Produzir análises cada vez mais precisas e mais rápidas para salvar vidas. É o desafio que o geólogo Agostinho Tadashi Ogura aponta para os pesquisadores, gestores e técnicos que lidam com os efeitos dos fenômenos climáticos extremos – e, especificamente, para o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden/MCTI), do qual ele foi nomeado diretor neste mês.
O centro em Cachoeira Paulista (SP), criado em julho de 2011 por decreto da presidenta Dilma Rousseff, opera em tempo integral desde dezembro e já emitiu 175 alertas a partir de sua sala de situação, que permite acompanhar simultaneamente as principais informações hidrometeorológicas (relativas à transferência de água e energia entre a superfície e a atmosfera) e imagens de sensoriamento remoto disponíveis no país. É uma das peças centrais da Política Nacional de Proteção e Defesa Civil e do Plano Nacional de Gestão de Riscos e Resposta a Desastres Naturais, que prevê investimento de R$ 18,8 bilhões em monitoramento/alerta e mapeamento, prevenção e resposta.
Ogura se graduou pelo Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP) em 1981 e foi pesquisador especialista em gestão de risco de desastres naturais do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) de 1982 a 2012. Também coordenou o grupo de estudos sobre o tema do Instituto de Estudos Avançados da universidade entre 1995 e 2001.
O Cemaden funciona em regime 24 horas há dez meses. Quais foram os avanços mais importantes do centro nesse período?
A primeira operação, abrangendo as regiões Sul-Sudeste e Nordeste em seu período chuvoso, teve caráter de operação piloto e foi um grande aprendizado. A operação contínua comprovou a validade de montar uma equipe com pessoas de diferentes especialidades técnicas – geodinâmica, hidrologia, meteorologia e desastres naturais –, como fizemos.
Nesse tempo, pudemos avaliar o potencial e as limitações dos dados observacionais. Ficou clara a necessidade de, muitas vezes, ter dados de retorno locais, obtidos por meio de contato com as instituições, como a ANA [Agência Nacional de Águas], o DRM [Serviço Geológico do Estado do Rio de Janeiro] e o Inea [Instituto Estadual do Ambiente do Rio de Janeiro] e as prefeituras municipais, além de pesquisadores de universidades e instituições de pesquisa com trabalho na área de prevenção de desastres naturais.
Nosso empenho é seguir incrementando a capacidade de análise das informações, por meio de uma melhor caracterização dos cenários de risco dos municípios monitorados. Praticamente todo dia um novo município tem suas áreas de risco mapeadas, e cabe a nós estruturar sua base de dados, para determinar os limiares de chuvas, suscetibilidade de terrenos e vulnerabilidade de ocupações humanas para ter condições de fazer o monitoramento efetivo em tempo real. Já temos 210 cidades na base de dados de municípios monitorados para alerta de risco de desastres naturais.
“Durante a rotina de monitoramento os operadores se comunicam no mínimo duas vezes por dia. Em caso de nível de alerta alto ou muito alto essa comunicação é ininterrupta.”
O Sistema Nacional de Defesa Civil tem como base a cooperação entre as três esferas de governo, e ainda a sociedade civil, para educação, prevenção e enfrentamento de situações urgentes. Como isso tem funcionado?
No caso do governo federal, a integração entre monitoramento e ação preventiva tem funcionado dentro do que foi determinado pela política nacional da área. O sistema funciona da seguinte maneira: o Cemaden analisa os dados de diversas fontes e emite alerta em três níveis de risco: moderado, alto e muito alto risco de desastre natural. O Cenad [Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Defesa Civil, do Ministério da Integração Nacional] recebe o alerta e o transmite à defesa civil dos estados e municípios.
Com a sala de situação do Cemaden e a nova sala de operação do Cenad, inaugurada em agosto, melhorou significativamente a comunicação entre os dois órgãos. Durante a rotina de monitoramento no chamado nível de observação, os operadores se comunicam no mínimo duas vezes por dia, por meio de equipamento de telepresença. Em caso de nível de alerta alto ou muito alto essa comunicação é ininterrupta.
Como instituições recentes, os dois centros têm clareza de que há necessidade de acerto de protocolo com os estados e municípios – principalmente os que já têm estruturas funcionando e planos em curso. Ações de comunicação e preparação com essa finalidade têm sido realizadas. Além disso, as situações críticas têm permitido fazer esses ajustes. Em Petrópolis [RJ], por exemplo, por ocasião das últimas fortes chuvas de final de setembro, o monitoramento foi feito em conjunto com os órgãos técnicos locais e estaduais, com troca de informações importantes para a emissão dos alertas.
