Desde que o professor Abbas Rajabifard, em conjunto com outros pesquisadores da Austrália, publicou em 2000 o artigo “Das iniciativas de IDEs locais às globais: uma pirâmide de blocos de montar” (tradução livre), se consolidou como o paradigma para a integração de IDEs em diversos níveis uma pirâmide, em cuja base ficam as IDEs corporativas, que se uniriam em iniciativas locais, estaduais, nacionais, regionais até uma formar uma estrutura global. A ideia era bastante original e contribui significativamente para a visão de que estruturas padronizadas podiam comunicar-se e formar associações mais amplas. Tal raciocínio foi adotado no Plano de Ação da Infraestrutura Nacional de Dados Espaciais (INDE) no Brasil, através do planejamento da execução escalonado em ciclos, sendo o primeiro para atores federais, o segundo para estaduais e o terceiro para os demais.
No entanto, diversas novas possibilidades surgiram ao longo dos 13 anos que nos separam da publicação do artigo. A difusão do mapeamento voluntário, o movimento para consolidação de dados governamentais abertos, e até mesmo a ampliação do uso e desenvolvimento de ferramentas livres contribuíram para um cenário no qual o paradigma da pirâmide não parece espelhar de forma exata o desenvolvimento das IDEs em níveis diferentes.
Tomemos como exemplo a implementação da INDE: na prática, algumas instituições federais estão com a adesão, a produção e a disseminação de dados a pleno vapor, enquanto outras ainda estão se capacitando para poder se integrar à iniciativa. Adicionalmente, as instituições, mesmo federais, não atuam apenas em Brasília, onde de forma geral ficam suas instâncias de gestão mais altas, mas também se distribuem em todo território nacional, em agências, escritórios, unidades estaduais, entre outras estruturas administrativas. É essa capilaridade que desafia os órgãos e os igualam aos demais entes federativos na tentativa de uniformizar padrões e descentralizar o conhecimento para que a informação seja mesmo produzida de forma distribuída e compatível com as normas adotadas. Por outro lado, há municípios, estados, regiões metropolitanas, que já possuem todo o arcabouço tecnológico para aderir à INDE. Portanto, não há razão para esperar que o ápice da pirâmide esteja implementado completamente para que seja sistematizada a forma de adesão de novos atores, com suas peculiaridades.
O momento atual sugere não mais um modelo de pirâmide, mas o de uma rede de informação, onde dados de diferentes escalas, produzidos por agentes dispersos, possam ser integrados em uma plataforma única e aberta para o benefício da sociedade.
As bases cadastrais, por exemplo, são as mais ricas fontes de informação sobre o ambiente urbano. No entanto, é nesta escala que as normas e padrões são mais heterogêneos, ou inexistentes, e são as instituições que trabalham com estes dados as que encontram maiores dificuldades quanto à capacitação de seus técnicos e ao compartilhamento de dados. Os esforços da comunidade devem se voltar para que as pontas da rede – ou se preferir o paradigma anterior, a base da pirâmide – seja fortalecida a ponto de garantir IDEs mais consolidadas, eficientes e disponíveis para múltiplos usos.
As bases digitais de referência passam a ser vistas não mais como um único produto a ser atualizado por uma instituição em datas que variam de acordo com o cronograma de investimento, mas sim como um conjunto de dados produzido por diversas fontes. Assim, por exemplo, os limites de unidades de conservação seriam atualizados diretamente pelo órgão ambiental responsável pela área. De forma análoga, pode-se proceder quanto aos limites municipais, através dos órgãos estaduais competentes ou quanto às estradas, recebendo dados do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), concessionárias e outros órgãos estaduais e municipais, dentre outros vários exemplos.
Em termos de pesquisa e inovação, tal integração nos coloca vários desafios. Um deles é reforçar o estudo sobre generalização cartográfica e modelagem de dados em escalas diversas, de forma que dados atualizados em níveis mais detalhados possam compor bases de dados mais gerais, evitando a duplicação de esforços e custos de novos levantamentos. Outra grande questão que surge da integração de bases diversas é a documentação da qualidade de dados, para que seja possível a decisão da utilização ou não de determinado produto de acordo com a necessidade do usuário. Ferramentas com este objetivo já existem, como por exemplo para a IDE europeia (Inspire) que permitem, entre outras funções, a validação de bases de forma semi-automatizada. Vale a visita no site www.inspireservices.eu/inspire-services para conhecer esse e outros webservices disponíveis.
Em resumo, as interferências e leituras do espaço geográfico acontecem de forma dispersa por atribuição legal ou necessidades específicas de diversos atores. A adoção da atualização dos dados o mais próximo do local onde os fenômenos acontecem poupa custos e o acúmulo de erros, e o compartilhamento descentralizado destas informações à rede proporciona uma infraestrutura de dados mais plural, dinâmica e participativa.
Professora de Banco de Dados Geográficos e SIG no Departamento da Geomática da UFPR. Engenheira Cartógrafa e doutora em Ciências Geodésicas pela UFPR, com mestrado em Gestão Ambiental pela Universidade de Nottingham, Reino Unido, e MBA em Gerenciamento de Projetos pela FGV. Coordenadora do nó da UFPR da rede ICA/OSGeo Labs. Coordenadora do Grupo de Trabalho de Normas e Padrões do Cinde/Concar
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