A importância de estabelecer uma linguagem comum para a construção de soluções geoespaciais mais eficientes
A demanda por aplicações customizadas, dinâmicas e com enxugamento de custos, forçou a indústria de geotecnologias a se adaptar a uma realidade onde os componentes do sistema são plug-and-play, isto é, onde os dados pudessem ser acessados de fontes distribuídas, e que os serviços pudessem ser também concatenados, de modo que o resultado final seja mais completo e adaptável.
De uma forma simplificada, é possibilitar que vários componentes do sistema pudessem ser combinados como jogos de montar: É como se, utilizando uma imagem de satélite de um servidor A, a altimetria de um servidor B, um serviço que gere o Modelo Digital de Terreno de um servidor C, um usuário pudesse gerar em sua tela uma visualização em 3D da imagem de uma determinada região.
Isso sem se preocupar em que software foi gerado cada conjunto de dados, se eles estão em sistemas de coordenadas diferentes, e ainda sem gerar dados duplicados. Segundo a norma ISO 19119, que trata de Serviços de Informação Geográfica, Interoperabilidade é a capacidade de comunicar, executar programas ou transferir dados entre várias unidades funcionais de modo que requeira do usuário pouco ou nenhum conhecimento das características particulares de cada uma das unidades.
Para ilustrar a importância que este tema tem tomado nas recentes discussões da comunidade geoespacial, citamos o exemplo da 29ª Conferência Anual da GITA (Associação de Tecnologia e Informação Geoespacial), que ocorreu em Tampa, Flórida em abril de 2006. No lugar do palestrante motivacional que tradicionalmente se apresentava na abertura do evento, foi feita este ano uma interessante demonstração ao vivo sobre o tópico da interoperabilidade.
Para demonstração, foi criado um cenário fictício em que as Olimpíadas de Londres, em 2012 tiveram que ser transferidas por circunstâncias imprevisíveis. A cidade de Tampa, então uniu vários setores para apresentar sua candidatura num tempo exíguo de 30 dias. Enquanto estava sendo realizado o esforço conjunto para realizar as primeiras análises necessárias, é simulado um acidente entre dois cargueiros com derramamento de óleo e geração de uma nuvem de gases tóxicos. Os técnicos então usariam os dados espaciais em ambiente interoperável e multiplataforma para planejar os procedimentos para evacuar população.
A ênfase foi em demonstrar como a união de várias fontes de dados em tempo real pode ser vital em casos de emergência, onde não há tempo para transformações de datum, compatibilização de tabelas de atributos, envio de CDs pelo correio, e outros procedimentos. (Demonstração em vídeo http://www.ogcnetwork.net/networks/tampa/video – em inglês).
Questões tecnológicas
De uma forma geral, as principais questões tecnológicas se resumem na formação de padrões em comum que possam ser compartilhados pelos desenvolvedores e usuários. Em outras áreas de tecnologia da informação, padrões como SQL, HTML, entre outros, são amplamente utilizados.
No âmbito da geotecnologia, há uma preocupação também para que os dados espaciais possam ser compreendidos, pesquisados e acessados remotamente. Não se fala em interoperabilidade de dados, mas que os conceitos utilizados na geração das informações estejam claros e abertos para quem tenha acesso a esses dados.
Para que se possam pesquisar dados espaciais e utilizá-los é fundamental que estejam também disponíveis os metadados, isto é, o conjunto de informações sobre os dados que resumam as características de como este foi obtido, em que época, para que região, qual a resolução ou precisão, quem é a instituição responsável, as restrições legais e a forma de obtenção.
Existem padrões internacionais disponíveis para metadados, principalmente o padrão FGDC (Federal Geographic Data Comitee, dos EUA) e o padrão ISO 19115. Independente de que padrão seja aplicado – eles são facilmente intercambiáveis – é uma boa alternativa não só para o intercâmbio de informações entre instituições, mas também internamente, para melhorar a organização do acervo e diminuir o re-trabalho.
Através das organizações internacionais, a indústria, a academia e os governos se reúnem para definir e testar padrões que sejam consenso entre as partes. A seguir, duas das mais importantes organizações que estudam a padronização na indústria geoespacial:
• A ISO – International Organization for Standardization é uma organização com 156 países membros que existe desde 1947. Nessa estrutura, há um comitê especial para normatização de dados geográficos digitais, a ISO/TC 211, que trabalha em uma série de projetos incluindo a norma de metadados, referências espaciais, modelagem de dados, entre outros.
