O mapeamento participativo através do emprego de imagens de satélite, pode gerar de forma rápida e eficaz informações sobre a localização e os usos de recursos naturais pelas populações locais na Amazônia.
A degradação de recursos naturais resultante da destruição das florestas da Amazônia é um dos maiores problemas e desafios ambientais do século 21. O debate sobre crescimento econômico e degradação dos recursos naturais abrange a questão do gerenciamento de estoques desses recursos.
O uso sustentável de recursos naturais pelas populações locais apresenta-se como de grande importância para a geração de ocupação e renda. Na região do rio Negro, alguns recursos naturais estão sendo alvo de exploração ostensiva, como: cipó-titica (Heteropsis sp) e a piaçava (Leopoldinia sp).
Dessa forma, há a necessidade urgente de informações gerais sobre o uso desses recursos e principalmente práticas viáveis de manejo. O uso do mapeamento participativo como ferramenta de diagnóstico associado às ferramentas de SIG (Sistema de Informação Geográfica), pode gerar de forma rápida e eficaz informações georeferenciadas sobre a localização e os usos de recursos naturais pelas populações locais na Amazônia.
Essas informações associadas a outros questionamentos podem gerar outras informações importantes como: toponímias dos rios e igarapés, distribuição das espécies, ocorrência, intensidade, tempo, período e época de coleta, quantidade explorada, forma de escoamento e beneficiamento e comercialização.
O uso de geoinformação extraída do mapeamento do uso de recursos pelas comunidades locais, vem preencher esta lacuna de informações existente na região do rio Negro, Amazonas.
O objetivo principal deste trabalho foi mapear as áreas de exploração dos recursos naturais pelas populações locais nas unidades de conservação (Ucs): Parque Estadual do Rio Negro – Setor Norte (PERN) e parte da Reserva Extrativista do rio Unini – (RESEX), Amazonas.
Como este projeto encontra-se em andamento, neste trabalho foram analisadas somente as informações relacionadas à exploração do cipó-titica (Heteropsis sp), recurso muito utilizado pelos comunitários.
Este mapeamento teve os seguintes objetivos:
· Gerar informações sobre a realidade atual da exploração do cipó-titica na região e investigar o possível impacto da atividade sobre a planta;
· Subsidiar a implantação do plano de manejo do uso de recursos naturais pelas comunidades nas unidades de conservação, direcionando para práticas de manejo do cipó-titica;
· Inserir os moradores na discussão sobre a importância do manejo dos recursos naturais;
· Familiarizar os moradores no uso de imagens de satélite e SIG capacitando-os futuramente para o próprio gerenciamento do uso dos recursos naturais.
Moradores mapeando os recursos
O mapeamento das áreas de exploração do cipó-titica foi realizado em 58 famílias moradoras em 3 comunidades e 2 localidades na RESEX do rio Unini e 4 comunidades do PERN.
Os mapas utilizados (escala 1:100.000) para o mapeamento foram produzidos utilizando como base uma imagem digital do satélite Landsat do ano de 2005 nas coordenadas UTM 19 (Universal Transverse Mercator) datum WGS.
Inicialmente em cada comunidade ou localidade era feita uma reunião para explicar a metodologia do mapeamento e aplicação dos questionários. Neste momento era explicado também como se realizava a captação das imagens pelo satélite.
Logo, era aberta uma discussão sobre a importância do plano de manejo nas unidades de conservação. Posterior às reuniões, era marcado um horário de visita em cada família para a execução do mapeamento. Cada família recebia um kit (abaixo) de mapeamento onde eram localizadas as áreas de ocorrência e exploração dos recursos naturais.
Kit de trabalho composto pelos seguintes itens:
· uma imagem TM do Satélite Landsat 5 impressa com a área de abrangência da região;
· folhas de plástico duro para localização e desenho da área de uso do recurso;
· canetas de retro projetor, borrachas e lápis;
· fichas auxiliares de preenchimento de dados.
Kit utilizado para o mapeamento participativo com os moradores
Neste momento os comunitários eram orientados por um mediador (equipe de mapeamento) para a execução das atividades de interpretação das imagens (TM do satélite Landsat) nas áreas de abrangência da RESEX e do PERN e também preenchimento dos questionários.
Na seqüência, uma folha de plástico duro era fixada sobre a imagem e as áreas de exploração eram reconhecidas e delimitadas por polígonos ou linhas desenhados sobre a folha. Cada polígono e linha recebiam uma codificação e eram caracterizados em fichas auxiliares.
