A Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos do Estado de São Paulo está estudando a implementação de programas de gestão da demanda e uso racional de água na região metropolitana como os existentes em países com experiência em enfrentar secas severas e ameaças à segurança hídrica, a exemplo da Austrália.
Alguns detalhes dos programas foram apresentados por Monica Porto, secretária adjunta do órgão e professora do Departamento de Hidráulica e Ambiental da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), durante o workshop “São Paulo & Austrália: estudos, políticas públicas e gestão dos recursos hídricos”, realizado nos dias 18 e 19 de novembro na sede da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), na capital paulista.
O objetivo do encontro foi estreitar a cooperação científica e tecnológica entre pesquisadores de São Paulo e da Austrália particularmente na área de recursos hídricos, em que o país tem muita experiência por ter enfrentado secas semelhantes à que São Paulo vivenciou em 2014, a maior dos últimos 84 anos.
“No passado o grande problema de São Paulo era o de enchentes, causadas pelo excesso de água. Hoje estamos enfrentando uma situação oposta e nova, a falta de água, que na Austrália é uma situação permanente e com a qual os australianos aprenderam a lidar. Por isso, a colaboração de pesquisadores da Austrália com os do Estado de São Paulo nessa área é muito bem-vinda”, disse José Goldemberg, presidente da FAPESP, na abertura do evento.
Acostumados a conviver com a alternância entre períodos de seca e de inundações, os australianos foram surpreendidos no fim do século 20 pela chamada “seca do milênio” – uma estiagem sem precedentes que atingiu todo o país entre os anos de 1997 e 2009 e afetou fortemente a cidade de Melbourne, capital do estado de Victoria (leia mais sobre a “seca do milênio” em agencia.fapesp.br/21071/).
A fim de se preparar para enfrentar crises severas, sem comprometer a segurança hídrica do país, os australianos desenvolveram uma série de programas de gestão da demanda e uso racional de água.
Dois anos antes da “seca do milênio”, em 1995, a companhia de abastecimento hídrico de Sydney – a cidade mais populosa da Austrália, com mais de 4 milhões de habitantes – recebeu, por exemplo, a incumbência de reduzir a demanda per capita de água em 25% até 2001 e 35% em 2011.
Para que essa meta fosse atingida, foi implementada uma série de iniciativas com o objetivo de reduzir a pressão e os vazamentos em tubulações, aumentar a eficiência hídrica nas empresas e oferecer tecnologias de baixo custo para aumentar a economia de água em residências, como chuveiros e sanitários com baixo fluxo de água, e a utilização de água de reúso para descarga e rega de jardins.
Subsidiados pelo governo australiano, os dispositivos domésticos com maior eficiência no uso da água tornaram-se comuns em toda a Austrália e contribuiram para que todo o país atingisse mais facilmente a meta de redução de consumo de água doméstico, disse Stuart White, professor da University of Technology Sydney e diretor do Institute for Sustainable Futures da universidade australiana.
“A partir de 2004, todas as novas construções na Austrália tinham que usar 40% menos água em comparação com as já existentes. Isso ajudou a atingirmos a meta de diminuição do uso de água no país e planejarmos melhor nossa resposta à seca do milênio”, afirmou White durante o encontro.
Programas em estudo
Inspirado no exemplo australiano e de outros lugares no mundo, como a Cidade do México, a Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos do Estado de São Paulo está planejando implementar dois programas de gestão de demanda e uso racional de água.
O primeiro programa visa substituir vasos sanitários, torneiras e outros dispositivos domésticos experimentalmente em 20 mil residências situadas em conjuntos habitacionais em São Paulo.
O segundo programa pretende financiar, a juros reduzidos, ações de indústrias, produtores agrícolas, fornecedores de serviços – como de hospedagem – e condomínios residenciais, voltadas para redução do consumo de água.
“Esses programas estão em fase de planejamento administrativo e financeiro”, disse Porto. “Pretendemos lançá-los no início do próximo ano, mas temos barreiras a serem vencidas, porque São Paulo está passando não somente por uma crise hídrica, mas também econômica”, ponderou.
Segundo a pesquisadora, já há na região metropolitana de São Paulo exemplos pontuais de programas de gestão de demanda da água.
O Programa de Uso Racional da Água (Pura), implementado há 16 anos no campus da USP, em São Paulo, conseguiu obter uma redução de 50% no consumo de água na Cidade Universitária.
O programa foi replicado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, em São Paulo, e resultou em uma economia de 25% no uso da água, a despeito do número de leitos no hospital ter aumentado 29% no mesmo período.
O programa também foi incorporado pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo que, com apoio da Sabesp, o implantou em escolas estaduais.
“Agora, necessitamos de um programa de gestão de demanda da água mais sistemático, que abranja principalmente toda a macrometrópole paulista [que compreende as regiões metropolitanas de São Paulo, Campinas, Sorocaba e Baixada Santista], para darmos mais fôlego e capacidade de ação para lidar com problemas de gestão de uso da água”, apontou.
Aumento da oferta hídrica
De acordo com Porto, apesar de estar situada em uma parte úmida do país e ter uma oferta relativamente grande de água, a disponibilidade hídrica per capita na região metropolitana de São Paulo é extremamente baixa em razão do alto consumo de água pela população – de 20 milhões de habitantes –, além do uso industrial e agrícola do recurso natural na região.
Por isso, para atender à demanda não só da região, mas também da macrometrópole paulista – que concentra 75% da população do Estado de São Paulo –, é preciso aumentar a oferta hídrica.
“Fora de um período de crise hídrica, como o que estamos passando agora, a região metropolitana de São Paulo possui uma reserva de água suficiente para 300 dias, em razão de sua hidrologia, enquanto Sydney possui uma reserva para quatro anos”, comparou.
“Uma das lições que essa seca está nos ensinando é que precisamos aumentar nossa reserva para promovermos a segurança hídrica. Por outro lado, para isso, também é preciso reduzir o consumo por meio da gestão da demanda e do uso racional da água”, apontou.
Segundo dados apresentados pelo professor José Carlos Mierzwa, do Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da Poli, a demanda per capita na região metropolitana de São Paulo hoje é de 189 metros cúbicos de água por ano, enquanto a disponibilidade natural de água na região é de 133 metros cúbicos por habitante por ano.
“Há quem ache que a região metropolitana de São Paulo necessite de água de outros lugares porque tem desperdício e outros problemas. Mas o fato é que, se não importar água, a região não consegue suprir o abastecimento”, afirmou.
A última edição do Plano Diretor de Aproveitamento de Recursos Hídricos para a Macrometrópole Paulista, desenvolvido pelo Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) e concluído em 2013, estimou que até 2035 haverá a necessidade de aumentar a oferta de água na região em, aproximadamente, 60 metros cúbicos por ano.
Aproximadamente metade desse aumento – 28 metros cúbicos – poderia ser originado de obras de infraestrutura hídrica da região e os outros 32 metros cúbicos restantes de programas de gestão de demanda e de reúso da água, indica o plano.
“O plano foi a primeira sinalização enfática da necessidade de constituir uma política pública voltada a promover a gestão da demanda e o uso racional da água na macrometrópole paulista”, disse Porto.
“E esses programas de gestão da demanda e uso racional da água não são de aplicação rápida, para serem usados em um espaço de tempo como o de uma crise hídrica, pela qual estamos passando agora. Mas são de médio e longo prazo”, avaliou.