Por Eduardo Freitas Oliveira
Um erro básico de engenharia, encontrado nas obras da linha amarela do metrô de São Paulo, provocou um desencontro de túneis que foram escavados a partir de duas frentes de trabalho. Os túneis Caxingui e Três Poderes, na zona oeste, deveriam ter se encontrado, porém houve um desalinhamento lateral de 80 centímetros entre eles. Os trabalhadores da obra falavam em até 1,5 metro. A diferença, seja ela de 80 centímetros ou 1,5 metro, é incompatível com o momento tecnológico atual na área de geomática e mostra que houve um erro grosseiro na execução do projeto.
O fato, ocorrido no final de 2007 e atribuído a um erro de topografia, mostra como a geomática é usada desde o levantamento até a monitoração de grandes obras de engenharia, passando pelo planejamento e execução. Assim como crescem o campo de trabalho e as oportunidades, aumenta também a responsabilidade dos profissionais da área.
Com a norma de georreferenciamento de imóveis rurais, um imenso campo de trabalho se abriu para topógrafos, geomensores, cartógrafos e agrimensores, sem falar nos profissionais que também podem se habilitar para tal função, como engenheiros civis, geógrafos, etc.. Paralelamente, com a necessidade de obras de infra-estrutura e a construção de grandes empreendimentos, a geomática passou a ser imprescindível não só para os levantamentos plani-altimétricos, mas também para a própria execução.
Leonilson Liandro da Silva, sócio diretor da Geo-Top Tecnologia de Precisão, informa que a porcentagem do faturamento da empresa hoje é de aproximadamente 65% para obras civis e 35% para levantamentos de campo, o que evidencia a importância da infra-estrutura para as companhias de geomática. Outras empresas consultadas informaram números semelhantes.
Locação de obras, planejamento e gestão de projetos, levantamentos “as built” e “as is”, orientação de frentes de trabalho e monitoração de estruturas são algumas das atribuições da topografia e da geomática em grandes canteiros. Dentre os empreendimentos que podem – e devem – contar com a presença de profissionais especializados em geomática estão a construção de barragens, pontes e túneis, a implantação de dutos, linhas de transmissão e torres, a execução de barracões industriais, shopping centers, ginásios e estádios, além da escavação e exploração de minas, entre outras áreas.
Ante-projeto
A geomática está presente até mesmo antes do levantamento plani-altimétrico propriamente dito. Para entrar em uma concorrência pública, por exemplo, muitas vezes é preciso fazer uma visita ao campo para verificar as condições e quantificar o esforço para a execução de uma obra. O gasoduto Brasil-Bolívia é um caso típico de obra que precisou atravessar grandes regiões e superar obstáculos naturais ao longo do percurso. Um levantamento mal feito ou incompleto resulta em prejuízos e atrasos no cronograma da obra. Além disso, começa já nessa fase a preocupação com o impacto ambiental do empreendimento.
Levantamentos
A mais alta tecnologia está disponível hoje para levantamentos de campo. RTK, GNSS, estações totais robotizadas, imagens orbitais de altíssima resolução e laser scanner, entre outras soluções, fazem parte do cotidiano dos grandes empreendimentos.
Para o mapeamento de minas, por exemplo, uma opção para o levantamento topográfico é o escaneamento subterrâneo a laser. As medições, que resultam em um modelo 3D do local, podem ser usadas para cálculos de volume e forma da escavação, movimentos de terra, etc..
Planejamento
Os prazos estão cada vez mais curtos e os recursos mais escassos, então um bom planejamento na execução da obra é fundamental para o sucesso de um projeto. A organização eficiente das diversas fases faz com que o trabalho flua melhor e haja menos desperdício de material, e garante que o cronograma seja cumprido. Conceitos como gestão de projetos, PERT/CPM, PMBOK, entre outros, fazem as grandes obras trabalharem como relógios. Se um elo da corrente se quebra, o projeto como um todo pode sofrer as conseqüências.
É nessa fase que entram os estudos de impacto ambiental do empreendimento, necessários para a liberação da obra. Apresentação de relatórios de impacto ambiental, demarcação de reserva legal e mapeamento de áreas para seqüestro de carbono são atribuições da geomática, em conjunto com engenheiros florestais, biólogos, etc., com o envolvimento de fotogrametria, topografia e geodésia.
