esclarecer ainda que a existência de uma coordenação entre os sistemas não deve resultar no desaparecimento da função cadastral ou registral, na fusão de competências e funções, na primazia de um tipo de informação sobre o outro ou no enfraquecimento institucional. A idéia é somar esforços para reduzir ou eliminar a duplicação ou inconsistência de informações.
As vantagens da integração podem ser resumidas em alguns pontos. O cadastro teria sempre atualizada a informação sobre a situação legal do imóvel, proporcionando segurança nas transações imobiliárias e operações de crédito imobiliário. O serviço seria aperfeiçoado pela redução de documentos a serem exigidos do proprietário ou detentor do imóvel e pelo melhor atendimento ao usuário. Uma questão importante, também relacionada à disponibilidade da informação legal no cadastro, é a regularização fundiária. Os instrumentos jurídicos regulamentados pelo Estatuto da Cidade para a regularização em áreas urbanas teriam sua aplicação facilitada, com a redução do tempo necessário para a conclusão do processo, caso a situação jurídica da área a ser regularizada seja conhecida a priori. Para o registro imobiliário, o intercâmbio garante o aperfeiçoamento do princípio da especialidade, que estabelece que o imóvel objeto de matrícula seja identificado de forma inequívoca. O atendimento a essa exigência só é possível se essa identificação for estabelecida por profissionais habilitados para esse fim, reconhecida pelo cadastro como uma informação oficial.
O processo de integração entre sistemas distintos e multidisciplinares como os sistemas cadastrais e registrais tem implicações na sua implementação. Para o registro de imóveis, resulta na necessidade de uma redefinição de seus métodos e ferramentas, na possibilidade de incorporação de uma base geográfica em seu sistema, na atualização da informação registral e no aperfeiçoamento da qualidade dos serviços. Para o cadastro imobiliário, implica também na modificação de seus métodos e ferramentas, na melhora da qualidade dos serviços, no estabelecimento de uma codificação única nacional para os imóveis e no apoio ao fortalecimento dos profissionais de cadastro.
No Brasil, apesar da concordância, entre alguns estudiosos e profissionais de direito imobiliário e de cadastro, relativa à necessidade de um sistema
de coordenação de funcionamento dos dois sistemas, observa-se até o momento poucas evidências práticas de sistematização, destacando-se o intercâmbio estabelecido pela lei 10.267/01, citada anteriormente.
"Com a integração, o cadastro teria sempre atualizada a informação sobre a situação legal do imóvel, proporcionando segurança nas transações imobiliárias e operações de crédito imobiliário. O serviço seria aperfeiçoado pela redução de documentos a serem exigidos do proprietário ou detentor do imóvel e pelo melhor atendimento ao usuário"
Na prática, a legislação e as normas técnicas que se seguiram estabelecem
que o georreferenciamento dos imóveis rurais será exigido nos casos de mudança de titularidade, parcelamento, remembramento,desmembramento, loteamento, retificação de área, reserva legal e particular do patrimônio natural e outras limitações de caráter ambiental envolvendo os imóveis rurais, inclusive aqueles pertencentes ao patrimônio público. Os serviços notariais também fazem parte do intercâmbio, uma vez que a lei estabelece que devem ser mencionados nas escrituras os dados do Certificado de Cadastro de Imóvel Rural – CCIR, expedido pelo INCRA, referentes ao código do imóvel, nome do detentor, nacionalidade do detentor, denominação do imóvel e localização do imóvel. Os dados que serão trocados entre cadastro e registro de imóveis foram definidos no Roteiro para Troca de Informações entre o INCRA e os Registro de Imóveis. Os Serviços de Registro de Imóveis, após o registro, deverão encaminhar ao INCRA as informações relativas ao ato praticado; registro, matrícula, livro ou ficha e folha; código de origem do imóvel rural no INCRA; denominação do imóvel rural; área total; município e Unidade da Federação de localização do imóvel rural; nome do proprietário, CPF ou CNPJ, nacionalidade e endereço completo para correspondência.
No caso de áreas urbanas, algumas experiências de intercâmbio entre o cadastro imobiliário das prefeituras e os serviços registrais do município têm sido realizadas, a exemplo do município de São Paulo. Através de convênio firmado entre a prefeitura e a Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo – ARISP, a prefeitura encaminha aos cartórios dados do cadastro de logradouros, valores venais e outras informações. Os cartórios, por sua vez, enviam mensalmente à prefeitura dados pessoais de proprietários e adquirentes de imóveis. O cadastro fiscal e o setor de dívida ativa utilizam estas informações para atualização dos seus bancos de dados.
O interesse demonstrado por profissionais das duas áreas no intercâmbio entre os sistemas, bem como os resultados iniciais das experiências realizadas mostra que é possível e benéfica uma aproximação entre os sistemas. Um intercâmbio, mesmo incipiente, traz benefícios imediatos para o aperfeiçoamento do gerenciamento dos dois sistemas e para um melhor atendimento ao usuário.
Andréia F.T. Carneiro
Professora do Departamento de Cartografia da Universidade Federal de Pernambuco. É autora do livro "Cadastro Imobiliário e Registro de Imóveis – A Lei 10.267/2001, Decreto 4.449/2002 e Ataos Normativos do Incra"
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