Aceitei com grande satisfação o convite para escrever esta coluna, tendo em mente discutir alguns aspectos fundamentais envolvidos no GNSS, bem como os de ordem prática, mas sem deixar de incluir aplicações que fogem do objetivo original do GNSS, qual seja: navegação e posicionamento.
Desta forma, parece-me oportuno iniciar esta seção com um tema bastante fundamental e que ora ou outra traz certa dificuldade de entendimento, chegando a gerar alguma confusão entre os usuários. Trata-se dos referenciais envolvidos no posicionamento, restringindo somente aos de ordem terrestre, muito embora os celestes sejam fundamentais nas aplicações de alta acurácia. Nas próximas edições abordaremos assuntos como solução das ambiguidades GNSS, uso do GNSS na meteorologia e aeronomia, RTK em redes, GNSS para navegação aérea usando o conceito de CNS/ATM, etc..
Dados georreferenciados são elementos essenciais nas análises espaciais, os quais estão vinculados a um referencial geodésico previamente definido e realizado. Logo, a informação que identifica o referencial em que os dados estão vinculados é de grande importância. O posicionamento a partir de satélites artificiais, em especial GPS e Glonass, tem facilitado a execução desta tarefa. Todos os países que optaram por utilizar tais sistemas tiveram que disponibilizar soluções para seus usuários visando garantir a acurácia e a facilidade proporcionadas pelos mesmos.
No posicionamento espacial, as coordenadas dos satélites são determinadas num referencial inercial celeste geocêntrico, as quais podem ser convertidas para um referencial terrestre geocêntrico a partir da aplicação dos modelos de precessão, nutação e orientação da Terra no espaço. O referencial terrestre mais acurado atualmente é aquele realizado pelo International Earth Rotation and Reference System Service (IERS), denominado ITRFyy, sendo que as realizações mais recentes são denominadas ITRF2000 e ITRF2005. Estes referenciais são 4D, em cujas realizações as coordenadas são dadas para uma época específica, juntamente com as respectivas velocidades das estações, bem como um campo de velocidade. Desta forma, as efemérides dos satélites estão vinculadas a um referencial desta natureza ou compatível com o mesmo, tal como é atualmente o WGS84(G1150), para as efemérides transmitidas do GPS, e o IGS05 para as efemérides precisas determinadas pelo International GNSS Service (IGS). Enquanto a acurácia do primeiro é da ordem de 1,5 a 2 metros, a do IGS é de poucos centímetros.
Em fevereiro de 2005 foi adotado como referencial geodésico oficial, no Brasil, o Sirgas2000, que está vinculado ao ITRF2000 na época 2000,4, apresentando nível de acurácia centimétrico. Adicionalmente, foram disponibilizados o ProGriD, um sistema que transforma coordenadas (latitude, longitude) nos referenciais SAD 69 e Córrego Alegre para o Sirgas2000 e o Mapgeo2004, um novo modelo de ondulações geoidais. Com isso, o país passou a dispor de uma infraestrutura bastante adequada ao uso do posicionamento por satélite.
Os métodos de posicionamento por satélite estão fortemente vinculados aos referenciais associados com as efemérides dos satélites. Logo, dependendo da acurácia proporcionada pelo método, cuidado especial deve ser tomado na interpretação dos resultados. No caso do posicionamento por ponto, também denominado posicionamento simples ou autônomo, que proporciona acurácia da ordem de 10 a 12 metros, as coordenadas das feições levantadas são dadas no referencial em que as coordenadas dos satélites estão associadas. Logo, não haveria inconveniente algum em supor que a posição determinada esteja vinculada ao Sirgas2000. Um fator importante associado ao resultado é a disponibilização da acurácia do método. Por outro lado, no Posicionamento por Ponto Preciso (PPP) a situação é totalmente diferente em face da alta acurácia proporcionada pelo método. Além do referencial associado às efemérides, atualmente o IGS05 (similar ao ITRF2005), é importante considerar a época (instante) do levantamento. As coordenadas são dadas no referencial das efemérides, atualmente vinculado ao ITRF2005, na época do levantamento. Desta forma, no Brasil, os resultados obtidos com o PPP devem ser transformados para o referencial e época adotados no país. O serviço PPP online do IBGE disponibiliza os resultados levando em consideração estas transformações, algo que deve ser considerado pelo usuário nos outros serviços PPP online. No posicionamento relativo, as coordenadas das estações de referência exercem maior influência que as dos satélites no resultado final, de forma que ainda não se faz necessário atualizar as coordenadas das estações de referência de 2000,4 para a época do levantamento, nos casos em que se deseja acurácia ao nível de poucos centímetros.
Mas isto irá mudar com o passar do tempo e os engenheiros cartógrafos e agrimensores devem estar atentos para considerar esta situação quando o momento exigir.
João Francisco Galera Monico é graduado em engenharia cartográfica pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), com mestrado em ciências geodésicas pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e doutorado em engenharia de levantamentos e geodésia espacial pela Universidade de Nottingham. Atualmente é professor livre docente e líder do Grupo de Estudo em Geodésia Espacial (Gege) da Unesp. Autor do livro Posicionamento pelo GNSS
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