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Quem ganha com o georreferenciamento de imóveis?

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A cena é mais comum do que podemos imaginar. O proprietário rural apresenta uma escritura de terra como garantia de um empréstimo, mas no caso de liquidação judicial a área é muito menor do que consta no documento, ou até mesmo inexistente. São as chamadas escrituras “voadeiras” ou “fantasmas” que, além de gerarem prejuízos generalizados com as incertezas para o sistema financeiro, acabam encarecendo o crédito para os proprietários de imóveis que agem de boa fé.

Com o georreferenciamento de imóveis rurais consolidado como uma técnica precisa, confiável e padronizada de medição de terras em todo o país, instituições que não são diretamente ligadas ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) passaram a ver com outros olhos a grande quantidade de informação proveniente dos relatórios e das peças técnicas para certificação.

Dentre os benefícios indiretos das informações do georreferenciamento de imóveis, pode-se citar por exemplo a regularização fundiária, que permite o acesso por parte dos posseiros à rede de crédito bancário. O mesmo deverá ocorrer em breve para propriedades urbanas, já que encontra-se em desenvolvimento uma lei semelhante à 10.267/01 para aplicação no interior das cidades.

Lei 10.267/01: um grande passo

A questão crucial, que acaba gerando incertezas em toda a cadeia de crédito e de seguros, é como comprovar o valor de um imóvel rural ou urbano sem documentação oficial.

Para resolver esse problema, a legislação criou o Cadastro Nacional de Imóveis Rurais (CNIR) e mecanismos de combate à grilagem de terras, que deram maior segurança aos proprietários, possibilitaram a troca de informações entre o Incra e os serviços registrais e ainda determinaram o georreferenciamento de imóveis rurais. O CNIR é constituído por uma base única de informações, gerenciada em conjunto pelo Incra e pela Receita Federal e compartilhada por instituições públicas produtoras e usuárias de informações sobre o meio rural brasileiro.

A Lei 10.267/01 constituiu-se em um importante instrumento de interação entre os sistemas cadastral e registral, e determinou que o código único do CNIR seria aquele atribuído pelo Incra ao imóvel rural. Além disso, disciplinou as normas técnicas para identificação da propriedade e atribuiu ao próprio Incra a tarefa de certificar a planta do imóvel rural e seu memorial descritivo.

Além de organizar a documentação oficial de terras, o georreferenciamento de imóveis rurais permite o cruzamento de dados com sistemas de outros órgãos governamentais, como a Receita Federal, o Ibama e a Funai, entre outros, além dos demais sistemas do próprio Incra, como os processos jurídicos (Sijur) e o programa de reforma agrária (Sipra). A Legislação Florestal 4.771/65 e a Lei 7.803/89, a Portaria Ibama 94 de 24/09/01 e a Instrução Normativa 61 de 15/10/04, que disciplinam, entre outros assuntos, a questão das áreas de preservação permanente e reserva, também são importantes na hora de efetuar o cadastramento.

O papel do Registro de Imóveis

O Registro de Imóveis exerce uma função tipicamente jurídica, com o dever de proporcionar segurança a toda a sociedade quanto aos direitos reais incidentes sobre as propriedades. Com base em informações jurídico-técnicas, o registrador analisa se um título cumpre todos os requisitos determinados pelo ordenamento jurídico. Há, ainda, alguns procedimentos especiais, como a retificação de registro, com ou sem georreferenciamento, e o procedimento da regularização fundiária.

Se o Registro Público tiver um controle eficaz dos direitos incidentes sobre os imóveis, o mercado passará a ter maior confiança no sistema registral. A partir da total credibilidade no sistema, basta a apresentação da certidão atualizada da matrícula do imóvel para que o credor possa liberar o crédito a um proprietário, sem medo de que as informações apresentadas não reflitam a realidade.

No entanto, as coisas ainda não funcionam assim no Brasil. Muitas vezes uma matrícula faz referência a um imóvel que não existe, ou tem área muito inferior à declarada. Na maioria das vezes, isso ocorre devido a falhas do sistema de controle dos imóveis, como usucapião, desmembramentos sucessivos, titulação em duplicidade, etc..

Todo esse emaranhado de informações desencontradas gera confusão, prejuízo, desconfiança e, em último caso acaba afastando a sociedade do Registro de Imóveis. Os danos são sofridos não apenas pelos donos de imóveis, mas por toda a sociedade, já que as instituições financeiras passam a restringir o crédito, exigindo garantias mais consistentes e compensando suas perdas com a elevação dos juros.

Um imóvel sem título é apenas um pedaço de terra, com valor cada vez mais depreciado. Como não obtém crédito, o proprietário utiliza sua terra de forma precária. Por outro lado, um móvel corretamente matriculado possibilita o acesso à rede de crédito, uma vez que pode ser dado em garantia pelo pagamento da dívida, gerando assim aumento na produção.

Imóveis urbanos: o próximo passo

Durante os anos em que se discutiu a aplicação do georreferenciamento de imóveis rurais, evoluiu paralelamente a legislação voltada para áreas urbanas. A mais importante delas, a lei 10.257/01, conhecida como Estatuto da Cidade, regulamenta instrumentos urbanísticos e jurídicos para a regularização fundiária. O cadastro multifinalitário passa, assim, a ser valorizado como um instrumento importante para um planejamento eficiente.

