A Agência Nacional de Ordenamento Territorial, por Rui Barbosa
Imaginem uma redação para justificar a transformação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em Agência Nacional de Ordenamento Territorial nos seguintes termos: “A instituição consagrada no projeto que temos a honra de submeter-vos, representa a mais adiantada fase das ideias contemporâneas quanto à propriedade territorial, o mais benfazejo de todos os regimes para o seu desenvolvimento e frutificação nas sociedades hodiernas. Consiste o seu fim em estabelecer um sistema eficaz de publicidade imobiliária, e comercializar a circulação dos títulos relativos ao domínio sobre a terra.
O ideal dos economistas e jurisconsultos seria, no dizer de um publicista italiano, constituir registros públicos, onde fosse fácil e expedita a demonstração da propriedade territorial, bem como a investigação dos direitos reais incidentes a propriedade imóvel, e reunir em um só os vários institutos de publicidade existentes entre nós, a saber: cadastro, registro, hipoteca e transcrições. Só por esse meio se lograria constituir uma espécie de estado civil da propriedade imobiliária, correspondente ao estado civil das pessoas, e um bom sistema de mobilização da propriedade estável”.
O texto acima não é uma redação de projeto de lei atual, com o objetivo de criar uma estrutura jurídica diferente e exótica. Muito longe disto. Seu autor é Rui Barbosa, para muitos o maior jurista que o Brasil já teve. O Águia de Haia fundamentava, perante o então presidente, General Deodoro da Fonseca, o Decreto 451-A, de 31 de maio de 1890, que buscava reorganizar o Observatório do Rio de Janeiro, criando o Serviço Geográfico, que lhe ficaria anexo.
Com o advento da República, em 1889, o Brasil obteve a regulamentação do Serviço cartorial, denominado à época de “Geográfico”. A concepção de geografia se transformava e passava, assim como era a cartografia, a ser uma especialização da atividade do engenheiro.
Com a República, o Brasil se sofisticava e impunha a necessidade de novos instrumentos de gestão pública do território em geral e das geociências em especial. Em 1909, Domingos Jaguaribe apresentava sua “Geographia Social”, ou seja, uma iniciativa para promover a reforma da justiça e o aprimoramento tributário nacional. Na sequência, com o primeiro governo Vargas, o país obteve legislação para loteamentos e para o inquilinato. No regime militar de 1964, o Brasil teve regulamentado o sistema financeiro, condomínios e incorporações, os registros públicos e os loteamentos. Com a redemocratização, e a consequente Constituição Federal de 1988, houve o advento do Estatuto da Cidade, do Ministério das Cidades, da Lei de Patrimônio de Afetação, bem como do programa Minha Casa, Minha Vida (Lei 11.977/09 e Lei 12.024/09).
O problema é que estamos a enfrentar os desafios do século XXI alicerçados nos instrumentos jurídicos herdados do século XIX e do XX. É inviável conceber um sistema de ordenamento territorial constituído por uma legislação vigente e elaborada em cinco constituições diferentes, com diversas visões de Estado e inúmeros modelos econômico-financeiros.
Uma Agência Nacional de Ordenamento Territorial, que poderia ser criada por intermédio de substitutivo ao Projeto de Lei 3.057, de 2000, que discute a responsabilidade territorial na Câmara dos Deputados, estaria preparada para lidar com os desafios do século XXI, quais sejam: os aspectos técnicos e jurídicos do georreferenciamento, a reforma agrária, a limitação de aquisição de terras brasileiras por estrangeiros, a regularização da propriedade urbana e rural, os critérios territoriais para a preservação ambiental, dentre outros tantos que permeiam o cotidiano de nossa sociedade.
Estamos seguros que, se Rui Barbosa tivesse conhecido a internet e a tecnologia atual, concordaria com estes argumentos.
Luiz Antonio Ugeda Sanches
Mestre em Direito e em Geografia pela PUC-SP. Diretor-Executivo do Instituto Geodireito
las@geodireito.com