Geotecnologias aplicadas à sistematização sucroenergética
A decisão que resulta na implantação de uma nova usina de açúcar e etanol origina-se de uma análise profunda, baseada em critérios técnicos, políticos, econômicos, infraestruturais e estratégicos que se combinam, resultando na escolha de áreas com maior potencial para esta atividade. Como o transporte da cana-de-açúcar, matéria-prima para a produção, não pode ser realizado a longas distâncias devido a perdas de propriedades da planta e aumentos nos custos de deslocamento, a abrangência da ocupação rural para o seu cultivo se concentra, em média, num raio de 40 quilômetros a partir do centro de moagem, o que gera enormes pressões pela maximização do aproveitamento das áreas disponíveis e aumento de produtividade, além de grandes dificuldades no gerenciamento da imensidão de terras sob controle da usina. Neste contexto, as geotecnologias oferecem ferramentas que possibilitam identificar gargalos e estabelecer estratégias solidamente embasadas para melhor utilizar os recursos existentes, aumentando a competitividade dos grupos usineiros.
Do ponto de vista técnico, a escolha do local para instalação de uma nova usina exige, além da análise edafoclimática, a observação de parâmetros topográficos como a declividade predominante na região, já que esta é condição para a mecanização das operações no campo e não deve, na maioria dos casos, exceder 12%. Com isto, a utilização de softwares capazes de processar imagens georreferenciadas de alta precisão, associadas a modelos Shuttle Radar Topography Mission (SRTM) torna-se uma boa alternativa para a sondagem preliminar do terreno. Adicionalmente, recursos como o Google Earth permitem investigar a presença de matas, cursos d’água, localização estratégica do ponto de vista logístico, atividades que concorrem pela terra, como pecuária, cultivo de soja, laranja, etc., o que oferece subsídios para justificar o envio de equipes a campo e realizar estudos mais detalhados. Para o reconhecimento de grandes áreas, o sensoriamento remoto é de grande utilidade, já que a classificação supervisionada dos imageamentos identifica a presença de corpos d’água, solos expostos, minerais, vegetação e áreas urbanas.
Com o intuito de fornecer matéria-prima à usina, têm início as atividades de ocupação das áreas no entorno e estudos para o seu melhor aproveitamento. Para tanto, o uso articulado das ferramentas CAD, Sistemas de Informações Geográficas (SIG) e recursos da topografia adquire importância fundamental, desde o mapeamento das áreas líquidas disponíveis até a sistematização das linhas de sulcação, que servirão como referência para as demais operações ao longo do ciclo da agricultura de precisão e terão implicações durante toda a vida útil do canavial.
Devido à inibição, por Lei, da queima dos canaviais para facilitar a colheita manual, aliada ao desenvolvimento técnico da mecanização e a consolidação da tecnologia auto-pilot, torna-se essencial que todas as informações estejam baseadas no posicionamento global (GNSS), já que os veículos se orientam por meio de aparelhos de GPS embarcados. Deste modo, é necessário que os projetos de sulcação estejam ancorados num ambiente georreferenciado que, ao mesmo tempo, conte com as facilidades CAD para manipulação geométrica, visto que estas conferem grande agilidade à realização de estudos. Tais projetos, porém, exigem elementos topográficos para subsidiar decisões como a seleção de terraços, análises de escoamento superficial da água, projetos de canais de vinhaça, tanques de armazenamento e movimentações de terra em geral, daí a necessidade de envolver softwares capazes de manipular dados altimétricos, inclusive aqueles provenientes de levantamentos a laser.
O projeto baseado no modelo digital do terreno implica, evidentemente, numa série de simplificações da realidade, o que resulta em dificuldades durante a sua execução. Neste aspecto, a adoção da tecnologia Real Time Kinematic (RTK) foi algo revolucionário, já que diminuiu os custos e tempo de levantamento do terreno, ao mesmo tempo em que forneceu dados confiáveis para orientar a circulação dos veículos e assegurar o perfeito paralelismo do plantio. Sem isto, os grandes desvios implicariam no pisoteio da cana, reduzindo progressivamente sua produtividade ao longo dos anos, algo extremamente grave para uma cultura baseada na rebrota. Graças às novas possibilidades derivadas da sistematização, é ainda possível reduzir drasticamente o número de manobras dos veículos, o consumo de combustível e consequentemente o desgaste, já que softwares especializados analisam a continuidade das linhas de plantio entre talhões e sugerem rotas otimizadas.
Entre os parâmetros adotados para o projeto agrícola sucroenergético, encontram-se, também, aqueles extraídos de bases de dados. Para que isto seja possível, cada talhão recebe uma codificação única e esta permite sua associação com o registro correspondente, agregando à geometria toda sorte de dados alfanuméricos existentes no cadastro, como as variedades utilizadas, estágio, distâncias do centro de moagem, ambiente, textura, etc.. Isto viabiliza um conjunto de análises geoespaciais, extração de relatórios e mapeamentos temáticos, que podem servir ao planejamento, orientando reformas nas safras seguintes.
Por fim, o levantamento georreferenciado de tipos de solo, pesagens da cana durante a colheita, identificação amostral da presença de infestações e outras variáveis, permitem que sejam gerados mapeamentos interpolados, úteis para o planejamento de aplicações de pesticidas e insumos diversos, corrigindo o solo para fazer melhor uso de áreas com baixa produtividade. Estes mapeamentos podem ser codificados para utilização em veículos capazes de realizar a aplicação de produtos a taxas variáveis, o que representa uma enorme economia e aumento da eficiência em relação à distribuição uniforme dos mesmos recursos.
A aplicação das geotecnologias para o planejamento e execução do plantio de cana-de-açúcar não é apenas uma opção, mas uma necessidade. Diante das oportunidades que vêm se consolidando no mercado internacional, através de acordos comerciais, o que provavelmente conduzirá à commoditização do etanol, a competitividade será um atributo fundamental para a sobrevivência dos grupos usineiros e a produtividade, mais do que a produção, será a medida de eficiência econômica adotada. Com isto, a informação e o planejamento sistematizado se tornarão diferenciais ainda maiores, que permitirão extrair o máximo de rendimento por hectare. Os pioneiros, como sempre, serão privilegiados por usufruir plenamente dos benefícios de todo este processo e certamente terão sua posição consolidada no mercado.
Geógrafo, coordenador técnico para geotecnologias na Tecgraf Tecnologia em Computação Gráfica
joao@tecgraf.com.br
Encarregado de geoprocessamento na AgroCFM
dmachado@agrocfm.com.br
Engenheiro de aplicações gráficas na Tecgraf Tecnologia em Computação Gráfica
osvaldo@tecgraf.com.br