Locação
Já foi-se o tempo em que a locação de grandes empreendimentos era feita com cavaletes de madeira, pregos e linhas de nylon. Receptores GNSS e estações totais aumentam a precisão e a produtividade em campo, seja para edificações ou para a definição de greides de estradas ou linhas de transmissão. Hoje, softwares de projeto estrutural e de fundações já contam com a opção de exportar as coordenadas da obra para equipamentos topográficos, tornando a operação simples e automatizada.
Execução
A definição e execução do traçado de um túnel é um dos melhores exemplos de como a geomática contribui para a precisão de um empreendimento. Um deslocamento, como o encontrado no túnel do metrô de São Paulo, causa um grande transtorno na obra. Na ocasião, o Consórcio Via Amarela disse não haver gravidade e que a correção geométrica ocorreria na seqüência dos trabalhos, porém um erro de tal magnitude não fica livre de atraso no prazo e aumento nos custos.
As built e As is
Um conceito já bastante conhecido é o “as built”, um levantamento posterior à obra para verificar se o projeto foi seguido e registrar eventuais discrepâncias. Porém, algumas construtoras já usam o “as is”, que é uma verificação em tempo quase real da execução da obra. Com o “as is”, mudanças no projeto são identificadas, realizadas e atualizadas no próprio canteiro, durante a construção. Isso é feito, por exemplo, em termoelétricas ou plataformas de petróleo, que são escaneadas ao longo da sua execução. Ao final da obra, tem-se uma cópia fiel da estrutura na forma de modelo tridimensional, que pode ser usado com total confiança para posteriores alterações e complementações.
Controle e monitoração
A monitoração de estruturas deve ser feita constantemente, através da ocupação de pontos estratégicos tanto na obra em si como fora dela. A correta instrumentação no controle de estruturas tem o objetivo de minimizar prejuízos econômicos e danos ao meio-ambiente, além de salvar vidas.
No caso da monitoração de barragens, por exemplo, o método mais utilizado é o estabelecimento de uma rede geodésica para a acompanhar a estrutura que forma o reservatório. Pode-se aplicar diferentes técnicas de levantamentos, como triangulações, trilaterações, nivelamento geométrico de primeira ordem e rastreamento com receptores GNSS.
Integração
A geomática deve estar perfeitamente integrada a todas as fases de uma obra. O profissional da área não é somente quem define o mapa básico para o empreendimento, mas sim um integrante da mais alta importância nas equipes multidisciplinares que se tornaram os times que tocam grandes obras. Para Leonilson da Silva, caso isso não ocorra, “a execução de obras irá ser sempre um calcanhar de Aquiles para as empresas de engenharia, onde a equipe técnica será sempre três ou quatro pessoas, onde cada um entende especificamente de uma área de atuação”.
Para o engenheiro civil Marcelo Sganzella, gerente da empresa Métrica Tecnologia e professor da Faculdade de Americana, “o topógrafo do futuro terá seu trabalho mais simplificado em termos de campo e muitas facilidades surgirão, porém serão mais cobrados quanto à qualidade e conhecimento técnico para os trabalhos”. Já para Roberto de Cerqueira Cesar, da empresa RCC Agrimensura Técnica, “infelizmente o avanço nas tecnologias trouxe um grande atraso nos profissionais, pois atualmente eles ‘apertam botão’, mas não têm consciência do que estão fazendo”.
Um exemplo de obra bem sucedida é ponte estaiada Octávio Frias de Oliveira, inaugurada neste ano em São Paulo. Uma ponte sobre um rio, inserida na área urbana, em curva e realizada com uma solução tecnológica inédita no Brasil, a obra seria inviável sem a geomática em todas as suas fases.
No total, cada sentido da ponte tem 290 metros de comprimento. Sob o mastro em forma de X, que suporta os estais, se cruzam três vias em níveis diferentes. Além disso, uma linha de transmissão elétrica percorre a margem do rio pelo subterrâneo da via de manutenção e o Córrego Água Espraida desagua no rio Pinheiros passando por entre os mastros.
A Ponte Octávio Frias de Oliveira é a única ponte estaiada no mundo com duas pistas em curva conectadas a um mesmo mastro. A forma da estrutura não decorre de razões arquitetônicas e sim de uma demanda estrutural e das restrições geométricas do entorno. A obra consumiu aproximadamente 58 mil metros cúbicos de concreto, o equivalente a 7 mil caminhões betoneira.
Com custo de aproximadamente 184 milhões de reais para a construção do complexo em si, e mais 40 milhões de reais para a sinalização viária, drenagem e pavimentação, a ponte estaiada de São Paulo é hoje um cartão postal da cidade e um símbolo de competência técnica e gerencial da engenharia brasileira.