Outras leis trouxeram novas possibilidades para o aperfeiçoamento da informação territorial. Pode-se citar a lei 10.931/04, que permite a retificação administrativa da descrição de imóveis, desde que apresentada a planta georreferenciada assinada por profissional habilitado, e ainda a Emenda Constitucional 42, que prevê o repasse do valor integral do Imposto Territorial Rural para o município que se dispuser a implantar e administrar o cadastro rural.

Se o georreferenciamento de imóveis rurais foi pensado para evitar a superposição de imóveis, esse é um problema também em áreas urbanas. E não são poucos os casos de locação inadequada de loteamentos ou impossibilidade de legalização, devido à dificuldade de identificação entre o imóvel cadastrado e o registrado. Nesse caso, surge também a importância do intercâmbio entre cadastro e registro de imóveis.

É importante lembrar que a precisão na determinação dos limites de imóveis rurais é de 50 centímetros. No caso dos imóveis urbanos, ainda não há consenso, mas certamente é necessária uma precisão melhor, em torno de 6 a 10 centímetros. É preciso pensar sobre a relação custo-benefício da execução de levantamentos com tal precisão, pois os ganhos diretos e indiretos são claros.

Quanto ao sistema de referência único, necessário à integração dos levantamentos, já existe a norma ABNT NBR-14.166 para implantação de redes de referência cadastral, que detalha os métodos de levantamento e padrões de precisão necessários. A norma apresenta ainda um modelo de decreto municipal oficializando os marcos de referência e estabelecendo a exigência de georreferenciamento de todos os levantamentos topográficos e geodésicos a essa rede.

Em 2007, o Ministério das Cidades, no âmbito do Programa Nacional de Capacitação das Cidades (PNCC), criou um grupo de estudos composto por servidores e especialistas de diversas instituições com o objetivo de formular uma proposta para a criação, instituição e atualização do Cadastro Territorial Multifinalitário (CTM) no Brasil. As informações sistematizadas e integradas, proporcionadas pelo CTM, colaboram na gestão sócio-ambiental das cidades, na conformação do direito urbanístico e no desenvolvimento sustentável dos municípios, favorecendo a aplicação dos instrumentos previstos no Estatuto da Cidade.

Além disso, o CTM possibilita o conhecimento da realidade e dos limites definidos pela expansão urbana e rural dos municípios, e estabelece orientações para a permanente atualização dos dados, garantindo a autonomia, transparência e eficiência da administração pública em relação à comunidade e priorizando o atendimento de suas demandas.

Por fim, a existência de um CTM é a garantia da justiça social e fiscal, pois somente o conhecimento completo do território nacional pode salvaguardar a propriedade imobiliária e garantir cidades auto-sustentáveis.

Não há dúvida de que existem no Brasil mais escrituras de imóveis rurais do que a superfície de terra correspondente. Muitas pessoas “forjam” uma escritura de terra apenas para obter benefícios bancários, apresentando-a como garantia para empréstimos sem ter como honrar o compromisso.

Uma legislação clara traz benefícios diretos, como um melhor conhecimento do uso e da ocupação do solo, mas também ganhos indiretos, já que a regularização fundiária resultante dos trabalhos técnicos de georreferenciamento e a inclusão da terra na esfera econômica possibilitam o acesso ao crédito rural, além de viabilizar outros negócios imobiliários antes atravancados pela descrição irregular dos imóveis.

Experiências internacionais também indicam que uma reforma progressiva de cadastro técnico é o melhor caminho para o seu aperfeiçoamento, principalmente em países com pouca cultura cadastral, como é o caso do Brasil.

A regularização fundiária no Brasil

12 milhões de domicílios são irregulares
120 bilhões de reais seriam injetados na economia com a regularização desses imóveis
90% do PIB brasileiro é produzido nos centros urbanos
80% da população vive nas cidades

Revisão da Norma

Os profissionais de agrimensura, cartografia e georreferenciamento encontraram no GEO Summit Latin America 2008, realizado em São Paulo de 15 a 17 de julho, informações atualizadas, com painéis e debates realizados com especialistas da área.

Desde o final do ano passado, o Incra está realizando os trabalhos de revisão da norma técnica para georreferenciamento de imóveis rurais. A nova versão da norma foi tema de um painel, moderado por Wilson Holler, engenheiro cartógrafo da Companhia Brasileira de Projetos e Empreendimentos (Cobrape). Roberto Tadeu Teixeira, chefe do serviço de cartografia e coordenador do comitê de certificação do Incra-SP, Luiz Carlos da Silveira, professor da Unesc, e Régis Bueno, engenheiro agrimensor e diretor da Geovector, analisaram os detalhes técnicos que envolvem a nova versão da norma e os benefícios diretos e indiretos do georreferenciamento de imóveis rurais.

Créditos de Carbono

Profissionais das áreas de engenharia, agronomia, biologia, direito e outros ligados ao meio ambiente, além de administradores de empresas e técnicos da área bancária que atuam na comercialização dos créditos de carbono, também podem fazer uso das informações do georreferenciamento de imóveis rurais.

Seja para projetos de créditos de carbono, metodologias de linha de base e monitoramento, documentos de concepção de projeto, aflorestamento e reflorestamento, fixação de carbono das florestas, quantificação de carbono, etc., as informações provenientes do georreferenciamento de imóveis rurais podem (e devem) ser utilizadas.

+Informações
www.incra.gov.br
www.irib.org.br
www.cidades.gov.br

Por Eduardo Freitas Oliveira

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