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O Ocaso da Escala

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A proposta da resolução posicional em substituição a um paradigma envelhecido

O conceito de escala – a relação entre uma medida em planta e sua verdadeira grandeza no terreno – faz parte do DNA humano desde que as grandes navegações propiciaram a disseminação dos mapas a partir de 1500. Fundamentadas no inerente “erro gráfico”, as normas técnicas para a sua produção definem, para cada escala, o erro residual que devemos considerar entre a planta e o terreno, na cotidiana tomada de decisões durante o emprego desses documentos. No Brasil, o Padrão de Exatidão Cartográfico (PEC), que é hoje uma simples popularização tardia do Decreto 89.817/1984 destinado especificamente à aerofotogrametria analógica, estabeleceu três classes de qualidade e, na mais barata, denominada Classe C (que é a que sempre dispomos), o erro residual é de 1,0 milímetro da escala. Assim, quando “medíamos” sobre plantas, nosso DNA salvava esse erro na memória e, intuitivamente, o processador vetorial orgânico que todos possuímos calculava a margem de erro no terreno. Por exemplo, se medíssemos com a escala um segmento de estrada com mil metros numa planta 1:10.000, devíamos ter em conta que no terreno encontraríamos entre 990 e 1.010 metros.

Artigo O Ocaso da Escala_Revista MundoGEO
Escala em 1864: detalhe da planta de divisão de uma sesmaria no Brasil Império

A escala num mundo digital

A grande verdade é que não fazemos mais estudos e projetos sobre estáticos mapas em papel e tampouco nos preocupa e exata escala dos produtos finais impressos, pois ninguém mais faz medidas com escala sobre eles. O que ainda importa é apenas a qualidade com que eles ilustram e/ou documentam os nossos conceitos e ideias. A manipulação das informações espaciais e os produtos finais operacionais já são e serão inexoravelmente digitais. Nesse meio, toda a informação – que é forçosamente georreferenciada a um sistema de coordenadas cartesiano – é sempre analítica, o que nos permite variar livremente sua escala com o zoom e selecionar o absolutismo matemático de qualquer elemento com o magnetismo numérico do comando osnap [Clássico comando no CAD] ou equivalente – algo impensável por 500 anos! Portanto, não há mais erro algum decorrente de nossa acuidade visual ou da estabilidade do desenho, fundamentos do erro gráfico, nem quando lemos nem quando desenhamos. O único erro latente com que devemos nos preocupar é o decorrente do método produtivo da informação espacial utilizada, seja ela vetorial (CAD, GIS) ou matricial (imagens), mas isso não tem mais relação com “erro gráfico”.

Resolução posicional

O termo resolução posicional é emprestado das demais “resoluções” consagradas para imagens de satélite, tais como a geométrica, a radiométrica, a temporal, etc., que foi desenvolvido na década de 90 para nos certificarmos da precisão cartográfica das feições extraídas da videografia digital – produto que antecedeu as atuais imagens de alta resolução. A resolução posicional é definida, aqui, como a acurácia do georreferenciamento da imagem, ou seja, a diferença da posição (coordenadas) de qualquer feição digital em relação à sua verdadeira posição no terreno ou, mais deterministicamente falando, no desvio-padrão das diferenças entre os pontos de apoio utilizados, na imagem e no terreno. A resolução posicional aplica-se com a mesma simplicidade para qualificar a informação vetorial. Num levantamento topográfico digital, por exemplo, a resolução posicional do produto final será o desvio padrão das diferenças entre as coordenadas de elementos, lidas no software (CAD, por exemplo) e posteriormente medidas em campo (com GPS, por exemplo). Se o que interessa para o projetista é a certeza de que nenhum elemento resulte mais próximo do que 1,0 metro dos futuros traçados, quando locados, essa é a resolução posicional que deverá especificar ao executor do levantamento. Esse, por sua vez, estará livre para escolher o método de execução conforme a tecnologia avança, mas será sempre o exclusivo responsável pela qualidade especificada.

