Tome cuidado com improvisos e tecnologias baratas!
Para iniciarmos este artigo, gostaria de compartilhar alguns questionamentos e manchetes que me deparei nos últimos tempos: “O VANT vai substituir a Fotogrametria?“, “VANT x Fotogrametria“ ou “Será o fim da Fotogrametria?“, entre outros parecidos. Coloquei isso propositalmente de início para esclarecermos e desmistificarmos estes questionamentos e comparações que não fazem sentido.
O VANT é uma plataforma, um veículo, e Fotogrametria é uma ciência aplicada, que se utiliza de técnicas rigorosas com o propósito de se obter informações confiáveis e precisas a partir de medidas e interpretações de imagens, sendo portanto, sem sentido compararmos os dois.
Esclarecido isso, podemos passar à discussão sobre a possibilidade de realizar trabalhos fotogramétricos utilizando plataformas do tipo VANT (Veículo Aéreo Não Tripulado), ou, popularmente apelidados de drones. Como vimos anteriormente, a Fotogrametria está relacionada à obtenção de informações confiáveis e precisas a partir de imagens e, deste modo, não está diretamente associada ao veículo ou plataforma, mas sim ao tipo e qualidade do sensor de imageamento e às técnicas e modelos matemáticos utilizados no tratamento e processamento dos dados.
Logicamente, o mínimo que se espera do veículo é a estabilidade e a segurança operacional para propiciar a cobertura e a produtividade adequada do levantamento aéreo. Não podemos esquecer que a Fotogrametria surgiu no século 19 e os primeiros levantamentos aéreos foram conduzidos a bordo de balões. Além disso, em aplicações militares de espionagem foram utilizadas câmaras instaladas em pombos. A partir destes marcos históricos, podemos sugerir que a Fotogrametria associada ao VANT já existe a mais tempo do que imaginávamos.
Portanto, diante de tudo isso, podemos já responder que é possível realizarmos trabalhos fotogramétricos e de mapeamento a bordo de VANT, desde que nos preocupemos com a qualidade do sistema de aquisição embarcado.
A constante e rápida evolução de componentes eletrônicos e projetos mecânicos e estruturais aumentou dramaticamente a oferta de opções de VANTs no mercado que carregam algum tipo de sensor, em geral uma câmara fotográfica digital ou filmadora. Estes modelos podem variar em tipo, tamanho, peso e valor e o acesso a eles se tornou fácil. Hoje em dia, podemos comprar diversos modelos pela internet e recebermos no conforto de nossas casas.
O problema é que esta grande facilidade de aquisição e o custo popularizado destes equipamentos fomentou um grande mercado informal e populista, que oferece inúmeros modelos que prometem grandes resultados a partir de improvisos “caseiros” e tecnologias baratas, sem o mínimo rigor de qualidade.
Para servir de exemplo, há pouco dias me deparei com um anúncio em um popular site de compra e venda, divulgando “VANT de FOTOMETRIA para Mapeamento”. Se o suposto fabricante não sabe nem o que é Fotogrametria, imaginem o que ele entrega. Quando entrei no link pude comprovar o absurdo que se oferecia. Na realidade, o fabricante estava apenas tentando usar a Fotogrametria e o Mapeamento como estratégias de marketing, sem ter o mínimo conhecimento destas áreas.
Quando pensamos em Fotogrametria, estamos falando de aplicações métricas, e o que se deseja é a extração de informações e medidas precisas dos produtos derivados. Para que isso seja possível, deve-se adotar sensores de maior qualidade e lentes com foco fixo (sem recursos de zoom e focalizadas para o infinito) e pequena distorção, além da calibração periódica da câmara e do emprego de pontos de controle e/ou sistema GNSS/Inercial integrado de forma síncrona ao sensor de imageamento. Quanto melhor for este sistema de aquisição, maior será a qualidade e precisão do levantamento realizado.