• O OGC – Open Geospatial Consortium é um consórcio internacional formado por 313 membros que participam em um processo de consenso para definir especificações de interfaces disponíveis publicamente. É através da OGC que as indústrias de geotecnologias reúnem esforços na formação e teste de padrões que possam ser adotados para criar sistemas interoperáveis.
Os membros da OGC incluem grandes empresas de TI, como Sun, Oracle, Microsoft, as principais empresas da área de geotecnologias como ESRI, Autodesk, Intergraph, Bentley, MapInfo, e ainda agências governamentais, universidades, consultorias, empresas da área de telecomunicações, entre outras.
A OpenGIS® Geography Markup Language (GML™) Simple Features Profile Specification é a mais recente especificação do OGC, lançada em 5 de junho de 2006, publicando padrões para o formato de intercâmbio de dados vetoriais GML (ver abaixo).
-> Exemplo de integração de dados de diferentes servidores através de cliente WMS em ambiente web. Fonte: www.opengeospatial.org/resources/?page=demos
Questões institucionais e culturais
As Infra-estruturas de Dados Espaciais (SDI – Spatial Data Infraetructures) são justamente esforços para garantir bases para descoberta, avaliação e utilização de dados espaciais. Incluem elementos como metadados, catálogos de informações, padrões, educação e comunicação e inclusive a base legal para a disponibilização dos dados.
Existe uma organização internacional, a GSDI (Global Spatial Data Infraestructure), cuja primeira reunião foi em 1996, em Bonn, na Alemanha. Este ano, em novembro, será em Santiago do Chile a conferência internacional anual desse fórum com mais de 50 países associados. O entendimento é que para cada layer de informação (hidrografia, solos, arruamento, etc.) existam uma ou mais instituições com tanto conhecimento especifico, como a jurisdição sobre os dados, que seriam então melhor atualizados e administrados nesta esfera original.
Portanto, mais eficiente do que duplicar os dados, é conseguir pesquisar e compartilhar informações descentralizadas. A grande vantagem é a diminuição de custos de re-trabalho, evitando a necessidade de, por exemplo, redigitalizar uma carta impressa em papel já produzida em meio digital. Para tanto, os esforços para criar infra-estruturas de dados espaciais locais, regionais, nacionais e globais contribui para quebrar barreiras tecnológicas, organizacionais e políticas que impedem os sistemas trocarem serviços e informações.
Ainda existem questões importantes para serem resolvidas, como a gratuidade dos dados, as responsabilidades legais sobre a utilização dos mesmos, a proteção da privacidade, segurança nacional, direitos autorais, entre os inúmeros debates realizados nesse âmbito. E, principalmente, vencer a barreira cultural de resistência à abertura das informações.
Para isso, a maioria dos SDIs que são implementados incentiva primeiro as instituições participantes a padronizar e divulgar o conteúdo do que possuem, deixando para um segundo momento o consenso para mudanças na política de acesso aos dados.
Hoje existem muitos resultados de SDIs em operação, com destaque para o INSPIRE, da União Européia, e o NSDI, que compartilha dados da esfera federal do governo americano.
Interoperabilidade
É a capacidade de comunicar, executar programas ou transferir dados entre várias unidades funcionais. As principais linhas em desenvolvimentos de padrões de interoperabilidade hoje são:
·Web Map Service (WMS): serviços que geram mapas (imagens)
·Web Feature Service (WFS): permitem a troca de feições
·Web Coverage Service (WCS): serviços que possibilitam a troca de imagens georeferenciadas
GML
É uma extensão da linguagem XML (http://www.w3.org/XML/), definida pela OGC, que permite representar elementos espaciais através de um conjunto de regras de escrita bem definidas. Os arquivos GML são do tipo texto e, portanto podem ser lidos por qualquer editor de textos e servem como um formato aberto para intercâmbio de dados entre servidores e aplicações. Para conhecer mais sobre GML, está disponível para download a especificação da linguagem em inglês, no endereço http://portal.opengeospatial.org/.les/?artifact_id=4700 .
Saiba mais:
www.iso.org – ISO – International Organization for Standardization
www.isotc211.org – ISO/TC 211 Geographic information/Geomatics
www.gsdi.org – Global Spatial Data Infrastructure Association
www.ogc.org – OGC – Open Geospatial Consortium
www.gita.org e www.gita.org.br – GITA – Geospatial Information & Technology Association (Internacional e Brasileira)
www.fgdc.gov – FGDC – Federal Geographic Data Committee – Estados Unidos
http://inspire.jrc.it – INSPIRE – The INfrastructure for SPatial InfoRmation in Europe initiative
Silvana Phillipi Camboim
Engenheira cartógrafa e diretora da Geoplus Geotecnologia e Informática Ltda
silvana@geoplus.com.br