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Georreferenciamento de imóvel rural: vértices “P” ao longo da estrada, medidos com GPS L1/L2 (direita) e diretamente sobre uma imagem WorldView2 (direita). A imagem possui resolução geométrica de 0,5 metro (observe bois acima à direita) e foi georreferenciada para alcançar resolução posicional de 1,5 metro

Como se conclui, a resolução posicional pode ser utilizada como um parâmetro seguro da qualidade cartográfica da informação espacial em meio digital, fundamental para a tomada de decisão dos limites ou potenciais de suas aplicações. Por outro lado, sendo um parâmetro decorrente do método produtivo, a resolução posicional resulta intrínseca ao produto e sujeita à responsabilidade técnica do seu executor. Isso viabiliza o registro de uma Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) e a segurança de sua transação e uso por terceiros. A qualquer momento, a resolução posicional contratada poderá ser verificada medindo-se no terreno uma amostra da posição de feições ou elementos bem definidos. No momento em que já dispomos de diversos sensores, produzindo imagens comerciais de alta resolução e baixo custo, todas com opções ortorretificadas pelo Shuttle Radar Topography Mission (SRTM) ou Advanced Spaceborne Thermal Emission and Reflection Radiometer/Global Digital Elevation Model (Aster/GDEM), basta georreferenciá-las com técnicas adequadas para transformá-las em bases cartográficas confiáveis, capazes de substituir ou suplementar os caros e lentos trabalhos de campo, essenciais para as obras e projetos de engenharia.

Aplicações

Um exemplo de sua importância e aplicação pode ser observado na figura. Nela são demonstradas, num caso de georreferenciamento de imóvel rural (Lei 10.267/01), as diferenças das medidas de coordenadas de vértices tipo “P”, obtidas pelo método estático rápido (GPS L1/L2), a esquerda, e diretamente medidas sobre uma imagem de alta resolução, a direita. A imagem é do satélite WolrdView2, de 2010, e foi georreferenciada para resultar com uma resolução posicional de 1,5 metro, ou seja, qualquer de suas feições não pode diferir mais do que um metro e meio da posição real, que é o limite atualmente aceito pelo Incra (3s) na reocupação de pontos. Como se observa, todas as diferenças resultaram menores que a precisão especificada. A adoção da resolução posicional de 1,5 e 2,5 metros, respectivamente, possibilita a disseminação da aplicação segura do sensoriamento remoto para reduzir custos e prazos na determinação de coordenadas de vértices não monumentados e limites naturais, desde que visíveis do alto. O georreferenciamento profissional de imagens distintas, com a mesma resolução posicional, resulta estatisticamente em leituras de coordenadas dentro dos mesmos limites e, portanto, um segundo profissional poderá verificar facilmente as coordenadas do primeiro. Ganha o proprietário, que paga um menor preço; ganha o profissional, que tem um menor custo com o mesmo lucro; e ganha a nação, que reduz o prazo e o investimento para a certificação de milhões de propriedades.

Diferenças absolutas (metros)
BVC P 0658 – P3 = 0,91
BVC P 0657 – P2 = 0,43
BVC P 0656 – P1 = 0,55

Quanto à secular escala, é inevitável que ela deixe de ser a protagonista das especificações qualitativas de produtos cartográficos digitais e passe a ser uma coadjuvante eventual. É como no Google Earth, onde ela está disponível embaixo, à direita, se você a “acende”, mas qual sua importância? O que queremos saber, de fato, toda vez que extraímos uma feição, medimos um segmento ou obtemos uma coordenada, é qual a resolução posicional de suas imagens, para sabermos o que podemos fazer com a informação extraída. Entretanto, seu conceito e sua referência certamente permanecerão nas esquinas de nossa mente e documentos. Uma honrosa homenagem a um recurso fundamental por 500 anos, que entre tantos méritos trouxe nossos antepassados e ajudou-os a construir a nação ímpar que hoje desfrutamos.

O Ocaso da Escala_Revista MundoGEO 66_Regis Wellausen DiasRegis Wellausen Dias
Engenheiro de minas, mestrando em geomática e presidente do GeoFórum, grupo de aperfeiçoamento do georreferenciamento de imóveis rurais
wellausen@ymail.com

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