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Desperdício zero!

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Segundo o Sistema Nacional de Informações em Saneamento, o Brasil perde hoje cerca de 42% em faturamento de sua água tratada fornecida à população. Acredita-se que esta perda possa chegar a 52%. Isto representa uma perda anual de faturamento estimada em cerca de 10 bilhões de reais para as operadoras de saneamento. É claro que não existem operadoras no mundo que não possuam perdas, e também que para reduzir uma perda de 30% para 20% é necessário muito mais investimento do que para reduzir a perda de 52% para 42%. Quanto maior a perda menor o investimento necessário para reduzi-la. Caso o Brasil venha a reduzir, em 2009, a perda no fornecimento de água tratada em 10%, isso poderá representar uma economia, somente neste ano, de 1 bilhão de reais.

Como é composta a perda de água

Sistemas de abastecimento de água sempre apresentam perdas. Elas podem acontecer por vazamentos nas unidades de uma operadora de saneamento. Estas são as chamadas perdas reais. Já as perdas com relação à água que é distribuída para os usuários e não contabilizada, devido à submedição e fraudes, são chamadas de perdas aparentes.

Um importante instrumento para quantificar as perdas reais e aparentes em um sistema de abastecimento de água é o Balanço Hídrico. Por meio dessa técnica é possível estabelecer prioridades nas ações de controle e redução de perdas, face de impacto relativo a cada componente das perdas, como mostrado na figura 1.


Figura 1: Componente de balanço hídrico conforme ferramentada da IWA (Internacional Water Association)

Antecedentes

A partir do projeto realizado por empresas incubadas no Centro Incubador de Empresas Tecnológicas (Cietec), foi possível a criação de um software livre SIG para o setor de saneamento e de controle da qualidade da água na rede e Estação de Tratamento de Água (ETA), com investimentos da Fapesp, Finep e CNPq de mais de 1 milhão de reais e cerca de 2 milhões de reais não onerosos em um período de três anos, sendo o município de Votuporanga o escolhido para a implementação inicial. Os resultados são apresentados nas figuras 2 e 3, onde foram cadastradas as redes de água e consumidores, bem como implementação posterior em Santo André.

O Ministério das Cidades tomou conhecimento dos trabalhos realizados, uma vez que existia o processo em andamento de desenvolvimento de um sistema comercial e de controle de ordens de serviço, o Sistema Integrado de Gestão de Serviços de Saneamento (GSAN), tendo em vista a realidade do setor de saneamento e tomando-se como base o fato das operadoras de saneamento tanto regionais quanto municipais.

Por sua vez, como a maioria das operadoras não possui a unificação do cadastro técnico georreferenciado das redes de água unificado ao cadastro de consumidores, foi realizado através de contratação de consultoria por parte do Ministério das Cidades, junto ao Programa de Modernização do Setor de Saneamento (PMSS) com recursos do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (PNUD) esse trabalho de especificação de requisitos de software livre para a implementação de um Sistema de Informações Geográficas (SIG) para o cadastro de redes de água e esgoto, com a respectiva associação dos consumidores, de forma integrada com o GSAN. O programa já está disponível para download no Portal de Software Público Brasileiro (PSPB) e através do site http://www.softwarepublico.gov.br/.


Figura 2: Atendimento ao público com mapeamento incorporado ao sistema comercial de Votuporanga

O GSAN é um software livre que realiza a gestão do faturamento e gestão de uma operadora de saneamento e já se encontra implementado nas operadoras estaduais de Pernambuco (Compesa), Rio Grande do Norte (Caern) e Roraima (Caer), bem como em fase de implementação nas companhias de Manaus (Águas do Amazonas) e do Maranhão (Caema) e em fase de licitação em mais duas outras operadoras estaduais de saneamento.


Figura 3: Gestão de ordens de serviço com acesso ao mapeamento em Votuporanga


Figura  4: Implementação experimental de SIG móvel em automóvel, com conexão em
tempo real a internet sem fio, com empresa incubada do CIETEC, ano de 2006.

