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Uma Lei para organizar o caos urbano

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Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei (PL) 3.057/00, conhecido como Lei de Responsabilidade Territorial Urbana, primo-irmão da Lei de Responsabilidade Fiscal e principal norma urbanística pós-Estatuto da Cidade.

Em maio de 2008, os Comitês Técnicos de Habitação e de Planejamento e Gestão do Solo Urbano do Conselho Nacional das Cidades (Concidades) promoveram um seminário nacional para analisar e debater o referido PL, em conjunto com as Secretarias Nacionais de Habitação e de Programas Urbanos do Ministério das Cidades e com o Fórum Parlamentar da  Reforma Urbana. Deliberou-se, então, pela formação de um grupo de trabalho e pela realização de cinco seminários regionais em todo o País, nas cidades de Curitiba, São Paulo, Goiânia, Salvador e Belém, que visavam aprofundar discussões junto à sociedade e coletar contribuições para aperfeiçoar o seu conteúdo.

Dentre poucos representantes catarinenses, participamos nos dias 11 e 12 de setembro de 2008 do seminário da Região Sul, abrangendo os Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, ocorrido em Curitiba. Percebe-se que ainda não “caiu a ficha”, para muita gente, da magnitude de tal PL, cuja promulgação trará reflexos diretos para as administrações municipais que ora se instalam no gerenciamento do parcelamento e do uso e ocupação do solo urbano.

Esse PL, em incubação desde o ano 2000 no Congresso Nacional, tem por alvo revisar e atualizar a Lei Federal 6.766/79 (Lei Lehmann), que rege o parcelamento do solo urbano em todo o País. No entanto, introduz inovações e avanços, ampliando e harmonizando as regras ali contidas com a nova ordem jurídico-urbanística vigente desde a promulgação da Lei Federal 10.257/01 (Estatuto da Cidade), constituindo-se em mais um importante instrumento para minimizar a crônica desordem urbana de nossas cidades.

Nele são tratados diversos temas e supridas variadas lacunas detectadas no regramento vigente. Destacamos, dentre outros tantos, os seguintes tópicos:
 – Definição de área urbana consolidada;
 – Regularização fundiária sustentável,  de interesse social e de interesse específico, condicionada à análise e aprovação do respectivo plano pela autoridade licenciadora, permitindo a redução das faixas de APPs para assentamentos informais anteriores;
 – Inclusão dos condomínios urbanísticos como modalidade de parcelamento do solo, admitindo-o apenas em municípios com gestão plena, tendo as áreas públicas localizadas externamente ao perímetro do empreendimento e condicionados à existência de lei municipal para mitigar o seu impacto no tecido urbano;
 – Criação de uma nova modalidade de parcelamento do solo, o loteamento fechado, com restrição de acesso público;
 – Instituição do parcelamento de pequeno porte, para gleba até 10 mil metros quadrados para loteamento e até cinco lotes para desmembramento, com dispensa de área pública;
 – Conceituação de infraestrutura básica e complementar (esta incluindo a pavimentação obrigatória de vias);
 – Integração das licenças urbanística e ambiental, visando agilizar os processos e eliminar as sobreposições e conflitos entre órgãos licenciadores;
 – Exigência de coordenadas georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro nas plantas;
 – Obrigatoriedade de plano de arborização viária;
 – Garantia de acesso público aos corpos d’água;
 – Limitação de impermeabilização de terrenos vinculado ao zoneamento da cidade;
 – Contrapartida e doação, pelo empreendedor, de área adicional para habitação de interesse social ou de recursos para o fundo municipal habitacional;
 – Elaboração de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) para parcelamentos potencialmente causadores de significativo impacto ambiental;
 – Flexibilização para intervenção em Áreas de Preservação Permanente (APP); e
 – Gestão plena municipal urbana.

Para se credenciarem à gestão plena – e assim adquirirem competência para exercerem localmente determinadas atribuições que não lhes cabe atualmente – os municípios deverão se organizar e se estruturar de forma a atender três requisitos. Devem ter, simultaneamente, Plano Diretor Participativo aprovado e adaptado ao Estatuto da Cidade; órgãos colegiados de controle social nas áreas de política urbana e ambiental (conselhos da cidade e de meio-ambiente); e órgãos executivos específicos nas áreas de política urbana e ambiental (fundações, institutos ou secretarias de planejamento urbano e meio-ambiente).

Código Ambiental de Santa Catarina

Por sua vez, em Santa Catarina instalou-se uma grande polêmica em razão do Governo do Estado ter submetido à Assembleia Legislativa o Projeto de Lei 238/08, ou seja, seu Código Ambiental Estadual. Alega o Governo de Santa Catarina que atende a reivindicações dos setores produtivos e busca consolidar o confuso feixe de normas existentes. Porém, na busca de tal objetivo acaba por atropelar inconstitucionalmente a legislação federal supra-incidente, em especial a que versa sobre as APPs marginais a corpos d’água, estabelecidas no Código Florestal Federal. Além disso, age de forma inoportuna, pinçando o referido PL num contexto adverso.

A nossa bela e Santa Catarina convalesce de uma catástrofe ambiental sem precedentes, em que  intensas, constantes e prolongadas chuvas assolaram diversas áreas e cidades, numa dimensão nunca vista. Águas subiram e morros desceram impiedosamente sobre pessoas, veículos e imóveis, ceifando vidas e zerando patrimônios. Ocorrências potencializadas pela ocupação indevida e caótica do solo, “auxiliada” pela desídia crônica dos órgãos fiscalizadores e pela falta de políticas facilitadoras de acesso à moradia legal à baixa renda.

Nesse panorama, seria inevitável instalar-se a polêmica. Embora bem-vindo por buscar eliminar a “colcha de retalhos” legislativa referente ao tema, o PL 238/08 revela-se precipitado e sofre acusações de ambientalistas e estudiosos de sepultar conquistas e avanços nas políticas públicas ambientais, além de favorecer a ocupação de áreas ambientalmente frágeis e vulneráveis às intempéries (encostas, margens de cursos d’água, nascentes, restingas, mangues, etc.).

Quando da série de audiências públicas promovidas em novembro de 2008,  técnicos, pesquisadores e ambientalistas manifestaram-se expressando seu receio de que a aprovação viesse a acentuar o quadro de degradação e vulnerabilidade socioambiental vigente. Um documento, subscrito por professores de diversas instituições universitárias, comitês de bacias hidrográficas e outras entidades afins, e reforçado por um abaixo-assinado virtual que, em apenas quatro dias, coletou 2,5 mil assinaturas pedindo a construção democrática do Código, provocou o aprofundamento das discussões e levou à articulação de um movimento intitulado Movimento por um Código Ambiental Legal (Movical – www.codigoambientallegal.org.br), o que ocasionou a protelação da votação do projeto pela Assembleia.

Diante das circunstâncias, a prudência e a precaução deveriam nortear as ações  do Governo de Santa Catarina. Seria providencial aguardar a promulgação da Lei de Responsabilidade Territorial Urbana, concebendo-se um Código Ambiental moderno e alinhado à ordem jurídico-urbanística, sob pena de ter que alterá-lo em curto prazo, regredindo ao status da “colcha de retalhos” que pretendeu debelar.

Osmar Günther
Engenheiro civil
Especialista em planejamento urbano
osmargunther@uol.com.br

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