Como os modelos de VANTs capazes de carregar um sistema de Aerofotogrametria de grande formato – utilizados nos tradicionais serviços de aerolevantamento com aeronaves tripuladas – ainda não possuem relação custo/benefício acessível, há um grande esforço para a miniaturização de sistemas para propósitos fotogramétricos, mapeamentos topográficos e interpretação de imagens.
Aqui, gostaria de diferenciar os modelos de VANTs leves, geralmente de asa fixa, que possuem uma simples câmara digital de médio formato (em geral de 12 a 16 megapixels) conectada de forma pouco precisa a um GPS de navegação para a coleta de imagens. Estes modelos, que são vários no mercado, não possuem o rigor de um sistema para propósitos de mapeamento, tendo em vista que a câmara é exatamente a mesma utilizada por um usuário amador, inclusive com a lente de variação de foco, e que não possui nenhum tipo de calibração ou sincronismo preciso com sistema de posicionamento/navegação. Devido a estas características, estes modelos não são compatíveis aos softwares fotogramétricos de processamento de dados. Poderíamos dizer que são mais voltados às atividades de “Aerofotografia” para interpretação de imagens.
Para a categoria de VANT voltado para mapeamento, devemos observar as características do sistema de aquisição que está integrado e a confiabilidade e estabilidade da plataforma. O sistema deve possuir as características básicas para aerolevantamento, como câmara de melhor qualidade com lentes de foco fixo e estáveis, calibração periódica, garantia de estabilidade geométrica, além de sistema de disparo e sincronismo com sensores de posicionamento e navegação de alta precisão. Mas, como discutimos anteriormente, os VANTs de grande porte, que suportariam os tradicionais sistemas fotogramétricos, ainda não são economicamente viáveis. Isso abriu espaço para a miniaturização de sistemas de mapeamento mais simples para embarcar nas aeronaves de menor porte, de até 25 kg, como o SwissDrone Waran TC-1235/Leica RCD30 e o SX8 da
Sensormap Geotecnologia.
Logicamente que não queremos e nem podemos comparar estes sistemas miniaturizados aos tradicionais sistemas fotogramétricos de grande formato usualmente empregados nas aeronaves tripuladas, tendo em vista toda a diferença de tecnologia e custo de produção envolvidos. Para estes modelos miniaturizados, pensamos em soluções customizadas com excelente relação custo/benefício para trabalhos de mapeamento em áreas de menor porte (inferiores a 50 km2).
Considerando estes sistemas miniaturizados voltados para mapeamento, podemos explorar os mesmos produtos cartográficos decorrentes da aerofotogrametria tradicional, como ortofotos, modelos digitais de terreno e superfície, extração de feições por visão estereoscópica, entre outros. Levando-se em conta as características destas plataformas (agilidade, flexibilidade e custo) e a tendência por “Cartografia rápida” com análises periódicas, algumas aplicações fundamentais para a economia do país vêm demonstrando serem muito atrativas para o uso destas tecnologias, como o monitoramento detalhado agrícola e ambiental, áreas de riscos e desastres, e o mapeamento de precisão de obras de engenharia e energia. Há que se mencionar, ainda, a disponibilidade recente de sensores multiespectrais e hiperespectrais leves, que revolucionarão as aplicações agrícolas e ambientais.
Como vimos, as plataformas não tripuladas mais estáveis associadas a sensores e sistemas de qualidade podem ser usadas em trabalhos de Fotogrametria e mapeamento. Para fecharmos nosso assunto, gostaria de deixar mais um empolgante debate: “A Fotogrametria a partir do VANT irá substituir a tradicional Fotogrametria a bordo de aeronaves tripuladas?” Olhando esta avalanche tecnológica que estamos vivendo, nos parece ser uma tendência natural dos fatos, assim como na aviação tradicional de passageiros, mas fica a dúvida de como e quando isso irá ocorrer.
Roberto da Silva Ruy
Doutor em Ciências Cartográficas pela UNESP, com especialidade em Fotogrametria e Calibração de Câmaras. Diretor e sócio-fundador da Sensormap Geotecnologia
roberto@sensormap.com.br