O trabalho

Para o levantamento de requisitos de software livre em geoprocessamento, foram visitadas sete companhias de saneamento municipais e 12 companhias regionais em todas as regiões do Brasil. Junto a essas companhias foram verificados os processos atuais de cadastro de redes e consumidores, sistemas comerciais existentes e em algumas delas metodologias utilizadas para o controle da qualidade da água.

Pode-se constatar que a grande maioria das operadoras de saneamento utiliza software CAD para o cadastro das redes, enquanto as demais operadoras regionais utilizam o SIG, mas sem uma abrangência em todos os municípios operados.

Em geral as operadoras possuem apenas o cadastro de redes e em poucas existe a com o cadastro comercial (localização dos consumidores no mapa), associado ao software comercial utilizado.

Constantemente existe uma preocupação de que os mapeamentos do cadastro técnico e comercial estejam atualizados diariamente conforme são realizadas as modificações em campo, embora isso seja uma dificuldade operacional diária.

Simulação hidráulica

Uma vez que o cadastro técnico de redes e consumidores fornece subsídio para a realização de uma simulação hidráulica, o que se encontra nas operadoras que realizam simulação de pressões e vazões nas redes é uma grande dificuldade na migração dos cadastros em CAD para softwares de simulação, como é o caso do software livre Epanet, geralmente presentes nessas operadoras.

Apesar de existirem menus padronizados, manuais de procedimentos e profissionais devidamente capacitados para o cadastro das redes em CAD, verificou-se que as ferramentas desenvolvidas em CAD requerem extrema atenção do profissional de cadastro. E com frequência foram encontradas não conformidades topológicas nas conexões de redes, bem como dificuldade de associar as demandas de consumo aos nós das redes. Informação esta necessária para o Epanet simular hidraulicamente as pressões e vazões nas redes.

Essa simulação das pressões e vazões é uma fase importante na redução de perdas, uma vez que tubulações antigas, submetidas a pressões acima da mínima necessária para chegar a água ao consumidor, implicam em maiores vazamentos tanto visíveis quanto não visíveis.

Metodologia encontrada

Outro fato verificado, foi o de que em muitas operadoras acredita-se que para a implementação de um SIG é necessário inicialmente implementar o cadastro das redes de água com topologia correta e validada, utilizando-se de ferramentas de verificação e validação topológica existentes em sistemas CAD e SIG. Entendeu-se como natural este comportamento, uma vez que devido a falta de recursos das operadoras para a aquisição de um software SIG, bem como para a contratação de consultoria e assessorias necessárias. Devido ao histórico da evolução destas ferramentas, esta técnica é utilizada, conforme apresentado na Figura 5. Como resultado final, não existe dúvida hoje de que isto representa investimento desnecessário e atraso na implementação do projeto.


Figura 5: Metodologia encontrada nas operadoras que já planejavam a
implementação do SIG para cadastro de redes e consumidores

Metodologia sugerida

Após a análise da situação encontrada nas operadoras e perante as tecnologias disponíveis atualmente no mercado, foi definida metodologia apresentada na Figura 6.


Figura 6: Nova metodologia

Com esta metodologia, a etapa de correção topológica foi eliminada e os desenhos CAD das redes são convertidos diretamente para o software SIG, que passa a serem visualizados como referência no software SIG, onde as redes serão recadastradas sobre as redes CAD existentes.

Metodologia de cadastramento em SIG

Para que o cadastro de redes possa vir a ser exportado para softwares de simulação hidráulica, é necessário que cada trecho de rede apresente uma numeração seqüencial que o identificará, bem como a relação aos nós das extremidades das redes, os quais necessitam também desta numeração. Não deve ser permitido que o usuário intervenha nesta numeração, ela deve ser automática e não pode ser modificada pelo usuário. Da mesma forma, em cada trecho de rede, deve existir associado com atributo a numeração dos nós inicial e final conectados ao mesmo o que servirão como informação para a exportação do software de simulação EPANET.
Estas numerações também devem ser inseridas automaticamente pelo software SIG, sem a possibilidade de intervenção dos usuários sobre estes atributos.