Em muitas situações, especialmente quando há necessidade de remoção, existe resistência dos moradores, pelo medo de perderem seus pertences, e de governantes locais, por conta do ônus político. Como lidar com isso, quando vidas estão em jogo?
O plano nacional lançado em agosto, além de seu teor técnico e legal, fortalece uma posição política e de articulação das esferas governamentais numa mudança de paradigma e de cultura nessa área. É preciso mudar a visão política antiga que permeava a sociedade brasileira no tocante a não recorrer aos recursos técnicos existentes e às medidas necessárias para evitar que pessoas continuem a sofrer com os desastres.
O ritmo do avanço científico e tecnológico poderá fazer frente ao agravamento dos desastres naturais?
Reside aí um grande desafio: produzir análises cada vez mais precisas e mais rápidas. A decisão de ter um centro como o Cemaden, que se referencia em todos esses avanços, deve-se em grande parte à percepção de que os eventos climáticos extremos estão se mostrando mais frequentes e severos. No Brasil, o processo de urbanização recente torna cada vez mais importante o uso do conhecimento científico e de todas as tecnologias disponíveis. As cidades estão se expandindo em áreas desfavoráveis à ocupação humana, numa faixa de 400 a 500 quilômetros da costa, sujeita a chuva e estiagem severas. Além do conhecimento científico, supercomputadores, radares meteorológicos e milhares de pluviômetros são necessários – e estão previstos – para lidar com esse quadro.
Como foram os resultados do projeto piloto em Mauá (SP) para o aproveitamento das antenas de telefonia celular na emissão de dados de pluviômetros?
Têm sido muito positivos. Na parceria, a operadora Vivo com recursos próprios, adquiriu, instalou e opera quatro pluviômetros automáticos em Estações Radiobase [ERBs, conhecidas como torres de antenas de telefonia celular]. A localização dos equipamentos de medição de chuva, nessas ERBs, garante a integridade do equipamento e foi definida por estudos do Cemaden sobre as áreas de risco. Os dados poderão ser recebidos também pelos órgãos municipais e estaduais. Em alguns municípios há grande coincidência entre as ERBs e as áreas de risco – e aí temos a expectativa de colaboração de outras operadoras para ganhar escala na instalação de pluviômetros. Nos locais em que não há essa correspondência, uma solução parecida poderá envolver outros parceiros da comunidade local para a instalação de pluviômetros.
O secretário Carlos Nobre propôs a incorporação dos países do Mercosul na operação do Cemaden. O que isso significaria para o Brasil e para o bloco?
Seria ótimo o desafio de nos articularmos com os outros entes do Mercosul e, com base em parcerias e intercâmbio, produzir informações valiosas para os países-irmãos. Seria fabuloso para nossa capacidade em análise geodinâmica lidar, por exemplo, com a realidade do trecho andino, região sujeita a terremotos, que muitas vezes deflagram escorregamentos. E há no bloco países extremamente avançados em gestão de risco, que possibilitaria que o Brasil também ganhasse novos conhecimentos. Um projeto, então, de ganho duplo. Além disso, teríamos a possibilidade de compartilhar, de forma mais plena, um sistema de observação para todo o continente.
Para o verão deste ano, quais as ações de prevenção preparadas em todo o país para as chuvas intensas, deslizamentos e enchentes característicos da temporada?
No que diz respeito ao sistema de monitoramento e alertas de risco, tanto em pessoal técnico para operação nas emergências como em pesquisadores que desenvolvem as plataformas de desastres e alertas, o Cemaden estará em nível melhor de capacidade operacional do que no ano passado.
Continuaremos o trabalho de mobilização nas pontas e a busca por estreitar cada vez mais a interação com o Cenad. Por experiência de outros países, sabemos que a consolidação de um sistema dessa natureza leva um certo tempo, mas já operamos em condições de efetivamente dar alertas de risco com bom grau de confiabilidade. Estamos construindo parcerias com os países que são referência nessa área, como Suíça, Japão e Estados Unidos, e poderemos pular etapas que eles percorreram para atingir o desenvolvimento atual.
No âmbito do Plano Nacional de Gestão de Riscos e Resposta a Desastres Naturais, todas as frentes de atuação deverão dar um impulso como nunca houve no país, com recursos financeiros disponíveis para mapeamento de áreas de risco, projetos habitacionais e de reurbanização de áreas de risco e de contenção de encostas, organização de defesas civis municipais, enfim, um conjunto de medidas estruturais e específicas em um esforço de todas as esferas de governo para reduzir o risco de novas tragédias associadas a fenômenos naturais no Brasil.
Fonte: Pedro Biondi – Assessoria de Comunicação do MCTI