O universo jurídico vem se defrontando com desafios que questionam a letra fria da lei. Diversos tipos de desenvolvimento científico, como o tecnológico, o econômico e o ambiental, que culminaram no atual estágio de integração humana e entre os povos, denominado globalização, acabaram por tornar o Direito uma ciência de complexa organicidade.
A tecnologia sempre precede o Direito. Em tal afirmação, propõe-se a existência de distintos ramos do Direito, tais como das Telecomunicações, da Energia, do Saneamento, Espacial, Aeroviário, dos Transportes, Minerário, da Saúde, enfim, tantos quanto a tecnologia motivar a criatividade dos juristas. Como consequência, obtém-se uma grande desarticulação metodológica que não contribui para compreender o Direito como um sistema unificado.
No que concerne ao viés econômico, este tornou-se um dado indispensável na construção do Direito contemporâneo. É o que propõe a corrente anglo-saxã do Law & Economics, com grandes implicações nos estudos sobre agências reguladoras, constituição das tarifas, serviços públicos e práticas concorrenciais abusivas. Todavia, nesse sentido, excluem-se da análise os fatores sociais, o que não contribui para a diminuição das desigualdades sociais e regionais.
Essa transversalidade, como a aproximação entre Direito e Biologia, também é importante para compreender o funcionamento do ecossistema e modelos de atuação e intervenção, ou seja, para preservar o meio ambiente e o homem como uma de suas componentes. O Biodireito e o Direito Ambiental despontaram essa necessidade de compreender a Ecologia e o conjunto de normativas que buscarão a manutenção da sustentabilidade do planeta. Essa interdisciplinaridade cunhou a expressão “desenvolvimento sustentável”, que muito contribuiu para demonstrar que o desenvolvimento não pode comprometer as cadeias alimentares e a existência das gerações presentes e futuras.
Mas nem tudo é êxito. Há uma grande dificuldade dos especialistas em compatibilizar normas onde se tem a União, os 27 Entes Federados e os 5.560 Municípios brasileiros legislando ao mesmo tempo sob matéria ambiental, bem como apontar o ponto de equilíbrio entre desenvolvimento e preservação ambiental.
No entanto, o desenvolvimento tecnológico, econômico e ambiental tem como palco comum o espaço que, por sua vez, encontra na Geografia a base científica para estudar suas dimensões. O solo em que pisamos e edificamos, onde empregamos as técnicas e as trocas econômicas, que nos conserva enquanto humanidade, enfim, é no espaço que as relações humanas ocorrem, de forma que se torna secundário indagar se a repercussão em determinado espaço é tecnológica, econômica, social ou ambiental. Logo, o estudo do espaço dentro do Direito passa a ser uma técnica de estudo jurídico necessária e factível.
É preciso empregar de forma mais ousada essa interdisciplinaridade entre a Geografia e o Direito, enquanto leitura constitucional dos elementos geográficos do território, da região, da localidade e da escala, para obter-se uma reprodução cartográfica da norma jurídica. É necessário estudar as consequências dessa perspectiva para que o planejamento projetado na cartografia seja contemplado na norma, sem margem para equívocos.
O Sistema Cartográfico Nacional (SCN) regula as atividades cartográficas, sujeitando-as à disciplina de planos e instrumentos normativos. Por sua vez, o Decreto 6.666, de 2008, instituiu a Infraestrutura Nacional de Dados Espaciais (INDE), que pode ser definida como o conjunto integrado de políticas, arranjos institucionais, padrões, recursos humanos e tecnológicos, necessário para facilitar a disponibilização, o acesso e o uso de dados e informações geoespaciais.
Enfim, o grande objetivo do INDE é possibilitar o planejamento pelos Entes Federados, o que culminará na elaboração de normas jurídicas. Tal sistematização impõe a releitura dessa interdisciplinaridade, que vem sendo chamada de Geodireito. Por meio dos recortes do território (superfície, subterrâneo, marítimo, aéreo e espacial) busca-se harmonizar a escala geográfica (internacional, nacional, regional e local) perante aquela jurídica (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), por intermédio das técnicas de geoprocessamento.
Ainda há muito o que a Geografia e o Direito podem fazer para desenvolver a infraestrutura, conjugando-se esse objetivo ao respeito ao meio ambiente.
Luiz Antonio Ugeda Sanches
Mestre em Direito e em Geografia pela PUC-SP. Diretor-Executivo do Instituto Geodireito
las@geodireito.com