A Prefeitura do Rio de Janeiro (RJ) deu novo impulso para a conclusão do mapeamento dos subterrâneos da cidade ao publicar no Diário Oficial do município, no dia 4 de agosto, prazos para que as concessionárias entreguem os cadastros atualizados de suas redes. Quem não fizer isso até janeiro terá negadas licenças para obras em áreas públicas. A intenção é finalizar o Sistema de Gestão de Obras em Vias Públicas, o Geovias — um mapa digital com informações sobre as linhas das cinco principais concessionárias do município: CEG, Light, Cedae, Oi e Embratel. Com esses dados, a prefeitura espera evitar rompimento de dutos durante obras, o que costuma provocar desabastecimento de água, luz e internet e interdições no trânsito.
As redes existentes em 90% da cidade já estão no sistema — quando entrou em operação, há oito meses, eram apenas 30%. A Zona Oeste é a área com maior carência de informações. O Centro e a Região Portuária foram mapeados. Ao custo de 2 milhões de reais — bancados pelas concessionárias —, o Geovias foi programado por uma empresa terceirizada, em parceria com o Instituto Pereira Passos (IPP). Couberam à prefeitura a unificação e a administração dos cadastros que, além de fornecerem a localização das redes, trazem informações sobre o material e o diâmetro de tubulações (mas não indicam o estado de conservação). A próxima fase é o licenciamento digital, que vai agilizar a aprovação de novas obras no Rio e evitar o desperdício de papel, pois todo o processo será digitalizado.
“O Geovias tem duas grandes virtudes: ordenamento e conhecimento do subsolo. Na operação diária da cidade, podemos minimizar problemas de execução nas ruas. Hoje, todo licenciamento passa pelo sistema. Se for o caso, não autorizamos e propomos um novo projeto. Assim, diminuímos os problemas relacionados à operação. Há alguns anos, a obra de uma concessionária poderia acabar furando o cano de outra. Foi uma grande conquista do Rio. É a única cidade do país com todo esse inventário de subsolo”, diz o secretário de Conservação, Marcus Belchior, responsável pelo sistema.
Francisco de Assis e Jaci Vieira fazem parte de um time de oito técnicos em edificação que avaliam plantas de projetos, verificando se uma construção passa por cima ou muito perto de uma linha de gás ou eletricidade, por exemplo. A maior parte das demandas é de novas ligações das redes com consumidores, seguidos por pedidos de caixas de telefonia. “É uma ajuda incrível para evitar acidentes e explosões. Muitas vezes, propomos mudanças como puxar um tubo de energia de uma caixa diferente. Também há empresas que vêm antes de terminar um projeto para verificar o melhor lugar para uma instalação”, conta Vieira.
O desconhecimento sobre o subsolo ficou evidente quando, em 2011, ocorreu uma onda de explosões em bueiros. Além disso, com o Rio transformado em um gigantesco canteiro de obras — em função das intervenções de infraestrutura para receber os grandes eventos —, muitas tubulações acabaram furadas. Segundo o subsecretário municipal de Conservação, Marco Aurélio Regalo, os riscos que moram nos subterrâneos ficaram mais evidentes.”É um projeto que nasce da necessidade de organizar o subsolo. Quando ocorreram as explosões em bueiros, todos perceberam os riscos contidos no subsolo. Aquilo deu um valor maior ao Geovias, que já existia”.
Já Belchior garante que alguns acidentes poderiam ser evitados — como a coluna de chamas que surgiu na Avenida Abelardo Bueno, quando um retroescavadeira furou um cano da CEG, nas obras do Transcarioca, e parou o trânsito na Barra da Tijuca, em fevereiro do ano passado. “O Rio vai fazer 450 anos e, inacreditavelmente, a cidade não conhecia todos os operadores do subsolo. Isso é importante tanto para o ordenamento dos subterrâneos quanto para a operação da cidade. Alguns acham que é só ter wi-fi, mas não é. É ter uma base de dados e colocar inteligência sobre ela”, disse o secretário.
Antes da criação do Geovias, era muito difícil verificar a existência de estruturas enterradas, sem escavar. A Geovoxel — empresa criada na Incubadora da Coppe/UFRJ — é uma das poucas que detêm tecnologia para isso: o geo radar. O canadense Louis-Martin Losier, um dos sócios, conta que cerca de 15 empresas contrataram seus serviços de prospecção de subsolo, desde 2011, para obras. Por causa de acordos de confidencialidade não pode citar nomes, mas garante que alguns dos legados da Copa fizeram uso dos radares de solo.
A Cedae informou que entregou o seu mapeamento à prefeitura: “Os dados detalham os cerca de 22 mil quilômetros de redes subterrâneas”. A Prefeitura também teria recebido o detalhamento da rede da Light, como diz a empresa. Segundo a CEG, a companhia forneceu “mapas que, além da localização, trazem características técnicas sobre a tubulação”. Já a Embratel disse que não se manifestaria por ainda “não ter conhecimento do teor do decreto”. E a Oi informou cumpre as normas das prefeitura.
O engenheiro civil Manoel Lapa, vice-presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea) do Rio, elogiou a iniciativa da prefeitura de mapear o subsolo carioca. “Na minha opinião, é uma medida muito boa, que chega com muitos anos de atraso. Durante décadas, obras urbanas deixaram grandes prejuízos para a população. Eu mesmo passei pela experiência de enfrentar um subsolo desconhecido. Entre 1977 e 1980, por exemplo, trabalhei nas obras do metrô no Rio e, por inúmeras vezes, tivemos que paralisar os trabalhos para remover redes e tubulações que nem as empresas concessionárias conheciam”, afirma o engenheiro.
Lapa acrescenta que houve inúmeros acidentes pelo absoluto desconhecimento sobre a localização das redes instaladas nos subterrâneos da cidade. “E cada acidente era um grande prejuízo para a população. Existem ainda redes antigas, acredito, que não são de conhecimento até mesmo das concessionárias. É um problema muito grave, sério. Imagina uma rede de esgoto colada a uma rede de fornecimento de água. Um acidente pode contaminar tudo rapidamente. Um risco para a saúde das pessoas. Na opinião de Lapa, a medida vem com atraso, mas terá muita importância”, afirma.
Fonte: O Globo