O governo federal divulgou em junho de 2008 o quarto balanço do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que em quatro anos de atuação tem como um dos seus objetivos investir em infraestrutura, estimulando o crescimento da economia. Só em ações nas áreas de transporte, energia, saneamento, habitação e recursos hídricos são previstos recursos da ordem de 503,9 bilhões de reais. Certamente, todos esses projetos envolverão, de alguma forma, investimentos em cartografia, que por não serem coordenados implicarão em dados duplicados, imprecisos e ineficientes. O governo ainda ressalta a ênfase na sinergia entre os projetos, sendo a base cartográfica um exemplo claro que poderia promover esta integração.
Apenas uma fração desse valor já seria suficiente para sanar o principal obstáculo para uma Infraestrutura de Dados Espaciais (IDE) brasileira, que é a falta de um mapeamento sistemático homogêneo, padronizado, em escala suficiente e constantemente atualizado. No ano de 2007, foram apenas pouco mais de 1,6 milhão de reais destinados ao mapeamento sistemático brasileiro, somando IBGE e o Ministério da Defesa. Por uma previsão inicial da Comissão Nacional de Cartografia (Concar), um investimento de pouco mais de 63 milhões de reais, durante cinco anos, já garantiria a elaboração da base cartográfica digital contínua para a IDE na escala 1:100.000, o que significa uma fração dos recursos do PAC.
Mais concretamente, está previsto um investimento de 300 milhões de reais, anunciado pelo Ministério de Minas e Energia, através da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), e pelo Ministério da Defesa, através dos Comandos da Marinha e do Exército, para novos mapas marinhos, terrestres e geológicos para a região amazônica. O “calcanhar de Aquiles” para uma IDE brasileira é justamente a falta de mapeamento sistemático no país. O restante das componentes de uma IDE, como a padronização (através do trabalho realizado pela Concar), e a distribuição de dados, através da disseminação de portais de geoinformação em várias esferas, está apresentando avanços.
Uma das grandes aplicações seria o caso dos licenciamentos ambientais das obras, tema que tem se mostrado bastante sensível para o andamento do programa. Uma plataforma integrada de licenciamento, localizando os vários impactos positivos e negativos das obras em uma base única, poderia trazer decisões mais embasadas, coerentes e menos morosas por parte dos órgãos ambientais competentes, em vez de estudar apenas cada obra isoladamente.
Em março de 2007, o jornal O Estado de S. Paulo publicou uma matéria fazendo um cruzamento simples das áreas prioritárias de conservação com as obras planejadas, encontrando áreas sobrepostas ou muito próximas, principalmente na região amazônica. Mais tarde, o Ministério do Meio Ambiente desmentiu a existência de conflitos, mas de toda forma as análises envolvidas são complexas e o caso reforça a necessidade de análises geográficas não-pontuais, abrangentes e sobre bases eficientes.
Pelo menos um dos aspectos da utilização de informação geográfica está sendo reconhecido, agora no âmbito do PAC: a função de monitoramento. Já no quarto balanço foram usadas imagens de satélite para mostrar o avanço das obras, e o monitoramento por imagens e sua disseminação através de um portal está previsto no PAC da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). É planejada também a utilização de sistema de videografia aérea georreferenciada e imagens geradas por veículo aéreo não tripulado.
Ressalta-se, apenas, que em tempos das maravilhas do imageamento global disponíveis pelo Google Earth, é recorrente no governo (e até nos círculos especializados) a idéia que as imagens de satélite substituem os mapas. De fato, elas promovem uma boa visualização do terreno, mas qualquer profissional da área pode reafirmar a importância vital de dados completos que permitem realmente explorar o potencial de análises espaciais para a tomada de decisão.
Silvana Phillipi Camboim,
Engenheira cartógrafa
Diretora da Geoplus Geotecnologia e Informática
silvana@geoplus.com.br