Abaixo temos os recursos e temas abordados no mapeamento:
a) Reconhecimento Geral – Família e hidrografia (igarapés, paranas, lagos, sacados e furos e outros) e praias;
b) Recurso não madeireiro – cipó-titica;
c) Recurso não madeireiro – cipó-timbó açu;
d) Outros recursos não madeireiros;
e) Recursos madeireiros potenciais;
f) Recursos aquáticos – pirarucu;
g) Recursos aquáticos – bicho de casco;
h) Recursos aquáticos – peixe ornamental;
i) Outros recursos aquáticos;
j) Caça;
k) Roças.
Mapeamento e aplicação dos questionários junto aos moradores da RESEX e PERN
Sistematizando a informação geográfica mapeada
Depois da viagem de campo as comunidades, todo o material produzido no mapeamento seguiu a seguinte sequência de trabalho:
1. Todos os plásticos duros (kit) com os polígonos mapeados pelos moradores foram fotografados com uma câmera digital;
2. Georeferenciamento das imagens com os polígonos através do programa Global Mapper;
3. Inserção das imagens georeferenciadas num SIG através do programa ArcGis 9.0;
4. Digitalização dos polígonos;
5. Inserção das informações geradas nos questionários num banco de dados;
6. União do banco de dados com os polígonos com os polígonos digitalizados;
7. Geração dos mapas.
Plano de manejo das Ucs mapeadas
Foram mapeados 143 polígonos de áreas atuais de exploração de cipó, áreas já exploradas e áreas potenciais para exploração (mapa 2). Estas áreas correspondem a um total de 56.085 hectares, sendo 16.789 ha no PERN e 39.296 ha na RESEX.
Na prática, o banco de dados associado ao SIG na confecção dos mapas, geraram informações importantes sobre a localização das áreas de uso do cipó-titica na RESEX e PERN e vários indicadores da real situação de uso do cipó-titica na região pelos moradores.
A identificação dessas áreas e indicadores e os mapas gerados serão de extrema importância para a gestão e direcionamento do futuro plano de manejo dessas Ucs mapeadas. Como a maioria das unidades de conservação da Amazônia não tem plano de manejo e decorrente disso, a falta de informações sobre o uso de recursos naturais pelos moradores, a ferramenta de mapeamento participativo empregada neste trabalho poderia ser utilizada de forma rápida e eficiente nestas unidades.
Alguns indicadores:
· Entendimento da distribuição do cipó e os fatores relacionados a esta distribuição diferenciada na floresta;
· Algumas famílias dependem exclusivamente do cipó para sua subsistência e outras exploram o cipó somente como um complemento no orçamento da família;
· Os moradores estão necessitando ir cada vez mais longe para achar grandes quantidades de cipó;
· O uso de rabeta ou canoa está muito associado a disponibilidade de combustível e que o uso de rabeta facilitaria bastante o acesso as áreas de coleta do cipó;
· Os rios e igarapés são considerados as vias de maior acesso dos comunitários as áreas de exploração do cipó titica.
Exemplos de alguns mapas gerados
Área total de exploração de cipó-titica mapeadas junto aos moradores da RESEX e PERN
Área total de exploração de cipó-titica mapeadas
(verde = áreas em exploração, amarelo = áreas já exploradas e vermelho = áreas potenciais para exploração) junto aos moradores da RESEX e PERN
Mapa da intensidade de exploração do cipó-titica na RESEX
Mapa da quantidade de cipó-titica nos polígonos na RESEX
Desmitificando as imagens de satélite
O emprego de imagens de satélite e SIG no mapeamento, envolvendo a participação dos moradores locais no processo, revelou a importância do emprego dessas ferramentas e a praticidade na obtenção de informações sobre a exploração e uso dos recursos natutrais, proporcionando um vasto conhecimento do extrativismo atual na região.
A percepção dos moradores em relação ao uso de imagens de satélite para identificação das áreas de exploração do cipó foi algo surpreendente, visto a facilidade de identificar nas imagens as suas comunidades, rios e igarapés e posteriormente as áreas de exploração do cipó.
Os resultados do mapeamento participativo serão importantes para mostrar o quanto é importante à prática do manejo dos recursos explorados, utilizando-os de forma correta, tirando sua renda e ao mesmo tempo conservando a biodiversidade e assim, estimulando-os para o gerenciamento dos próprios recursos explorados no futuro.
Marcelo P. Moreira
Coordenador do núcleo de Geoprocessamento
Programa de Pesquisas Científicas
pinguela@fva.org.br
Fundação Vitória Amazônica
Manaus – AM – Brasil
fva@fva.org.br