Figura 7: Cadastro de redes


Figura 8: Cadastro de redes – exemplo com Terralib

Da mesma maneira existe o correlacionamento do cadastro técnico com o cadastro comercial. Os ramais de ligação de água do trecho da rede de distribuição com o consumidor devem possuir uma associação de forma que permita ao selecionar um trecho de rede que sejam identificados todos os consumidores associados ao mesmo, conforme apresentado na Figura 6.


Figura 9: Associação do ramal com consumidores e trecho de rede de distribuição

Edição da rede e nós

Com a realização de todas estas associações, o software SIG para cadastro de redes deverá possuir uma ferramenta de manipulação nas redes de forma que ao ser selecionado para mover-se um determinado nó da rede todos os trechos de rede sejam movimentados juntamente com o nó, sem separar o nó dos trechos de redes, portanto sem a necessidade de correção topológica.

Na verdade, no software SIG não deve existir a funcionalidade de cadastrar um novo nó de rede, uma vez que partimos do pressuposto que um trecho de rede é sempre composto de dois nós, um nó inicial e um nó final e o software SIG encarrega-se de verificar se deve ser inserido ou apagado um nó, conforme o usuário desenha ou retira trechos de redes. Um trecho de rede sem um nó em uma das extremidades implica na prática a uma tubulação de água aberta vazando água, e isto não existe em nossos requisitos. Toda a tubulação está interligada ao um CAP ou ligada à outra componente ou tubulação.

Sem dúvida o software SIG deverá permitir o cadastro de trechos em curvas, com vértices, os quais não representam nós, mas sim a curvatura de tubulações flexíveis. No caso do exemplo da Figura 9, como requisito em SIG, se eliminarmos o trecho apresentado, os dois nós deverão ser automaticamente eliminados, uma vez que eles não estão conectados a outros trechos de redes.

Tecnologia Terralib

Para a validação final da tecnologia Terralib, foi realizado um seminário no Instituto de Pesquisas Espaciais – INPE, responsável pelo desenvolvimento desta tecnologia, onde foram convidadas as empresas de saneamento que já possuíam algum trabalho em SIG implantado ou planejamento de implementação, contanto com a apresentação dos desenvolvimentos de alguma delas.

A tecnologia foi apresentada pelo INPE às empresas de saneamento, bem como foram apresentados os desenvolvimentos de componentes desenvolvidas pela FUNCATE em parceria com outros institutos de pesquisa e organizações, sendo informado sobre os desenvolvimentos de serviços padrão OGC (Open GIS Consortium) WFS e WMS, atualmente disponíveis. A meta de disponibilização do armazenamento dos dados em banco de dados seguindo padronização OGC na próxima versão 4.0 do Terralib, prevista para 2009, permitirá que outros SIGs possam vir acessar diretamente os dados disponíveis no banco de dados geográfico.

A partir deste seminário, foram contatadas as operadoras de saneamento interessadas na implementação do Terralib, com o objetivo de levantamento de requisitos adicionais de SIG para saneamento e validação prática de uma nova forma de implementação de SIG para o setor saneamento.

Implementação e validação de requisitos

Para a validação dos requisitos e para a quebra do paradigma de que a prática de um SIG de saneamento pode levar de um a dois anos, compondo as fases de levantamento da situação atual, especificação de softwares, conversão de dados e capacitação, que o mesmo pode vir a ser praticado tecnologicamente de forma imediata, decidiu-se então realizar uma implementação em uma semana por operadora de saneamento estadual.

O trabalho foi realizado junto as seguintes operadoras: CAESB – Brasília, COMPESA – Pernambuco, CAERN – Rio Grande do Norte, EMBASA – Bahia e COSANPA – Pará. Para cada uma delas foi escolhida uma cidade, geralmente a sede do estado, onde as mesmas disponibilizaram previamente os mapeamentos existentes tanto vetorial quanto matricial (imagens).

O mapeamento vetorial foi convertido para o banco de dados geográfico Terralib com SQLServer ser a utilização de cartucho espacial. Foram gerados arquivos CAD contendo cada plano de informação em arquivo separado, sendo os mesmos convertidos de CAD para o formato shape, sem atributos específicos associados.

