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Quebrando paradigmas

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No final do século XIX e início do século XX, um grupo de pesquisadores estudava uma forma de combater inúmeras doenças e detectou que grande número destas tinham vínculo com a água contaminada, expondo a população aos agentes patogênicos presentes na água. Na década de 20, o engenheiro Geraldo Horácio de Paula Souza foi empossado Diretor Geral do Serviço Sanitário do Estado de São Paulo e incumbido de enfrentar uma epidemia de febre tifóide que afligia a capital paulista. Geraldo identificou a causa da epidemia como a água que era retirada do rio Tietê na época e determinou a cloração da mesma para abastecimento público. Em meados de 1926, foi implementada essa técnica na distribuição de água potável à população e os resultados atingidos podem ser conferidos pela figura a seguir.
Número de casos de febre tifóide após cloração da águ

Número de casos de febre tifóide após cloração da água
(Fonte: Revista da Saúde Pública-USP)

Hoje, os municípios brasileiros possuem seus sistemas de abastecimento de água e de esgotamento sanitários geridos por companhias municipais ou estaduais, através de corpo técnico especializado. Essas empresas de saneamento necessitam conhecer e gerenciar tais sistemas, tanto na área de produção, tratamento e armazenamento de água quanto na distribuição aos seus consumidores, realizando inúmeros processos para garantir a qualidade nos serviços sob sua responsabilidade.

Além das unidades operacionais (estações de tratamento, estações elevatórias, reservatórios de água, entre outras) e seus cadastros técnicos de água e esgoto (redes e conexões) atualizados e georreferenciados, uma base geográfica de consumidores é imprescindível para aprimorar a qualidade dos serviços prestados pela empresa.

1º paradigma: lotes versus ligações

O georreferenciamento dos consumidores normalmente é apoiado na inscrição imobiliária municipal, obtida através de convênios com as prefeituras onde a empresa de saneamento detém a concessão, permitindo assim um estreito relacionamento entre os dados dos clientes dos serviços de saneamento e sua localização imobiliária.

Porém, há alguns inconvenientes que se devem considerar. O primeiro deles é que nem todas as prefeituras possuem, em sua estrutura administrativa e operacional, uma área que mantenha atualizada uma base imobiliária digital georreferenciada e permita esse relacionamento espacial entre as informações. Outro inconveniente é que, por razões político-administrativas, esses convênios podem ser suspensos e até mesmo cancelados, criando lapsos de atualização que podem comprometer a qualidade da base de dados de consumidores, influenciando nas atividades da empresa. E o último é o inconveniente “legal”, uma vez que os lotes que apresentam inscrição imobiliária são oriundos de loteamentos constituídos e aprovados pelas prefeituras, excluindo-se aí as invasões e/ou ocupações irregulares, onde os serviços de abastecimento de água e coleta de esgoto chegam antes da regularização fundiária urbana.

Com vistas a resolver a ausência dos consumidores na base de dados georreferenciada, e manter a Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar) focada nos seus processos comerciais e operacionais, foi idealizada a representação pontual das ligações como forma de espacialização de seus clientes. Desta forma, prescinde-se dos trabalhos de georreferenciamento de loteamentos e codificação dos lotes conforme a legislação e padrão municipal, que ainda podem apresentar discrepâncias entre a base imobiliária oficial (aprovada pela Prefeitura) e a realidade implantada (ortofoto).

Discrepância entre o loteamento oficial e a imagem aérea

O cadastro comercial da Sanepar é responsável pelos dados de identificação e caracterização dos clientes, entre os quais está a sua localização. A inserção de um ponto geográfico representando o hidrômetro ou o cavalete da ligação de água, tendo como atributo o número da matrícula da Sanepar, numa base cartográfica consistente, é o suficiente para permitir inúmeras análises e relatórios apoiados em critérios espaciais.

Mapas temáticos identificando a situação da ligação de água ou esgoto do cliente permitem identificar problemas de preenchimento do cadastro comercial e/ou áreas com necessidade de expansão de redes de esgotamento sanitário. O temático obtido das categorias dos clientes permite identificar concentrações de tipos de consumidores em determinadas áreas, clientes de importância elevada, como hospitais e escolas, e representar de diversas formas os grandes consumidores.

Os relatórios advindos destes mapas podem quantificar e qualificar os consumidores contidos num determinado entorno de interesse, como por exemplo quantificar o volume consumido de água e o volume estimado de esgoto dentro de uma micro-bacia de esgotamento, ou ainda identificar quais clientes não estão ligados à rede de coleta de esgoto, sendo considerados poluidores potenciais e gerando a necessidade de vistorias técnicas para garantir a correta destinação do esgoto gerado pelo cliente. Os relatórios gerados podem ter como parâmetros espaciais: municípios, bairros, áreas de distribuição de água, bacias e sub-bacias hidrográficas.
Consumidores realçados por volume de esgoto gerado em sub-bacias

Consumidores realçados por volume de esgoto gerado em sub-bacias

2º paradigma: versatilidade na base de dados de clientes

Uma vez gerada e mantida de forma consistente essa base de dados de consumidores georreferenciados de uma determinada localidade, pela empresa de saneamento, muitas áreas e instituições podem se beneficiar dessas informações espaciais.

A nuvem de consumidores pode ser utilizada para subsidiar o preenchimento de vagas para as instituições escolares públicas, através da priorização dos alunos cujas residências são mais próximas à escola, obtidas através da distância da casa do responsável, identificado pelo número da matrícula da Sanepar.

No âmbito da saúde pode-se identificar, de forma muito precisa, os focos de dengue ou doenças cujo vetor esteja no ambiente, associando os enfermos que são atendidos nos postos de saúde, através do número de matrícula da Sanepar, à posição geográfica de sua moradia ou trabalho. A concentração de casos em determinadas vizinhanças pode determinar ações de investigação e combate ao agente causador ou transmissor de doenças.

O meio ambiente pode ser beneficiado através do combate às ligações irregulares de esgoto nas galerias pluviais, e não na rede coletora de esgoto, permitindo a despoluição ambiental da bacia em que os clientes estão inseridos.

Já para o combate a desastres naturais, o georreferenciamento da ligação vem colaborar com o mapeamento e identificação de quem está habitando uma área de invasão, passível de inundação ou deslizamentos de terra, uma vez que os lotes instituídos pelas prefeituras ainda não estão implantados.

O objetivo deste artigo é apresentar, de modo sucinto, a mudança no modo de representar os consumidores de uma empresa de saneamento e a multiplicidade de usos que uma base de dados deste tipo pode atingir para benefício da sociedade.
Temático indicando moradias atingidas em cada cota de inundação

Temático indicando moradias atingidas em cada cota de inundação

Demetrius Mestre DallalanaDemetrius Mestre Dallalana
Engenheiro civil (UFPR), especialista em geoprocessamento e desenvolvimento de sistemas web. Membro da equipe de geoprocessamento da unidade de serviço de tecnologia da informação da Sanepar
demetriusd@sanepar.com.br

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