Falamos anteriormente da avaliação multi-critério em ambiente de sistemas de informações geográficas e da importância de uma boa representação das variáveis ambientais nos resultados desse método. Uma das principais variáveis consideradas em estudos ambientais – e especialmente em biologia da conservação – é a cobertura vegetal.
Nas cartas planialtimétricas publicadas no Brasil e em diversos outros mapas, encontramos a cobertura vegetal delimitada por polígonos e classificada, basicamente, como mata, macega, pastagem e agricultura. Obviamente, o foco desses mapas não era o estudo do meio ambiente, e sim a publicação de um referencial de localização e navegação. A despeito de ainda haver muito a ser trabalhado em termos de bases planialtimétricas no Brasil, nos deparamos nas duas últimas décadas com uma demanda crescente por estudos em meio ambiente, e conseqüentemente, por mapas que representem de maneira adequada as variáveis ambientais. Felizmente, nestas duas últimas décadas o ferramental de geoprocessamento também evoluiu muito e tornou acessíveis técnicas mais sofisticadas de representação e análise.
A cobertura vegetal, seja nativa ou de origem humana, é praticamente contínua por sobre as superfícies continentais, salvo nas áreas de gelo perene. Mesmo nos desertos, podemos considerar a vegetação muito esparsa como uma cobertura característica desses ecossistemas. Portanto, em termos de ecologia da paisagem, normalmente a cobertura vegetal, em suas diferentes classes, constitui o que chamamos de “matriz”, na qual se inserem os demais elementos da paisagem: áreas urbanas, estradas, rios, etc.. As áreas de contato entre a vegetação de origem antrópica e a vegetação nativa tipicamente resultam em bordas ou fronteiras abruptas, como nos limites entre floresta e agricultura ou área urbana. Assim também ocorre com os limites entre diferentes classes de usos das terras (áreas antrópicas). Por sua vez, as transições entre diferentes classes de cobertura vegetal nativa são tipicamente graduais, salvo quando determinadas por uma barreira física abrupta na paisagem (uma borda de platô ou um corpo d’água, por exemplo).
As transições da cobertura vegetal nativa podem estar relacionadas a gradações de condicionantes físicos, como altitude, tipo de solo, profundidade do lençol freático, declividade ou – em meso e macroescala – fatores climáticos. Porém, outro fator determinante de transições graduais são as perturbações sobre a vegetação, tanto de origem humana (corte, extração seletiva de espécies e incêndios, por exemplo), como natural (pragas, deslizamentos, incêndios naturais, ventos, entre outros), que, após danificar a vegetação, levam à sucessão ecológica (regeneração natural).
Assim, quando se mapeia a vegetação nativa remanescente em paisagens rurais, um quadro típico são fragmentos de vegetação de diversos tamanhos em meio a pastagens e culturas, para os quais poderia ser adequada a representação de polígonos, a princípio (Figura 1A).
No entanto, há normalmente uma grande variação na comunidade vegetal no interior de um fragmento remanescente. Esta variação pode refletir a configuração da vegetação anterior à fragmentação, ou ter se desenvolvido após o processo de fragmentação, pela maior exposição a fatores de perturbação externos ao fragmento. No caso de remanescentes florestais, temos tipicamente fragmentos compostos por floresta em estádio médio ou tardio de regeneração e floresta em estádio inicial, em gradientes mais ou menos suaves. Há a tendência de que a vegetação seja mais conservada no interior do fragmento e que a floresta em estádio inicial ou médio de regeneração esteja mais associada às bordas do fragmento, mais suscetíveis às perturbações (Figura 1B).
De maneira geral, para representar variáveis com distribuição contínua no espaço – como no caso acima – o modelo matricial ou raster é mais adequado que o vetorial. Se temos uma transição gradual entre um tipo de floresta e outro – classificados a partir de uma imagem Landsat, por exemplo – veremos uma área do fragmento densamente colorida por pixels de uma classe e outra densamente colorida por pixels de outra, e entre as duas uma interposição de pixels de ambas as classes (Figura 1C), representando a transição.
Lógica fuzzy
Uma outra forma para representar estas fronteiras em ambiente natural é a lógica fuzzy ou lógica nebulosa, que se baseia na teoria dos conjuntos fuzzy. Por esta lógica, um pixel não precisa pertencer a uma ou a outra classe, excludentes entre si. O mesmo pixel pode pertencer a duas ou mais classes, com probabilidades diferentes, regidas por uma função de pertinência. Esse modo de representação permite acomodar melhor as incertezas inerentes ao mapeamento de variáveis contínuas no espaço, permitindo modelar transições mais suaves ou mais abruptas entre elementos da paisagem. Assim, em contraposição aos limites “crisp” dos polígonos, temos também a possibilidade de trabalhar com “fronteiras fuzzy” em nossos modelos de análise espacial (Figura 1D). Numa próxima oportunidade, poderemos falar com mais detalhes sobre aplicações de lógica fuzzy em geoprocessamento e estudos ambientais.
Carlos Eduardo Goes Jamel
Biólogo e especialista em geoprocessamento
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