As imagens, quando existentes, foram convertidas para o formato GeoTiff. Após estas conversões e em posse dos metadados pré-configurados para saneamento, estes vetores e imagens foram importados para o banco de dados o que tomou a maior parte do tempo desta semana em cada operadora de saneamento. Foi constantemente passados aos técnicos presentes o processo e procedimentos para a conversão dos dados para o banco, sem a necessidade de correções topológicas.

Uma vez os mapas disponibilizados em banco de dados, passou-se a utilizar o software GeoSan, aplicação específica de saneamento que utiliza a Tecnologia de software livre Terralib, para o cadastro das redes de água, onde foi realizado o treinamento de operação do mesmo. Para algumas operadoras quem possuíam colaboradores com conhecimento em programação, foram passadas informações de como gerar aplicações específicas para consulta aos mapas importados, com programação em Visual Basic 6, como foi o caso da EMBASA e CAESB, que geraram e compilaram suas próprias aplicações SIG na forma de software livre nos dois últimos dias de implementação.

Durante estas implementações foram levantados requisitos adicionais que as mesmas consideraram necessários.


Figura 10 – Cidade de Marabá – COSANPA


Figura 11 – Natal – CAERN, com redes cadastradas após 3 meses de trabalho


Figura 12 – Detalhe do cadastro de redes – Natal


Figura 13 – Detalhe do cadastro de redes – Natal

Considerações finais

O fato mais desafiador não é a tecnologia. Hoje ela existe e está disponível, tanto na forma de software livre como proprietário. Muito se falam em implantações SIG mal sucedidas e recursos financeiros mal aplicados. O processo de implementação de um SIG deve estar alinhado com a missão e visão da organização. Se o responsável pela implementação não olhar e conhecer os objetivos da organização, bem como os respectivos planejamentos estratégicos existentes e olhar simplesmente para a tecnologia em si, certamente esta implementação terá uma grande chance de falhar.

Mais que um técnico em geoprocessamento, o gerente responsável pela implementação deve possuir o conhecimento da tecnologia do planejamento estratégico e realizar o mesmo na prática antes, ou logo no início da implementação. A definição de metas específicas, mensuráveis, alcançáveis com os recursos disponíveis, com prazos e responsáveis definidos e o acompanhamento sistemático das mesmas são imprescindíveis para o sucesso. O envolvimento da alta direção, o mapeamento dos processos da organização, a criação de instruções de trabalho, a mobilização dos envolvidos, o investimento do setor de recursos humanos em capacitações empreendedoras junto aos colaboradores das empresas de saneamento também representam um fator crítico de sucesso.

Investir na implementação do SIG no setor saneamento é muito mais do que adquirir software e/ou treinamentos junto aos mesmos. O entendimento de que se a organização utilizar software SIG livre implica em uma implementação gratuita é incorreto. A escolha de software livre está mais ligada a colaboração entre diversos setores especialistas em saneamento da sociedade, a não pagamento de royalties para a instalação de licenças, a liberdade de poder liderar ou influenciar sob quais as funcionalidades deverão ter prioridade no desenvolvimento, a liberdade de possuir o código fonte e não estar preso a um único fornecedor de serviços ou softwares.

Também a opção pelo software livre não está ligada a exclusão de softwares proprietários. Existem excelentes softwares no mercado, tais como MicroStation, FME e Erdas, cujas licenças que foram adquiridas e utilizadas para a viabilização da implementação com software livre Terralib. A coexistência de ambos mesmo após a implementação é plenamente viável e benéfica. O que deve ser considerado é a realidade do saneamento no Brasil que requer enormes investimentos para a universalização no fornecimento de água tratada com qualidade a população, bem como a coleta de esgotos sanitários.

José Maria Villac Pinheiro
Foi consultor em geoprocessamento junto ao Programa de Modernização do Setor Saneamento (PMSS) do Ministério das Cidades e é sócio-diretor da Nexus Geoengenharia
pinheiro@nexusbr.com

Agradecimentos ao consórcio ETEP, JNS, JHE e FIA ao material sobre perdas disponibilizado.

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